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Syntaxe histórica
portuguesa
Syntaxe Histórica
Portuguesa
POR
AUGUSTO EPIPHANIO DA SILVA DIAS
ISCí-iqo
"S . I . õ^ (H
LISBOA
LIVRARIA CLÁSSICA EDITORA
DE A. M. TEIXEIRA
17, Praça dos Restauradores, 17
1918
— COMPOSTO E
lUPnKflSO
NA —
TIPOC Jl/IFI
^-;sE
QU filR/k
114, Rua de J<w4
Faloto.
112
— Mito
AO
&.'^° ònr. íDr. ^osé Ceiie c/e Yasconce//os
em testemunho de amizade e subida consideração
dedica este trabalho
^ngus/o Qpiphanío c/a Silpa S)ías.
Designações abreviadas
Aff. de Albuq. Comm.= Commentarios de Affonso de Albuquerque;
cita-se a pagina.
Alma instruída do Padre Manuel Fernandes: cit. o tomo e a pagina.
Aniorini=Francisco Gomes de Amorim.
Andrade, Aíí5ce/.= Miguel Leitão d'Andrade, Miscellanea : cita-se a
pagina.
Ant. de Sá=Antonio de Sá (1620—1678) : cit, o titulo do sermão e a
pagina.
Archeol,^=Archeologo Português: cit. o tomo e pagina.
Arraes=Frei Amador Arraes: cit. o numero do dialogo.
\ulegr.=Aulegrafia de Jorge Ferreira de Vasconcellos: cit. o acto
e a scena.
Azurara=Gomes Eanes de Azurara, Chronica da Guiné=Chronica da
Conquista da Guiné.
Balthasar Estaco, Sonetos . . ed. de 1604 : cit. o folio.
Barreto, Novos Es/. = Mário Barreto: Novos Estudos da Lingoa Portu-
guesa—cita-so a pagina. v
Barros=João de Barros:
Ásia ;
Iiopica=R. Pnefma: cit. a ed. do Visconde de Azevedo;
Dialogo da Viciosa Vergonha.
Bern.=Diogo Bernardes, O Lima: cit. o folio da edição de 1596; ás
vezes o numero da écloga.
Bern. Ribelro=Bornardim Ribeiro, Menina e Moça: cit. a parto e o
capitula,»ou então o folio da edição de 1557. As eglogas são
citadas pela edição de 1557.
Blut., yoc.=Kaphael Blutoau, Vocahtdario Português, etc.
Brãchy\.=Brachyologia de Príncipes de Fr. Jacintho de Deus.
VIII SYNTAXK HIBTOUICA roKTUGUKSA
Camillo—Cainillo Castollo IJraiico:
rcrfil—Perfil do Marquez de Pomba!;
Jiohcmia—Iiuhcnnu do lispirito.
Caminha-—!*, do Andrndo Caminlia, Poesias inéditas publicadas pelo
Dr. Priebscli, llallc a. S.: cit. a pagina.
Cartas Esplrit.=Ca/7as EnjiirHuais de l'"r. António das Cliagas: cit.
a pagina.
Cast.— -António Feliciano de Castilho:
Chavc=:A Chave do Euiyma: cit. a pagina da ed. da Empresa da
«Historia do Portugal» ;
FaM.=Os Faslos do Ovidio: cit. o tomo e a pagina;
Ouiono=0 OtUono: cit. a edição da ílmprosa da «Historia de
Portugal», o tomo e a pagina;
Quadros RisL—Os Quadros Históricos, da ed. da £mpresa otc.:
cit. o tomo o a pagina;
Misanth.=^0 Misanlhrojw.
Castanh. - Castanheda, Hist. du dc^cobr. c conquista da índia: cit. da
edição rollandiana o tomo e o capitulo, quando não se diga
outra cousa.
Ceita- -Frei João do Ceita, Sermões: cit. o folio.
Chiado— António Ribeiro Chiado:
Pral.— Pratica doilo fiyuras: cit. o folio da 1.» edição;
Rcgal,=Aulo das licgateiras, contido no volume em (jue vem a
Pratica das oito figuras: cit. o folio da 1." edição.
Chr. F.— Ciiristovào Falcão, Obras do — : cit. da ediçãp de Epipha-
nio Dias o numero da decima do Crisfal.
Corr. de Abusos= Corrcrfão de Abusos do Fr. Manoel de Azevedo.
Corte lmp.=-Corlc Imperial (obra anonyma): cit. a pagina.
Corte ReaI=-.Jeronymo Corto Real:
.\auf.=z Naufrágio de Sepúlveda: cit. a pagina tia ed. rollan-
diana.
Costa e SiIva=Josó Maria da Costa o Silva, Os Argonautas de Apo-
lonio de Khodos: cit. a pagina.
Crystaes d'Alma : de Cíerardo do Kscobar.
Diego Aff.— Diogo Affonso, Historia da vida e martyrio do glorioso
S.'" Thomas, 1554: cit. a pagina. 0
Doe. das Chance!. Reais--Docun)cntos das chancelarias riais an-
teriores a 1531 publicados por Pedro de Azevedo.
Eça de Queiroz, Crime=0 Crime do Padre Amaro.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA IX
En. Pori.=Eneida Forlugueza de João Franco Barreto.
Esmeraldo=£'sífíera/íío de silu orbis de Duarte Pacheco Pereira: cit.
a pagina da ed. de Epiphanio Dias.
Esp[eIho] de casados do Dr. João de Barros: cit. o folio da 1.^ edi-
ção (quando não se diz outra cousa).
Eufros. =£'«/>"osmn de Jorge Ferreira de Vasconcellos: cit. o acto e
a scena.
F. OIiveira=Fernão de Oliveira, Gramática portuguesa ; cit o capitulo
da edição de Tito de Noronha.
Fabul(ario)=0 Livro de Esopo, publicado pelo Dr. Leite de Vascon-
cellos: cit. o numero da fábula.
Fernão Lopes: D. João I=Chronica de D. João I: cit. a pagina da
ed. do Arquivo Histórico Português.
Ferreira=:Antonio Ferreira.
Figueiredo = P.e António Pereira de Figueiredo, traducção da
Biblia.
Fonseca (João da): Silva Moral e Histórica: cit. a pagina.
Fr. Anton. de Sousa, Man. de Epicteto=Frei António de Sousa,
Manual de Epideto, edição de 1785: cita-se o capitulo.
Fragmentos (Dois) de uma vida de S. Nicolau, do século xiv: pu-
blicados por Pedro Augusto d'Azevedo.
Freire^Jacintho Freire de Andrade, Vida de D. João de Castro: cit.
a pagina da edição rollandiana.
G. Barros=Henrique da Gama Barros, Historia da administração
publica em Portugal nos séculos xii a xv: cit. o tomo e pagina.
G. de Orta=Garcia de Orta, Colloquios: cit. o numero do coUoquio.
Garrett— Visconde de Almeida Garrett:
Cam. ^Camões : cit. o canto e a pagina da 4.^ edição;
Viagens^Viagens na minha terra: cita-se a pagina;
Alfageme^=Alfageme de Santarém: cita-se a pagina.
Gir., Alveit. =^lestve Giraldo, Livro d'Alveitaria: cit. a pagina da Re-
vista Lusitana, tomo 12.
Godinho^P. Manoel Godinho, Relação do Novo Caminho — edição de
1665: cita-se a pagina.
Goes=Damião de Góes:
Cat. M.=Catão Maior: cit. a pagina da ed. rollandiana;
D. Manoel=Chronica de D. Manoel: cit. o tomo e a pagina.
Grãál=Dois episódios da Demanda do Saoto Graal publicados na Re-
vista Lusitana, tomo 6.°.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
H. P.^IIeitor i'into, híalgos: rit. o ^ ^ . • da primeira
edição.
Herc.=Alexandro Ileroi; '■'>■<> •
Cas. Civ.=EstHdos ^ / eit. a pagina;
Eur.=Eurico, o Prosuyioro: cu. a jtagina;
Lend.= Lendas c narrativas: cit. o tomo e a pagina;
Monge=0 Monge de Cislcr: cit. o tomo e a pairina ;
Op.=0pusculos : cit. o tomo e a paírina ;
Poes.'~roc.<i(iy: cit. a pr.uina
Hyssope: de Aniouio Diniz da C./. ., .....>. < ^..çao do 1804: cit. a
pagina.
J. .'Woreira, I':sl. —Estudos da língua portugiat^u <it. a parte e a pagina.
Jorge Ferreira de Vasconcellos: Eufrosina, od. de 1786.
José Agost.=José Agostinho de Macedo.
L. de Vasconc.=Dr. Leite de Vasconcellos:
Tíj:I. ur<lt.-—Ti.rlii.^ <iflh;r ',- : cit. a pagina;
Pocs. amor,^^ Poc-sia amorosa do povo porlngn':z: cit. a pa-
gina.
Lang==nenry It. Lang, DusLirnri^^trii ii,s^ h'",iiri-^ Ih,,'.-- m,, ['crhifjn!:
cit. a pagina.
Leal Conselh,=^4). Duarte, Leal Consdluiro: .ií, a i)airina da cdioão
francesa.
Lenda de BarIaão=7Vx/; ',//;•; (i^t Lnfl-i '/•/< .-■mtos Barlaão . . pov
Cr. de Vasconcellos Abreu: cit. a pagina.
Lendas da índia, de Gaspar Correia.
Livro de J. Ar. = Luto de Joseph de Arimatia, publicado na fícvislít
Lusitana, tomo 11.°: cita-se a pagina.
Lobo == Francisco Kodrigues Lobo:
Carie na ald(ea);
Pastor peregrino.
L5fst, Komm. = Philologisehcr Komttv- - " • grinatio .!•
de E. Lofstedt: cita-se a pagina.
\MS.=Lusiadas de Luis de CaniTiis: cit. da edição de Epiphanio
Dias o canto e a estancia o ás v-zçs o vcr.-o.
Lusít. transf. = Lf<,si7oíiia tran^fonim'!'! do I\'rnão Alvares do Orien-
te: cit. o folio.
M. Bernardes, Pão prtrtido^yianoel Bernardes, Pam patlido cm pc-
' ,1. le !757.- cita-se a parte e o paragrapho.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA XI
Magalhães, Hisíoria = Veáro de Magalhães, Historia da provinda de
SJa Cruz: cit. o folio.
Mal. Coi\q, = Malaca Conquistada de Francisco de Sá de Meneses.
Man. d'tpicteío = AfaHí<ai dEpidefo, traduccão de Fr. Ant. de Sousa.
Mello = Francisco Manoel de 31ello, Carta de guia de casados.
Memorial das Proesas (da Tavola Redonda). Vid. «Vasconcellos>.
Mendes Pinto = Fernão Mendes Pinto, Peregrinação : cita-se o
folio.
Mil. de S.to Ant. =^ Cousas notáveis e Milagres de Santo António de Lis-
boa, textos antigos portugueses publicados por José Joaquim
Nunes: cita-se o capitulo.
Miranda = Francisco de Sá de Miranda: cita-se a pagina da edição
(das Obras completas) de D. Carolina Michaelis de Vasconcel-
los, quando não se diga outra coisa.
Monteiro Mascarenhas, Epanaphoras indicas.
Orta = Vid. «G. de Orta>.
Passos = Soares de Passos, Poesias: cit. a pagina.
Prestes = Antonio Prestes, Autqs: cit. a pagina da edição de Tito
de Xoronha.
Prov. = provérbio (contido na obra < Adágios, Provérbios., recopi-
lados por ordem alfabética por F. [François] R. [Rolland]
I. [Impressor] L. [Livreiro] E. [em] L. [Lisboa]». Ediç. de 18-41.
Queirós = Fernão de Queirós, Vida do venerável irmão Pedro de Basto.
Quita = Domingos dos Reis Quita {Obras de): cit. o volume o a
pagina da 3.a edição.
R. da Silva = Rebello da Silva, Mocidade de D. João V: cit. o tomo e
a pagina.
Rev. Lus. = Revista Lusitana do Dr. Leite de Vasconcellos: cit. o
tomo e a pagina.
Romanceiro Geral colligido pelo Dr. Teophilo Braga: cit. a pagina.
Roteiro de D. João de Castro.
Toscano = Francisco Soares Toscano, Paralellos: cita-se o capitulo.
Tempo d'agora = 0 Tempo d' agora, em diálogos, de Martin Affonso
de Miranda.
Th. Rib.o=Thomás Ribeiro, D. .Jayme: cit. a pagina da 10.^ edição.
Ulyss. = r/yssea de Gabriel Pereira de Castro: cit. o canto e a es-
tancia.
V. Bemf. = T7r/Hosa Bemfeitoria do Infante D. Pedro, Porto 1910:
cit. a pagina.
XII SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Vasconc, Memorial == Jorgo Ferreira de Vasconcellos, Memorial da
segunda Tavola redonda. Edição de 1567: cit. o folio.
Vat, = Cancioneiro da Valicana publicado por E. Monaci: cit. o nu-
mero da poesia.
Vieira heP.*^ António Vieira, Sermões: cit. a parte e a pagina; algu-
mas vezes o titulo do sermão.
Vis. de Tundalo = risão de Tundalo, publicada na Revisla Lusiiana,
tomo 3.".
ViiIg. = T'"/írcí/«.
PARTE I
Da ligação das palavras na oração
SECÇÃO I
Da composição da oração; concordância do predicado
com o sujeito
CAPITULO I
Composição da oração
§ 1. O sujeito é:
um substantivo (ou vários substantivos coordenados).
Pobreza não é vileza (Prov.).
ou um equivalente do substantivo, a saber:
1) um pronome: Quem arreda o azo, arreda o pec-
cado (Prov.)
2) um nome numeral: Três é numero primo.
3) um adjectivo (ou participio) substantivado: Pelos
fnáos perdem os bons (Prov.). Também os ameaçados co-
mem pão (Prov.).
4) um infinitivo: Tarde dar e negar estão a par
(Prov.).
5) uma palavra invariável tomada em accepção sub-
stantiva :
O seu si. sempre é fermoso \ Quando se ouve e se lhe crê,
Mas é mais que o não danoso | Quando o não nele se vê.
(Caminha, 346).
SVNTAXB HI8T0KICA FOKTUGUKSA
6) uma palavra tomada materialmente: mas é utna
conjuncção.
7) uma oração: 6 pouco crivei que as tradições dos
godos admiitissem a pena de morte (Herc, Op. v, 283).
§ 2. a) O predicado ó:
1) um verbo de sentido definido: A licença mata a
liberdade (Herc. Op. i, 45).
2) ou um verbo de sentido indefinido e um nomo
predicativo: A mocidade é amiga de novidades (Herc.
Op. II, 255). O sono he morte em vida (Vieira i, 1116).
Obs. Sobre os verbos que siio determinados por
outro verbo no infinitivo (v. g. poder fazer uma coisa)
vid. § 284.
b) Tem nome predicativo:
1) o verbo ser e os verbos: parecer, (arch.) seme-
lhar, estar, (arch.) jazer^ andar, ficar, sair, continuar, pe>i-
severar, (arch.) tornar [ — tornar-se].
O absolutismo nada mais é do que a tutela publiea
na sua manifestação extrema. (Herc, Op. IV 116). Aquel-
le espantoso dom Vasco da Oama conde Almirante nam
fez elle cousas, em cuja comparaçam as grandezas anti-
guas parecem pouquidades ? (H. P., / 458). Ter inimigos
parece hum género de desgraça; mas não os ter, he indi-
cio certo de outra muito maior. (Vieira, Serm. da 1." s. f.**
da Q.'*) Ás doutrinas positivas [das cscholas socialistas]
parecem-me longos rosários de despropósitos (Herc, Op.
II 139). e de pran semelha mays morta ca vyva (J. Soa-
res Coelho, Vat. 1017). A emphyleuse está radicada nas
tradições e nos hábitos do nosso paiz (Herc, Op. IV 248).
diz Séneca em a quarta tragedia que tall casamento he
muylo penoso, en que a própria molher jaz avorrecida
(Virl. B. 227). o cavalleiro negro não tardara a appa-
8YNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
recer onde mais accesa andava a briga (Herc, Eur. 118).
o escudo ... no qual todos os que punham fitos os olhos,
ficavam pedras (H. P., /, 276). Sahio vencedor Miguel,
ficou vencido Lúcifer (Vieira, Serm. de S.^'* Cath.^). No
começo um erro leve \ Adiante sai pesado ("Mfranda, 387)
Duas vezes foi este mesmo ouro ao fogo, da primeira coh-
servou-se, e sahio idolo, da segunda consumio-se, e fic^u
cinza (Ant. de Sá, Sermão de Cinza, 23). \ Estes remédios
sahirão inefficazes (Vieira, Serm. de S.^° Ant.°). o cavallo
emgrossa mais e torna mais manso (Gir., Alveit., 15) (e em
vários outros logares). a madre [de ChristoJ ficou e per-
severou sempre virgem (Corte Imp., 168).
Obs. Resultar com n. predicativo, v. g.: O esforço re-
sultou inútil, não 6 português.
2) a passiva dos verbos transitivos que tem n. pre-
dicativo do compl. directo (v. § 29): os casamentos feitos
sem as solemnidades da igreja eram reputados válidos
(Herc. Cas. civ. 21).
Ohs. 1 O n. predicativo junta-se aos infinitos e aos
participios de todos estes verbos, ainda quando não
tem sujeito próprio:
Como é bom ser feliz! (Herc, Eur., 294). vês os meus
olhos feytos fontes (Bern., Ed., VI, 19).
Obs 2 O n. predicativo pode ser substituído por
expressões qualificativas equivalentes (§51): Mas os que
expiraram não ficarão sem vingança (Herc., Eur., 224).
Obs. 3 Em certos casos os verbos enumerados em
1) empregam-se como verbos de significação definida,
conseguintcmente sem n. predicativo.
Madv. § 209.
8VNTAXK lUSTOKlCA rOUTL'<iUK.SA
§ 3. a) As orações impcssoaes — em sentido es-
tricto (') formam-sc:
1) Com os verbos que no sentido próprio designam
phenomenos meteorológicos ou phcnomcnos devidos a
factos astronómicos: chovei; gear, nevar, orvalhar, etc,
alvorecer, amanhecer, escurecer, anoitecer, etc, : | Rara-
mente cliove naquoUa ilha [de Ormuz]; somente do noite
orvalha (Godinho, Relação 67).
Madv. 55 U;G.
I']stes verbos também se empregam pessoalmente
em sentido ti'anslato: Chovido tormenles nos warlyres
(Coita, 194).
É corrente um emprego de chover com o sujeito
agoa (no sentido de chuva):
Chovia agoa meuda \ Por cima da verde folha (Chr.
F. 53). Na boca das mulheres o segredo he como a agua,
que chove nos telhados; passa de telha em telha ateque
finalmente cahindo no chão, por toda a parte se derranta
(Blut. \oc. em < segredo»).
Em latim: saxa plnunt (Estacio, Tlieb. 8, 417).
2) Com fazer acompanhado de um compl. directo,
significando assim:
a) phenomenos atmosphericos ou phenomenos de-
vidos a factos astronómicos: fazer calor, frio, trovões,
(') j.iii .-Muii.ui i.i.u í.iii..-:!! ^iii ii,ii>cy.-uao3 as oraç3cs cuju iinciu-.ulo so ro-
fero a uma oraç3o que faz as vezos do sujeito (v. g. Imjjorlaqne isto se faça dcpresna},
por isso quo uma ojaçSo n3o é propriamcato uma pessoa Jtrammatical. Apesar do quo
«Iguem tom diclo cm contrario, continm a julgar a cxprosstto «verbo impessoal» mais
característica do que «verbo unipessoal».
SYNTAXB lUSTOlUCA POUTUGUESA
vento, etc; soL luar, etc; como fizesse escuro (Castanh.
I, 46).
Nnnquant fecil tale frigtts: Nunquam fecit tales cestas
(S. Agost. Scrm. 25, 3, ed. de Veneza de 1772).
b) que é decorrido tanto tempo depois que uma
cousa aconteceu ou desde que ella acontece: fciz seis
meses que clle morreu, que não o vejo.
Faz annos. . . c/tie. . . (Cast. Fast. 2, 147).
3) com fazer mister:
F. e assentai-vos pêra alli.
J. Não faz mester, de pé sou. (Prestes, 140}.
4) com haver acompanhado de compl. directo, signi-
ficando assim, no seu conjuncto, a existência de uma pes-
soa ou cousa:
não ha nesta vida contentamento, que perm,aneça
(H. P. //, 464). Sem paixões violentas e exclusivas, não
ha as energias que assombram (Herc, Op. T, 6j.
lista construcçuo ascende ao latim da decadência:
Habcbat autem de co loco ad montem Dei fm-sitan quattuor
millia (Peregrinatio Aeiherioí, 1, 2; v. o Lôfst. Kamm, pg,
42 sg.).
Obs. Xo port. arcli. mcdio, juntava-sc frequente-
mente ao verbo haver o adverbio i ou ai. (No port. mo-
derno só se faz por affectação de archaismo):
quem hí ha fam acabado, que todo perfeitamente di-
ga e faça? (Leal Conselh., 386), na casa, onde ha hi
purgas e cousas de botica (H. P. /, 155j. Conta Solino
que ha hi Juia fonte no Epiro, onde se metem hua tocha
apagada, saij accesa (H. P. /, 447.
5) Com acontecer, succeder e synonymos, acompa-
nhados de uma expressão adverbial:
8YNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
Mas não lhe succedeo como cuidava (Lus. T, 44, 8).
Não succedeu assim (Herc. Op. Til, 9).
iVoJi farfiDii esl pi siciU CogUahal (Vulg. Mach., i 6, 8).
6) Com ser em certas ligações:
a) Com expressões de modo:
E foi ao revcz (contra factum est) (Ceita, 160). De
modo que passeando de vossa casa a fazer oração nesta
Igreja, he como se fosseis a Compostella (Vieira, //, 229).
Nos fins do Sectdo XV não era, porém, assim (Herc., Op.
Ill, 171).
Km latim: ita est, sic esl.
b) com designações de tempo e lugar:
Quando foi ao despedir-se da moça (Ceita, 112). Era
por uma destas noites vagarosas do inverno (Herc, Eur.,
24). Era ao anoitecer de um dia de novembro (Herc, Eur.,
133).
Cf.: Cttm ad solis occasum cssel. (Anel. Bclli Afric. 70, í).
c) com n. predicativo que signifique tempo:
Era a hora em que o homem está recolhido nas suas
mesquinhas moradas (Herc, Enr., 25j.
d) na combinação é que.
7) com estar nas locuções está bem, bem está:
' Está muito bem assi (Prestes, 323).
Em latim: bcne est.
8) com ir acompaniiado:
a) de um adverbio, exprimindo-se como correm as
cousas a alguém:
SYNTAXE nrSTOIlICA i>OKTIIGUES\
Cada um diz da feira como lhe vae nella (Prov.).
el rey de Cochim lhe mandou perguntar como lhe ya e cms
seus (Castanh., /, 74) como vos vay com vosso amo?
(Chiado, Prat, 87).
Substitue o latim esse: Ntimquam iam male est Sículis
qiiin aliquid facete el commode dicant. (Cie. Vers., 2, 4, 43).
b) das preposições em, para, exprimindo-se quanto
tempo vae fazer que uma cousa acontece ou acon-
teceu :
vay em dous annos que partimos delias (Vasconc,
Meinorial, 75) vay em quatro meses no mais [=nõ mais]
(Chiado, Regai., 98 v.j.
9) Com vir acompanhado da prep. por ou a, expri-
mindo o tempo em que uma cousa acontece (E sintaxe
pouco vulgar):
E, quando veo aos sete dias (Livro de José d'Arim.,
233). quando veyo á tarde ordenou-se hfm formosa pro-
cissão (Sousa, V. do Are, I, 204). N'esse mesmo dia,
qtmndo veio pela tarde, (Cast., Q. Hist., 2, 107).
10) Com passar cie;
Era principio de Agosto deste anno de 663 e passava
de hum anno e meyo que o Concilio durava, (Sousa, V. do
Are, I, 267j.
11) Com a loc. de estilo litterario «feito e de», signi-
ficando-se que uma cousa está perdida:
Feito era talvez para sempre, dos alterosos fados nas-
centes d'esta Monarchia, se dos Ceos lhe não assistira
umu Providencia, e na terra um D. Egas (Cast., Q. Hist.,
I, 104).
É loc. que traduz o latim: Adum est de aliqua re:
Si prorogatur, adum est (Cie, ad AU., 5, 15, 1).
SYNTAXE IIISTOUICA POKTUOUESA
12) Com a conjug. reflexa empregada como passiva:
sobe-se (v. § 136, b).
13) Com tocar e tanger: Já tocou a recolher: tan-
ger a capitulo.
14) Com cheirar e synon. :
não cheira aqui bem (Prestes, 3Í0).
15) Com doer, comer (fallando do prurido): Onde
lhe dóe? Onde lhe come?
Mihi dolehil, non libi, siquid ego slulte foccro (Plaut,,
Men., u 3, 84).
16) Com pesar (a alguém de algo):
Pesa-me a mi muito d' isso (Prestes, 139J.
Substituiu o latim: pfPtiUd aliqttem alicujus rei.
17) Com lembrar (a alguém de v. g.: ter ouvido isto)
(Construcçào da ling. familiar).
Sem te lembrar ao menos do teu gçído (Quita, /, 8õ).
Também em latim se diz: mihi inmruleni vcnire illiiis
lemporis (Cie, ad fam., 7, ÍJ).
18) Com dar-se na loc. não se me dá :
Mas o pior de tudo he que a ventura j 3'ão aspemos
os fez e tão austeros \ Tão rtidos e de engenho tão remis-
so i Que a muitos lhe dá pouco ou nada d' isso (Lus., F.
98). dá-se-lhes [aos filhos] de vós em fechmxln os olhos?
(Man. Bernardes, Pão partido, II, § 7).
19) No port. arch. com prazer, desprazer (a alguém
de algo):
Praz-mh a mi, senhor, de morrer (D. Dinis, Vat., 80).
sey que vos praz de meu ben (Martim de Caldas, Vat.,
800). quãdo souberon como Hercolles era viindo em Es-
SYNTAXE HISTÓRICA POHTUGUESA
panha, prougiie-lhes ende muyio (Esloria Geral., apud. L.
de Vasconc. Text. Arck., 46). E o rroussinol víq matar o
gaviam, e prouve-lhe tVello muyio, (FabuL, fab., 31). des-
praz-me de tanta vida (Diogo Fogaça, Canc. Ger., 7, 483, 26).
Obs. Não foi incluído o verbo archaico caler, em-
pregado V. g. por D. Diiiis (nom m'en cal; Vat, 80) por-
que, segundo o melhor parecer, é um provençalismo.
§ 4. O infinitivo e o participio em — ndo de um
verbo impessoal, combinados com um verbo pessoal, tor-
nam este impessoal, v. g, : pode haver casos; vae havendo
descuidos :
Em estes montes deve aver pedras e seixos (Gir., Alveit.,
7). pode aver descuidos (Sousa, T^. do Are, I, 293). Que-
ria anoitecer (Cast., Fast., II, Í4íj.
Observação aos §§ 3.^ e 4". Na conversação descu-
rada não se extranha dar aos verbos impessoaes por
sujeito grammatical o pronome elle ou os pronomes:
isto, isso, aqiiiUo:
E porque isto he noite rccolhamo-nos para o lugar
(H. P. 7, 406) Isto são dez Jioras já (Prestes, 125j.
Não que elle ha marotos muito grandes na tropa!
(Camillo, Corja, 24.)
§ 5. Os verbos na 3."^ pess. do plural, podem empre-
gar-se sem sujeito, significando-se d'este modo que, con-
quanto a acção se conceba referida a uma pessoa ou pes-
soas determinadas, todavia nào podemos, ou não quere-
mos nomeá-las:
Moço, d porta batem, vê \ d^essa janella quem é (Pres-
tes, 299).
T5 ampliação d'uma praxe que, mais restricta, exis-
tia em latim (Madv. § 211, obs. 2).
10 «YNTAXB HISTÓRICA rOKTUQtfKSA
§ 6. A lingoagem i)opular, e ás vezes a própria
litteratura arch. media empregam diz que com o sentido
de dizem que, diz-se que:
Diz que as Parcas senhoras são das vidas (Cami-
nha, 136). Diz que muitas léguas ao lartjo de Ceylão já
o gajeiro. . . percebe na fragrância das virações tépidas
as selvas de cavelleiras da ilha (Cast., Chave, 39). Diz
que ha na, nossa gente, no exercito do nosso rei, uns se-
nhores. . . mas são muitos que se chama a Ala dos Na-
morados e outros da Madresilva (Garrett, Alfageme, 87).
No latim da decadência occorre também dicil, dical,
ctc, em vez de didlur, etc.; v. Lõfst. A'omm. pg. 319 esg.
C. Giambelli no commentario ao de fiuibus de Cí-
cero, pg. 139, escrevo: « qui in Firenzo usa il popolo:
d ice: invece di : si dice, dicono, etc. '
§ 7. Para designar um sujeito pessoal indefinido,
servia no port. arch. médio o suljstantivo homem, cor-
respondente ao que a grammatica francesa costuma cha-
mar o pron. indefinido ov:
E pode homem hyr de Santarém a Beia [Beja] en
quatro dias (Estoria Geral., ap. L. de Vasconc, Text. Arch.,
49). Mas o alto Dios, que pêra longe guarda | O castigo
d'aquelle que o merece, \ Ou, pêra que se emende, ás ve-
zes tarda \ Ou por segredos que homem não conhece (Lus.,
III, 69). quanto homem vive vê mais (Prestes, 32).
No port. moderno tal emprego é devido a reminis-
cências litterarias.
Obs. Deve notar-so que oata construcção só se em-
prega em phrases do sentido geral; niio parece ter-se
jamais dicto : 'homem bate á porta* omquanto em francos
se diz: *on frappe á la porte».
SYNTAXE HISTÓRICA POKTDGUESA ' 11
CAPITULO II
Concordância do predicado com o sujeito
A. Concordância do verbo
§ 8. Quando o sujeito é simples, o verbo do pre-
dicado vae para o numero e pessoa a que pertence o su-
jeito:
A memoria de João U é odiosa (Herc, Op. III, 166).
Nesta hora não fora eu; foras tu quem deveria perecer
(Herc, Eur., 201 j. Todas as classes sodaes, cujos interes-
ses, mais ou menos legitimos, são feridos por qualquer opi-
nião, acham sempre essa opinião perniciosa e dissolvente
(Herc, Op. IV, 228).
§ 9. a) Havendo mais de ura sujeito, se um d'elles
é da í.^ pess., o verbo vae para a l.*^ pess. do plural,
quando ó posposto aos sujeitos; pode concordar com o
primeiro, quando vae antes d'elles:
nê eu n? vós devemos de temer (Diego AíT., 92) Eu,
e o Francês fomos mais devagar (Godinho, 81) Padecemos
vós y eu (G. de Kès., Canc. Ger., III, 75, 11) estávamos
vós e eu ambos presos (Bern. Ribeiro, Men., 7) num mes-
mo tempo fomos ambos elle salvo e eu perdido (H. P. /,
285, V.).
b) Se um dos sujeitos é da 2.'^ pess. e não ha ne-
nhum da l."*, o verbo vae para a 2.'' pess. do plural,
quando é posposto aos sujeitos; pode concordar com o
primeiro, quando vae antes d'enes:
Ella vil e tu vil, sanctos sublimes \ Sereis ante meu
Pae, (Herc, Pões., 133). Se são embusteiros os que nos
guião para a vida eteitia, que serás tu, e os teus, que
12 SYNTAXB HISTOUICA 1'0HTUGUE8A
meteis a pique as almas no inferno? (Man. Hernardes.
Flor., IJ, 77, ap. Barreto, 189).
No sul (lo país não se costuma empregar na pratica
familiar a 'i." pessoal do plural mas a 3.'*, por isso que
substituímos o pronome vós pela palavra vocês (v. § 187).
c) Se os sujeitos são todos da 3." pess., o verbo vae
para a S.** pessoa :
1) Se são todos do plural, o verbo vae para o plural.
Os brandões já gastos e os candieiros mmiiços derra-
mavam nma claridade suave pelo aposento. (Herc, Eur.,
195).
2) Se todos são do singular, e estào antes do verbo,
o verbo vae geralmente (sobretudo no port. moderno)
para o plural; se estão depois do verbo, cmprega-so
tanto o singular como o plural:
A ira c a soberba estragão as viiludes {H. P. 7, 198
e v.). A ignorância e rudeza não excluem a faculdade
du imaginação (Herc, Op. IV. 137j. Uma e ordra- cousa
duraram apenas rápidos instantes (Herc, Eur., 218). Nin-
guém sabia dizer quando, de que modo ou para onde
tinham um e outro partido (Herc, Monge, 2. 275). Tanto
o bispo conu) o parodio podem encarregar outro sacerdote
de intervir na celebração do mulrimonio (Herc Cas. Civ.,
167). O urso fcrocif:simo, o javali indomável, a leve corça
abasteciam a grosseira mesa desse.s godos, a cpiem a des-
graça e a vida dura das solidões fizera mais feros, mais
indomáveis e mais ligeiros do que elles (Herc, Eur., 166).
Isto nos contaram assi aquelle peregrino como a dona
honrrada (Diego AÍT.). frasbordam-lhe o tarro o a eira
(('ast., Outono, II, 69). E que me importam a mim esse
adio impotente, essa lingoagcm vergonhosa ? (Herc, Op.
III, 68). E é bello esse mundo de phantasmas aéreos por
entre cujos lábios descorados não transpiram nem petju-
SYNTAXE lUSTORlCA TORTUGUESA 13
rio nem dobrei (Herc, Em., 39). É necessário esforço e
vigilância (Herc, Eiu\, 70). EUe folga e ri assentado no
throno que lhe deii a iraição e o j)erjurio (Herc, Eur., 68).
3) se são de números differentes, o verbo vae, em
regra, para o plural. Quando, porém, os sujeitos estào
depois do verbo, emprega-se perfeitamente o singular,
caso o primeiro sujeito seja do singular:
Os ódios civis, as ambições, a ousadia dos bandos e
a corrupção dos costumes haviam feito incriveis progressos.
(Herc, Eur., 21). Nas solidões do Calpe tinha reboado a
desastrada morte de Wiliza, a enihronisação violenta de
Ruderico e as conspirações que ameaçavam rebentar por
toda a parle e que a milito custo o novo monarcha. ia
affogando em sangiie (Herc, Eur., 21).
Madv. § 212 o 213.
§ 10. Particularidades da Concordância do verbo.
a) O emprego do verbo no singular, depois de vá-
rios nomes de coisas (todos ou o ultimo d'elles no singu-
lar) como sujeitos, tem lugar:
1) quando se pretende representar os sujeitos como
formando um todo uno (v. g. fallando de circumstancias
que operam de concerto para produzir um effeito):
A vozearia e estrépito que fazia aquella mtdíidão
desordenada assustou . . . (Herc, Lendas. J, 105). Em tal
sorriso \ O passado e o fiduro estava impresso (Herc, Pões.,
211).
2) quando se quer fazer sobresair o ultimo sujeito:
Nem um pendão mourisco, nem um albornoz branco
alveja ao longe (Herc, Lendas. II, 81).
3) quando ha hendiadys:
Mas ó tu, geração d'aqnelle insano | Cujo peccado e
14 SYNTAXK HISTOUICA PORTUGUESA
desobediência \ Não somente do reino soberano \ Te pôs
neste desterro e triste ausência- . . . (Liis. IV, 98).
b) Ciuando antecedem o verbo vários sujeitos (todos
ou o ultimo d'elles do singular) ligados por ou ou nem,
o numero para que vae o verbo, deponde de razões
subjectivas, vendo que vae para o plural, se quem falia
pretende fazer sobresair a ideia da pluralidade dos su-
jeitos, a que se refere ou pode referir o predicado; para
o singular se tem em vista dar realce á referencia do
predicado a cada sujeito em separado:
Qual Austro fero ou Boreas na espessura | De silves-
tre arvoredo abastecida \ Rompendo os ramos vão da
mata escura \ Com ímpeto e braveza de^sniedida... {Lus. /,
35). O negocio em que vos vay a vida, ou a fazenda, ou
a honra . . . (Vieira, //, 84). Nem a fortuna nem a vul-
garidade se atrevem, contra o cuidado {Brachyl. 77) E
com tudo, nem David, nem Job . . . iiverão confiança para . . .
(Vieira, /, 92) Com tudo nem elle, nem sua mulher ficha-
rão contentes (Vieira, 7, 218-9). Nem crocodilo nem áspide
se vio mais naquelta comarca [Mon. Lus. 7, 97. col. 3, ap.
BI.) Mas nem a lisonja, nem a razão, nem o exemplo,
nem a esperança bastava, a lhe moderar as ânsias, nem
as vozes (Vieira, I, 324). A 7iullidade ou a validade do
contracto que o sacramento sanctificava eram assumpto
de direito civil (Herc, Cas. Civ., 128).
Quando, como sujeitos, se coordenara o pron. vós,
e outro nome do plural da 3.^ pess., o verbo indo depois
põe-se normalmente na S.'' pess. do plural:
pecados ... de que nem vós, nem outros fazem escrú-
pulo (Vieira, /, 503).
Obs. E' obvio quo servindo ou do exprimir corre-
cçiio, o verbo ha-de concordar com o segundo sujeito:
SYNTAXK HISTÓRICA POKT0GUE8A 15
Eurico ou, antes, a sua sombra, fugiu do lado de
Thcodemiro (Herc, Eur., 60).
c) Quando se exprime reciprocidade, o verbo vae
sempre para o plural:
olhos, onde luciavam amor profundo e cólera violenta
(Herc, Eur., 201).
d) Quando o n. predicativo é do plural, o verbo
vae para o plural:
São cousas tão differentes e e^tconiradas amizade e
adulação, que nunca se amatisarajn, nem fezeram parca-
ria (H. P. 11, 316).
Madv. § 212 e 213.
B. Concordância do adjectivo ou participio do predicado
§ 11. a) Quando o sujeito é simples, o adjectivo ou
participio do predicado vae para o género e numero do
sujeito:
.4 pretensão á infabilidade é sempre ridicula no in-
dividuo (Herc, Op. /, 5).
b) Quando o sujeito ó composto, o adjectivo ou
participio do predicado vae para o mesmo numero em
que está o verbo, e
1) se os sujeitos são todos do mesmo género, o
adjectivo ou participio toma o género dos sujeitos:
Esta (noite) e as que se lhe seguiram foram seme-
lhantes á antecedente, povoadas de visões e terrores (Herc,
Monge, I, 56).
Obs. De igual modo, v. g.; num mesmo tempo fomos
ambos elle salvo e eu perdido (H. P. I, 285).
16 SYNTAXK ;nSTORICA P0UTD0UE8A
2) se são de géneros diversos, o adjectivo ou par-
ticipio :
1') no caso do se empregar o singular, vae para o
género do sujeito mais próximo: E' necessário esforço e
vigilância; é necessária vigilância e esforço.
1") no caso de se empregar o plural,
2') tratando-se de seres animados, vae para o mas-
culino:
O esposo, e a esposa estavam juntos (Vieira, 1, 286).
2") tratando-se de seres inanimados ou simultanea-
mente de seres animados e inanimados,
3) se os sujeitos estão antes, vae para o masculino:
E ioda esta energia, iodo este record-ar-se da rica he-
rança dir-se-hia que eram suscitados . . . (Herc., Eur., 84).
a alma, e o corpo de Jhezu Christo foram ajuntados em
huu e hunydos suslançialmente (Corte imp., 21õ). os ca-
saes e as aldeãs, os burgos e as cidades serão ceifados
(Cast., Q. HiM., 4, 115).
. 3") se estão depois, vae
4') no port. arch. médio, mais frequentemente para
o género do sujeito mais próximo:
Antes de estarem exploradas as mais terras e mares
do sul (Queirós, 11, 375, ap. Blut.). serem isentas de pa-
gar tributo as pessoas, e bens ecclesiasticos (Vieira, S. de
6'.''' Ant.").
4") no port. moderno, mais frequentemente para o
masculino :
São-lhe negros noite, e dia (Herc, Pões., 206).
Madv. § 214.
§ 12. Quando o n. predicativo é substantivo que
tem formas differentes, segundo os géneros, emprega se
SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA 17
a forma correspondente aos género dos sujeitos (v. g.: A
Historia é mestra da vida), a não ser que o sentido que
se queira exprimir, requeira o emprego do outro género.
Madv. § 211 b, ohs. 2.
C. Particularidades da concordância do predicado
§ 13 a) Quando um sujeito composto é resumido
ou generalizado pelos pronomes ninguém ou nada, tudo,
o predicado concorda com estes pronomes:
Justiça, gloria, amor, saudade, tudo | Ao pé da se-
pultura, é soyri perdido \ De harpa eólia esquecida em
brenha ou selva (Herc, Pões., 54).
b) Quando um sujeito composto é seguido de cada
um ou cada qual, como appostos, o predicado, indo após
estes pronomes, concorda com elles: Pae e filho cada um
seguia por seu caminho.
c) Quando vários sujeitos (da 3.» pess.) representam
uma só pess. ou cousa (da qual hajam, ppr assim dizer,
de considera r-se appostos), o predicado concorda com o
mais próximo:
Este empregado modesto, este homem socialmente obscU'
ro [Munoz y RomeroJ é todavia um dos maiores eruditos
da Hespanha (Herc, Op. III, 238).
d) Qunndo a um sujeito composto se liga um pre-
dicado tal, que não pode referir-se senão aos sujeitos no
seu conjunoto, vae o predicado necessariamente para o
plural:
Nos próprios tempos bárbaros dever e direito são in-
separáveis; porque as duas ideias são forçosamente cor-
relativas (Herc, Op. III, 306-7).
18 6YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
e) Quando o predicado se intercala entre os sujei-
tos, só se attende, na concordância do predicado, ao su-
jeito ou sujeitos que estão antes:
um hymno pio \ A solidão lhe ensinará e a noite
(Herc, Pões., 134). O vento gelado \ Só reine e as pro-
cellas (Id., ibd., 164).
§ 14 a) Quando o sujeito é uma expressão de trata-
mento (v. g. Sua Santidade), o predicado concorda com
o nome próprio da pessoa que recebe o tratamento:
Sua Santidade não fora servido de livrar de tamanha
carga a quem era ião pouco pêra ella (Sousa, V. do Are.
I, 327).
b) De igual modo, quando o sujeito ó o pron. vós,
empregado como expressão de tratamento, para designar
uma só pess., o n. predicativo e o participio do predi-
cado (como também o apposto) vão para o singular:
Sois injusto comigo (Herc, Monge II, 34). Vós mes-
mo haveis de alisar essa fronte sempre enrugada e som-
bria (Herc, Monge II, 235).
c) A mesma regra mandam observar alguns gramá-
ticos, quando o sujeito é o pron. nós, empregado em vez
de eu (v. g.: «antes sejamos breve que prolixo»); tal re-
gra, que não se funda na tradição da grammatica latina,
com razão, não é seguida da maior parte dos escritores:
E nós deste dito nom somos comtemte (Fern. Lopes,
D. João I, 3). Entre o desejo de alimentar a curiosidade
do leitor e o receio de faltar á exacção histórica, hesitá-
vamos perplexos (Herc, Monge, 2, 354).
§ 15. Nas expressões abreviadas constituídas por
um adverbio negativo (v. g. não, nunca) e senão ou mais
(do) que, o predicado concorda, por attracção, normal-
mente com as palavras ligadas por senão ou mais (do)
que :
SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA 19
Não entrão nelle (porto) senão barcos pequenos (Bar-
ros, II, 3, 8). Neste estado de tanto aperto, em que se
não ouvião mais que clamores ao ceo, chegou Moyfés ao
Egypto (Vieira, XI, 523). Ao redor de toda a cidade se
não vem mais que sepulturas de Turcos (Godinho, 161).
§ 16. As expressões mais de, menos de, passante de,
cousa de, obra de, cerca de, antepostas a nomes de nu-
mero, são tidas na conta de advérbios, e porisso, quando
pertencem para um sujeito, é com este que o predicado
concorda :
Mais de sete séculos são passados depois que tu, oh
Christo, vieste visitar a terra (Herc, Eur., 34). Logo ao
sábado vierão obra de duzentos negros (Castanh., 1, 3).
ao outro dia vierão obra de quinze onde estava a nossa
frota (Castanh., I, 2).
Em latim ad emprega-se também adverbialmente,
antes de numeraes, sem influir no caso: ad duo milia
et quingenti vivi capiuntur (Tit. Liv., iv, 59).
§ 17 a) Quando o sujeito é palavra substantiva de
significação partitiva, o predicado pode concordar com
a determinação partitiva, clara ou subentendida, como se
esta fosse o sujeito:
os Imigos erão muytos em demasia, e a môr parte
delles bem armados (Castanh., III, 56). Ho geral das
molheres som (z=são) mui opiniáticas (Espelho de casados,
7). Os amigos de António parte foram mortos, parte des-
baratados (H. P., 7, 281, V.). A maior parte das ruas
doesta cidade (de Baçorá) são navegáveis por esteiros que
manão do Eufrates (Godinho, 92, ap. Blut.). Uma parte
dos cavalleiros offerecer-lhes-hiam débil resistência (Herc,
Eur., 273). Seria bem triste que essa porção de compa-
20 SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA
tricios meus . . me cressem traidor á santa causa da Pá-
tria (Herc, Op. III, 64). O comum dos morgados em
Portuigal foram instituídos em terços, de que os institui-
dores podiam livremente dispor (Herc, Op. /F, 38). Com
a cultura racional em vez de tradicional^ metade dos ter-
renos fundeiros produziriam o dobro ou mais (Horc, Op.
IV, 161-162). Então o grosso dos cavalleiros . . acom-
mette-los-hiam pelas costas (Herc, Eur., 272).
Madv. § 215.
b) Também quando o sujeito é numero ou género
ou outro substantivo de significação semelhante, acompa-
nhado de uma determinação do género da 3.* pess. do
plural, o predicado pode concordar com esta determina-
ção, como se ella fosse o sujeito:
E logo aquella ora se ajuntarom de ante Santo An-
tónio tamanha mullidom de pexes grandes e pequenos
(Mil. de S.^" Ant.y 1). Grande numero de cavalleiros cor-
riam pelas praças (Herc, Op. 7, 112). Então um grande
numero de crianças, de velhos e de mulheres . . atraves-
sam por meio de duas fileiras de soldados (Herc, Eur.,
151). As prestações agrarias que pagavam esta espécie
de colonos-servos . . (Herc, Op. III, 302). Neste momento
nma grande multidão de crianças, de velhos, de mulheres
penetraram na caverna (Herc, Eur., 300). um grande
numero de velas branquejavam sobre as aguas do Estreito
(Herc, Eur., 63).
Madv. §215.
c) Quando o sujeito é o plural de um pron., ou pa-
lavra adjectiva de significação partitiva (quaes, quantos.
1
SYNTAXB HISTOKICA PORTUGUESA 21
alguns, nenhuns, muitos, poucos), o predicado concorda
com a determinação partitiva do plural, como se esta
fosse o sujeito :
Qiiaes d' entre vós . . sois neste mundo sós e não tendes
quem na morte regue com lagrymas a terra que vos cobrir?
(Herc, Eur., 188).
d) Quando o sujeito ó que de — equivalente de quan-
to, quanta, quantos, quantas, o predicado concorda com
a determinação que é regida da prepos. de:
Que de corações se não finavatn com saudade (Cast.,
Q. Hist., 4, 60).
e) Ligar um predicado do plural a uma simples pa-
lavra de significação collectiva, que não tem, clara nem
subentendida, uma determinação partitiva ou de género,
é irregularidade, que se encontra, por exemplo, em:
Se esta gente que busca outro Hemispherio \ Cuja va-
lia e obras tanto amaste j Não queres qu£. padeção vitu-
pério . . (Lus. I, 38).
Semelhante pratica também em latim era irregula-
ridade : Madv. § 215, o, obs.
Ohs. O povo liga frequentemente a gente com o
valor de nós o predicado no plural da 1.» pessoa.
§ 18. Quando a um sujeito se liga, pela prepos.
com, o que haveria de ser segundo sujeito, a concordân-
cia do predicado pode fazer-se, como se realmente o su-
jeito fosse composto:
Mas ha-se de soffrer que o fado desse \ A tão poucos
tatnanho esforço e arte, \ Quem co grão Macedónio e o
Romano \ Demos logar ao nome Lusitano? (Lus. I, 75).
Constantino de Abreu e Lifna com sua fatnitia sahiram
do Porto para uma quinta nas vizinhanças de Barcellos,
22 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
um anno depois do Iragico festim (Camillo, Vingança,
240, ap. Barreto, 202).
Ipse dux cum aliquot prínãpibtts capiuniur (Tit. Liv.,
21, 60. Vid. Madv. § 215, c).
§ li). Os infinitivos, as orações e as palavras toma-
das materialmente, consideram-se do numero singular e
do género masculino.
§ 20. O verbo concorda com o n. predicativo (do
plural) :
1) Quando algum dos pronomes: is/o, isso, aquillo,
tudo, o (que) =- aquelle (que), ou uma expressão de sen-
tido collectivo (o resto, o mais) é sujeito dos verbos ser
ou parecer :
Como tudo nelle [deserto] sejão planicies a perder de
vista (Godinho, 115). Que sam isto senão effeitos dhum
Deos, que he amm- ? (H. P., 7, 71 v.). Que sam isso sena^n
enganos do demónio? (H. P., I, 78). O que ouço são con-
tinuos repiques das vossas torres (Vieira, 9, 35, ap. Blut.).
Tudo são traças do mesmo Aman, para que a execução
da morte universal dos Hebreos se não pudesse revogar
(Vieira, »S. de S. Estan.). Isto não são citações fal^a^
(Herc, Op. III, 209).
A concordância com o sujeito é rara.
Em latim a concordância do verbo com o substan-
tivo predicativo tambom so dava, quando o vorbo ia
logo depois d'este substantivo, v. g. : amantitim irae amo-
ris integratio est; v. Madv. § 216.
2) Quando o verbo ser está na accepção de: ser
constituido por:
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 23
Minha vida ssam tristezas (Jorge de Res., Canc. Ger.
III, 345). A sua figura [do u consoante] são duas costas
de triangulo com o canto para hayxo (F. Oliveira, cap.
14). ho comercio que aquy pode haver, sa^n escravos,
(Esmeraldo, 117). Toda a carga das caravelas foram,
mantimentos (na versão inglesa : The whole of the cargo
of the caravels consistet of provisions) (Lendas da índia).
O segundo género de hospedes do paço erão os ecclesiasti-
cos que em algum tempo avião sido seus familiares (Sou-
sa, V. do Are, I, 129). O fructo serão desgostos, ódios,
guerra (Id. ibd., I, 421).
3) Quando o sujeito é o interrogativo quem:
quem são os meu^ irmãos? (Vieira, Serm. de S. José).
• 4) Quando o verbo ser é empregado impessoalmante :
Erão já vinte e tantos de May o (Godinho, 165).
ao outro (dia) que farão dezasete de Dezembro (Cas-
tanheda, /, 39).
Obs. Fora cVestes casos, a concordância do verbo
com o n. predicativo é irregularidade:
Netn he oiúra cousa os desvarios e desalentos dos que
a}não (Lobo, C. na ald., 110, ap. Blut.).
§ 21. E' liberdade poética e imitação do latim con-
cordar o predicado não com o sujeito mas com um ap-
posto do sujeito:
Vede' los Alemães, soberbo gado, \ Que por tão largos
campos se apacenta, \ Do successor de Pedro rebellado, |
Novo pastor e nova seita inventa (Lus., VII, 4).
Moschi, gens ante alias sócia Romanis, avia Armeniae
incursavit (Tac, Ann. xill, 37).
24 8YNTAXR HISTÓRICA PORTUGUESA
§ 22. Nas locuções ser necessário, ser preciso, em-
pregadas como predicados antepostos ao sujeito, os adje-
ctivos necessário, preciso podem empregar-se substanti-
vamente :
Nam é necessário mais aucloridades (Barros, Ropi-
ca, 178).
E' necessário . . . uma derradeira prova d'esforço
(Herc, Eur., 246).
Com outros aíljectivos tal pratica é insólita:
Nam te parece que lhe fora mais saudável menos
perfeições intelectuaes ? (Barros, Dial. da Vic. Verg.,
263).
He lambem perigoso práticas deshonestas (Fr. Ant. de
Sousa, Man. de Epicteto, cap. 55).
Varitim et mutabile semper femina (Verg., Aen. iv, 569 ;
vid. Madv. §211, b, obs. 1).
§ 23. O pron. relativo (que) 6 do género, numero e
pess, a que pertence o seu antecedente, e por este ó que
se regula a concordância do predicado :
Passatnos a grande ilha da, Madeira, | Que do muito
arvoredo assi se chama (Lus., 5, 5),
r
Madv. § 318,
Quando o relativo pertence para um vocativo, o re-
lativo consideríi-se da 2.* pessoa:
Alma minha gentil, que te partiste | Tão cedo desta
vida descontente (Camões, son. 19). homem que me pedes
amor, sabe que eu te detesto (Herc, Eur., 201).
Quando o relativo pertence para um nome (ou pron.)
que se liga appositiva ou predicativamento a ura pron.
synTaxr histórica poktuguesa 25
das duas primeiras pess., o relativo pode ser considera-
do da pess. a que pertence o pron. pessoal:
terei eu, verme que passo á sombra dó meu nada, di-
reito de offender-me . . ? (Herc, Op. Ill, 33). fui o primeiro
que tentei fazer sentir aos escriptores hespanhoes a impor-
tância.. (Id. ibid., III, 288). Es o primeiro | que esse mal
padece? (Cast., Fastos, I, 53).
Se, porém, o que se liga appositiva ou predicativa-
mente a um pron. das duas primeiras pess. (claro ou sub-
entendido) ó o, a, os, as (=--aquelle, aquella, aquelles,
aquellas), é de regra ser o pron. relativo considerado da
pess. do pron. pessoal:
Eu sam ( == sou) o que me venci \ e vós quem me co-
nheceo (Man. de Goyos. Can. Ger., III, 547). por culpa do
impressor que é mui bom valhacouto aos que compomos
alguma cousa (Barros, ///, 5, 10). Esta ilha pequena que
habitamos \ He em toda esta terra certa escala \ De todos
os que as ondas navegamos I De Quiloa, de Mombaça e de
Sofala (Lus., I, 54). vós sois o que vos culpais [fallando
a uma só pessoa] (Chiado, Regateiras) . Amai a justiça
os que julgais a terra (H. P., /, 158). De todos os que ví-
nhamos em sua guarda, só eu, acaso, pude escapar (Herc,
Eur., 183). Porque voltastes, sem vo-lo eu ordenar, vós
os que tínheis jurado obedecer-me em tudo? (Id. ibd.,
227). Sois vós o que me faltou (Balth. Estaco, 191).
O pron. quem leva o verbo a 3.^ pess. do sin-
gular :
Eu fui quem te adestrou nos verdes annos (Quita, 10).
Eu, o silencio e a solidão éramos quem estava ahi (Herc,
Eur., 54).
Obs. Em expressões como : um dos que mais traba-
lharam, ó erro concordar o predicado da oração rela-
tiva com a palavra um e dizer: um dos que mais traba-
26 SYNTAXE HISTÓRICA P0RTDGDE8A
Ihou. Este erro commetteu Fr. Luis de Sousa, quando
disse: Esla cidade foy húa das qiie maia se corrompeo da
heregia (V. do Are. i, 191) (*).
SECÇÃO II
CAPITULO I
Das palavras nominaes em geral
§ 24. Dos casos do latim só restam em Português
vestígios: em expressões que se tornaram advérbios (^apora,
ogano [arch,]; em substantivos avulsos, nos quaes, porém,
a desinência casual perdeu o seu valor syntactico (v. g.
Deos, que, representando o nominativo Deus, se emprega
em qualquer f uncção syntactica) ; e em alguns pronomes (-).
A funcção syntactica de uma palavra nominal, ou é
indicada, já pela collocação (v. g.: «Alfredo louva Eduar-
do» e «Eduardo louva Alfredo») (v. a Parte iii), já por
uma flexão (v. g.: «Pastes escriptores cita Alexandre Her-
culano na Historia de Poriugah), já por uma prepos.
(v. g.: «E«succedeo que afrontando de palavra a Xavier
hú homem descomedido, lhe respondeo o santo: >) (Viei-
ra, VIII, 468), já, na falia, pela intonação, e na escripta,
pelos signaes orthographicos (v. g.: «Alfredo sae> e:
«Alfredo, sae»), ou se infere do sentido geral da phrase
(v. g. : em requerimentos e assentos: «F., filho de F., natu-
ral de tal, fez exame de. .») (^).
(>) Foi escolhido este passo do Fr. Luis do Sousa, justamente para mostrar qne
as re(;ras mais certas da ^rammatica silo áâ vezes, por descuido, violadas i)or aquellos
que mellior conhecem a lin^oa pátria.
O Sobre este ponto v.: Dr. I^ite do VasconceUos — Liçõe» de PhUdogia Porlu-
giiesa, pg. 42 c se$rg., e as obras alli citidas.
O Esta collocaçSo continua a pratica dos Romanos; v. g.i Epaminondaa, I'o-
limnidis filius, Thebanus; Milliades, Cinwnis filins, Atheniensi» (Corn. Nep.).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 27
Mas ah, que doesta prospera victoria | Com que des-
pois virá ao pátrio Tejo \ Quasi lhe roubará a famosa
gloria \ Hum successo que triste e negro vejo! (Lus., X, 37).
§ 25. Um nome ou pron. emprega-se por si só:
1.° Como sujeito, n. predicativo do sujeito, compl. obje-
ctivo directo, predicativo do compl. directo; 2.° Consti-
tuindo certas determinações particulares; 3.» Como voca-
tivo; 4.° Nos titulos, letreiros, e indicações semelhantes
que não constituem orações.
Sobre o apposto, v. § 45.
Dos casos dos pronomes, tratar-se-ha no § 66.
§ 26. Acerca do nome empregado como sujeito e
n. predicativo do sujeito, nada importante tem de accres-
centar-se ao que está na secção i.
§ 27. O compl. objectivo directo (^) é ou pode ser,
em algnns casos, precedido da prepos. a.
E de regra o emprego da preposição:
1) Com o pron. relativo quem:
Mas o velho, a quem, tinhão já obrigado \ Os traba-
lhosos annos ao sossego \ Estando na cidade cujo prado j
Enverdecem as agoas do Mondego . . (Lus., III, 80). Hum
valle aprazivel, a quem corta pelo meyo hum ribeyro de
agua cristallina (M. Lus., 9, 64, cl. 2, ap. Blut.) ;
2) Com as formas tónicas dos pron. pessoaes:
Vedes agora, a fraca geração \ Que de hum vassallo
meo o nome toma, \ Com soberbo e altivo coração j A vós
e a mi e o mundo todo doma (Lus., VI, 30).
Não havia esta regra no port. archaico:
Aquele he verdadeyro agradecedor, que per leda voou-
(') o complemento objectivo representa ou o que já existe, quando a acção se
realiza (v. g. : demolir uma torre), ou o que é resultado daacçSo (v. g.: construir uma
torre).
28 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
tade he prestes a satisfazer, aynda que testemunha não
tenha do seu boo falante, se nom sy mestno (Bemf.,
248).
3) Na designação da reciprocidade, com um — outro :
Sem se verem hm aos outros com o fumo (Aff. de
Albuq., Comm., 32).
4) Quando por causa da collocacào do compl., a
omissão da prepos. torna o sentido ambíguo:
E succedeo que afrontando de palavra a Xavier h/i
homem descomedido, lhe respondeo o Santo: (Vieira, N,
463).
E' facultativo o emprego da prepos. quando, em g(5-
ral, o compl. designa pess. ou ser personificado [ou en-
volve em si a ideia de personalidade]. No port. moderno,
esta prática pode dizer-se que se limita aos verbos que
exprimem sentimentos ou manifestações do sentimentos.
Diz-se sempre : « Amar a Deos * como tradição da
syntaxc antiga conservada no catholicismo, e «temente a
Deos».
mimos, e regalos, com que no mais vivo do conflicto,
alentava aos soldados (Freire, 112). Por vencedor de
todos apregoa | a Cloanto (Eu. Port., 5,'59). A brisa fri-
gidissima da madrugada consolava-o como ao febrici-
tante a aragem de um sol posto do outono (Herc, Eur.,
281). Convida Christo aos homens para a acceitação e
observância da sua ley (Vieira, S. de S.'" Ant.) No calvá-
rio os soldados crucificarão a Christo (Vieira, »S. de
S.'" Cath.). Porque os remédios curem ao enfermo (Vieira,
»S. de S.'" Ant.). A funda de David derrubou ao gigante
(Vieira, /, 29). Nunca desajuda a fortuna aos esforçados
(M. Lus., J, 329, cl. 2, ap. Blut), ensinando ao Sertão a
conhecer suas mesmas forças (Freire, 71). Mal poderá go-
vernar aos outros, quem não sabe governar a si (H. P.,
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 29
//, 49 V.). bradou de fora ao general Abuer que guardasse
melhor ao seu Rey (Vieira, S. da 1.°' 6.°^ f. da Q.). e lhe dis-
se que hospedasse hum dia aos Rechabitas (Vieira, S. da
1.". 6" f. da Q.). Introduz o principe dos poetas lati-
nos ao Deos Neptuno (Vieira, S. das 40 h.). doesse matis
que aos olhos labirintha (Cast., Fast., 3,29). Lia Alexan-
dre a Homero de maneira \ Que sempre se lhe sabe á ca-
beceira (Lu^.j V, 96). a muitos navios meteo nas mãos
dos piratas a carga, não por muita, mas por descom-
passada (Vieira, S. de S.^^ Ant.J. Oução os Médicos ao
seu Hippocrates (Vieira, S. de S. Lucas). O desregido
Absalão reprêdia ao bom Rei David de mao regimêto
(H. P., I, 97). a hum sarou, aos outros adoeceo (Vieira,
/, 611). Assi o quis o conselho alto celeste \ Que vença
o sogro a ti, e o genro a este (Lus., III, 73). Mas quando
virão a S. Francisco Xavier pelas ruas, sem capa.. (Vieira,
10, 298, ap. Blut.).
Esta construcção, communi — e em maior extensão
— ao castelhano, e ao menos em casos avulsos, a outros
dialectos românicos (v. M. Lúb , III, § 350), parece não se
encontrar, segundo Diez (iii, 91), antes dos princípios do
século XI, a que pertence o passo: «ad illa una matabit
= á la una mato*, que vem na Espana Sagrada.
Obs. Também é compl. directo o que se liga ao
verbo impessoal haver e a. eis (rigorosamente abre-
viação de haveis):
Perigos, e defeitos em ioda a parte os ha (Man. Ber-
nardes, Luz e Calor, I, 50). Se num quando, ey-lo, vem
(Annryque da Motta, Canc. Ger. III, 514).
§ 28. O ser transitivo um verbo depende do modo
como a acçào que elle significa, é representada na ima-
30 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
ginação (^); conseguintemente sobre este ponto ha de
consultar-se o diccionario; aqui só tem cabimento algu-
mas observações:
a) Sào transitivos:
1) A maioria dos verbos que representam etymologi-
camente verbos latinos transitivos, v. g: ajudar, amar, ler,
medir, parir, pedir, pender, vedar, vender.
Já em latim, mormente na decadência, occorrem
verbos depoentes intransitivos com o participio do
pretérito empregado com significação passiva, v. g:
auxilialus em Lucilio o Vitruvio; pairocinatus em Tertul-
liano.
2) Os verbos que normalmente substituíram os ver-
bos latinos que, ou absolutamente ou em certas signifi-
cações, não se conservaram em port. v. g: quebrar, que
substituiu frangere.
3) Os verbos factitivos derivados, v. g: amenizar,
fertilizar.
b) Verbos, aliás intransitivos, empregam-se transi-
tivamente, tendo, por compl. directo, um substantivo
cognato ou de significação correspondente á do verbo
(v. g: viver vida modesta). Este compl. é acompanhado,
em regra, de uma expressão attributiva :
Ou que pecado pecou \ Enone . . ? (J. R. de liUcena,
Canc. Ger. II, 558-9). esta he a melhoria que tem os que
neste mundo são mais altos: caírem maiores quedas, e suas
maiores glorias serem convertidas em maiores calamida-
des, tristezas e desaventuras (D. Jorge da Costa. Ms. da
Bibl. Nac. de Lisboa, N/1/26). Chorou miiytas lagrimas
(') Ao passo qua em port so diz: <3eg:uir alguém», o verbo allemSo correa-
pondente folgi^ conatnie-se com dativo.
SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA 31
(Diego Aff., 92). quando dormir ao lado delle somno per-
petuo no campo de batalha (Herc, Eur., 179). viver, tra-
balhando, vida modesta e tranquilla (Herc, Op. IV, 110).
a democracia não apaixonava demasiado os ânimos, so-
bretudo os ânimos dos que haviam pelejado desde os Aço-
res até Evoramonte as batalhas da liberdade (Herc,
Op. I, 20).
Ha casos em que a expressão attributiva natural-
mente se dispensa :
se cuydar, e recuydar os annos próprios, já vividos . .
(Vieira, V, 301, ap. Blut.).
Ego vesíros paires . . vivere arbitro?' . . et eam guidem
ritam, quae est sola vila nominanda (Cie, Cal. m. 21) (Madv.
§ 223, c, obs. 4).
c) Alguns verbos, originariamente intransitivos, tem
significações em que se empregam como transitivos, v.
g.: andar, correr (v. g. terras, perigo), saltar ( = transpor
de um salto), dansar (v.g. : um minuete), e7-rar (v. g.: uma
conta, um verso), f aliar (v. g. : uma lingoa), servir (v. g. :
um officio) :
Correram tamanha tormenta (Diego Aff. 112). For-
tíssimos consócios, eu desejo \ Ha muito já de andar ter-
ras estranhas (Lus. VI, 54). sem f aliar outra palavra
(Vieira XI, 270). Errei a chronologia (Herc, Op. III,
196).
Era latim: stadium ctirrere (Cie, De Off. 3, 10).
Obs. 1.". Alguns (Vestes verbos pertencem exclusi-
vamente ao estilo litterario:
Ria esperanças a vinha (Cast., Fast., 3, 39). Não
82 SYNTAXE HISTOKIOA PORTUGUESA
tarda que esses paramos tão mmlos \ brotem habitações,
pullulem povo (Cast., Fast., í, 57).
[corvua] oviparos pullulet fdus (Fulgencio, Mithol. 1. 13).
Obs. 2.". É do notar o emprego do verbo poder,
como vorbo aparentemente transitivo, sondo que de-
pois d'ell6 so subentende o infinito fazrr:
Isto piideram saudades de um- mundo todo (Ceita,
35 V).
Em particular, grandíssimo numero de verbos, in-
transitivos originariamente, empregam-se transitivamente,
com significação cansativa; v. g: voar (failando de uma
mina = fazer ir pelos ares . .) ('),
Ao rebentar da mina, a qual com tremendo estam-
pido voou pelos ares toda a face do muro (Freire, 176»^.
d) Alguns verbos que na lingongem usual moderna
são iutransitivos (v. g: resistir, incorrer) eram no port.
arch. médio também empregados como transitivos:
em todos os almazês de Deos se não acharão armas
com que as resistir (Vieira, 788). encorria a indignação
do Emperador (Vieira, VII, 78). desejando unir-se com
elle, e servi-lo e agrada-lo (Man. Bernardes, Pão partido^
2, § 4).
e) Alguns verbos transitivos emprcgam-se em cer-
tas significações intransitivamcnte :
E he certo que com estes dous simples sarou e tomou
em si (Vieira, XI, 230).
Mores quidem populi Romani quanlum mulaveriní, (T.
O No tOenio da Lingua Porlugueta* de Erariato LconI, vem atua lista dM
principaes.
SYWTAXB HISTOIllCA PORTUGUESA 33
Liv., 39,51). Os exemplos de Plauto foram colligidos
por Bennett, Syntax of carly Lalin — Boston, 1910.
f) Um certo numero de verbos podem empregar-se
com a mesma significação geral, de dois modos: v. g. :
tisar algo ou de algo, gozar algo, gozar (ou gozar-se) de
algo, admirar alguém ou algo e ádmirar-se de, ensinar
algo a alguém e ensinar alguém a fazer algo, esquecer
algo e esquecer-se de (também se diz : algo esquece a
alguém), perguntar algo a alguém e perguntar alguém
sobre algo (ou com or. interrogativa).
Obs. No port. arch., a par de rogar a alguém que
faça uma cousa, dizia-se rogar alguém que faça uma cousa :
rogo o apostoligo [papa] que el recebia [receba] en
sa comêda (Test. de D. A ff. 11, ap. L. de Vasconc, Lições
de Phil. Port., 71). E estonce os rogou que lhes dissessem,
quall era a maoor villanya do mundo (V. Bemf., 153).
Ainda hoje se diz, v. g. : querer ser rogado; depois de
muito rogado.
§ 29. a) Tem n. predicativo do compl. directo — n.
predicativo que passa a pertencer ao sujeito do verbo na
voz passiva — :
1) os verbos que significam tornar tal ou tal: fa-
zer, pôr :
Com que os pólos gelados accendia \ E tornava do
fogo a esphera fria (Lus., 11, 34). A temperança do ar
faz a terra fértil (H. P., J, 215). o muyto vinho., faz o
homem boto (H. P., //, 522). [a caça] faz os homens
muyto montanheses e intratáveis (Aulegr. 1, 7).
Em particular, são de notar as locuções: 1) fazer (al-
guém ou algo) pedaços; 2) fazer prestes = aprestar; 3)
fazer bom = pôr por obra (o que se disse):
34 SYNTAXK HISTOKICA PORTUGUESA
Os baxios, em que podia tocar a Arca de Noé, e fa-
zer-se pedaços, erão quantos montes, e serras havia no
mundo (Vieira, VI, 322, ap. Blut). mandou fazer prestes
seis nãos (Comm. de Aff. de Albuq., 1). O que eu digo,
eu o farey bom (Aulegr. 1, 6).
Obs. Também é clássico fazer em pedaços:
Faze-a em pedaços (Vieira, /, 822).
2) a maior parte dos verbos que exprimem a ideia
do constituir: crear, designar, eleger, fazer, instituir, no-
mear, jurar, levantar, reconhecer, coroar, sagrar, ungir:
foi constituido principe ou alcaide-mor de todos elles
(Ceita, 73 V.).
Obs. Note-se a loc. meler-se frade:
que . . se foy meter frade em França (H. P,, //, 66).
3) Muitos dos que exprimem a ideia de declarar tal
ou tal: acclamar, escrever, confessar-se, pregoar, saudar:
Com esta penna te escreves reo de todos os males, que
fizer (Vieira, ///, 169, ap. Blut.) As batalhas mais inven-
cíveis são as do entendimento ; porque onde os feridas não
tirão sangue, nem a fraqueza se vê pela côr, nenhum sá-
bio se confessa vencido (Vieira, VIII, 33).
4) A maior parte dos que exprimem a ideia de re-
presentar, fazer parecer, o os verbos reflexos que expri-
mem a ideia de parecer: afigurar-se, entolhar-se :
Os seus systemas de reforma social, afiguram-se-me
abstrusos (Herc, Op. IV, 123).
5) Os que exprimem a ideia de appellidar: cogno-
minar, intitular:
São Bernardo chama á ociosidade . . madrasta das
virtudes (H. P., /, 148).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 35
6) A maior parte dos que exprimem a ideia de re-
futar: achar, considerar, crer, estimar, julgar, suppor:
homens de tanta fama, e tanta presumpção, que todos
se estimavão banhados na lagoa Estygia (Vieira, VIII, 32).
cri certa a bonança (Çast., Outono, I, 149). o amor tudo
suppõe fácil (R. da Silva, Mocidade, 3, 89). Todas as
classes sociaes, cujos interesses mais ou menos legitimos
são feridos por qualquer opinião, acham sempre essa opi-
nião perniciosa e dissolvente (Herc, Op. IV, 228).
7) Alguns dos que significam provar; v. os exem-
plos dos §§ 30 a e 31 c.
8) haver na locução litteraria <í haver mister uma
cottóa » :
nam desejo muyto as forças corporaes, nem nas ei
mister (Góes, Cat. M., 57). o que era mais fácil, por ser
obra que não havia mister medida, disposição, ou enge-
nho (Freire, 114). E bem hão mister os meus esquecimen-
tos as suas merãorias (Chagas, Cartas esp., 21).
Com respeito aos números 1-6, vid. xVIadv. § 227.
Obs. ao § 29 a. O nomo predicativo junta-se ao
compl. directo dos verbos citados, ainda quando este
compl. é o pron. reflexo da 3.» pess., pertencente ácon-
juncção reflexa empregada como passiva:
Por muito tempo se reputou entre nós luxo litteraria
escusado um diccionario da lingua castelhana (Herc,
Op. II, 14Õ).
b) Alguns verbos podem construir-se com um n.
predicativo do compl. directo, em vez de terem ligada a
si um a or. substantiva de ser ou estar. Taes são:
1) Consentir:
Consente-se o príncipe communícado, mas não apal-
pado (Brachyl., 226).
36 SYNTAXE HtSTOUIOA PORTUGUESA
2) Desejar, querer, tomar (na forma condicional to-
mara) :
Antes me quero solteira | que cuidados tão azinha
(Prestes, 145). de que se nos derivou o costume de depre-
car boas estreas àquelles, que desejamos bem, succedidos
(Mon. Lus., 6, 80, cl. 1, ap. BJut.j. E não são menos des-
arresoados os que me querem muito caridoso pêra com
meus parentes (Sousa, V. do Are, 1, 503).
Em particular, emprega-se d'este modo querer na
conjugação reflexa, na 3.^ pess., para exprimir o que 6
necessário que seja uma pessoa, ou cousa:
As imagens grandes querem-se vistas ao longe (H. P.,
/, 108 V.). a dor do peito \ Quer-se desabafada em peito
amigo (Garrett, Cam., 38).
Em latim : non uxor salvum te vtill (Hor., Sal., 1, 1, 84)^
Mas neste caso ha propriamente ellipse do esse.
3) Achar, sentir:
Abraçou-se com a amendoeira e acharão-se parentes.
(Prov.).
4) provar, demonstrar.
5) Saber:
Sabia-a manchada de um grande peccado (Garrett,
Viag., 271).
Obs. Esta construcção — corrente em francês com
o vorbo correspondente savoir — rarissimamente occorre
nos bons escriptoros portugueses e ó do todo extranha
á lingoagem oral.
6) Esperar:
Vós, que esperamos jugo e vitupério | Do torpe Ismae-
lita cavalleiro (Lus., I, 8).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 37
Em latim : propitium hunc sperant, illum iratum putarU
(Cie. ad AU., VIU, 16).
Os escriptores antigos empregaram ás vezes d'esta
maneira, mas com a prepos. por, em lugar do simples n.
predicativo, outros verbos mais, por ex, Man. Bernardes
o verbo «e^ar;
Mas do filhinho, que faria ? Não quis nega-lo por seu
(Man. Bernardes, N. FL, í).
§ 30. a) A maior parte dos verbos de que trata o
§ 29 a, nos números 2, 3, 5, 6, 7, em vez de terem sim-
ples n. predicativo, podem construir-se com a prepos. por
anteposta ao nome. Esta práctica, porém, era muito mais
frequente no port. arch. médio do que no moderno:
El-Rey Assuero nomeou a Aman por primeiro minis-
tro de todo o império (Vieira, S. da í." 6.* f. da Quar., 3).
eleyto por goardiam \ vay huum frade preguador (J. Fo-
gaça, Can. Ger., 2, 180). Em todos seus testamêtos \ a de-
crarou por molher (G. de Rès, Canc. Ger., III, 622). Por
vencedor de todos apregoa \ a Cloanto (Eu. Port., 5, 59).
Desta rota escapou seu filho a quem saudarão por Enipe-
rador (Mon. Lus., 2, 322, cl. 1, ap. Blut.). Confessando-se
por vassalos (Ceita, 308). todos reconhecerão por Rainha
a águia (Vieira, <S. da 1." ô."' f. de Quar., 5). Confessan-
do-se por escravos humildes (Vieira, I, 218-9). quizerão-
no acclamar por Rey (Vieira, II, 238). logo se intitularão
por Reis de aquella povoação (Barros, 2, 5, cl. 3, ap. Blut.).
julgar-tn' a por seu iraedor com mui gram razom (Lang.,
35). Os antigos julgarão esta região por totalmente estéril
(Godinho, 10, 53). e serey eu por doido reputado (Mal.
Conq., 6, 88, ap. Blut.). tu meu mal julgas por leve (Ber-
nardes, Ecl. 3). Quantos julgadores, que ou no voto, ou
na tenção, ou na sentença, reputão por descrédito o re-
38 SYNTAXK HISTOIUOA P0UTU0UE8A
tretar- se (Vieira, 3, 141, np. Blut.). a ley de amar os pró-
prios inimigos era ião nova, e se reputava por tão repu-
gnante (Vieira, S. da i.« e 6.^ /".« de Quar.). Eu te julgo
por infeliz e desgraçado (Vieira, ihid.). Esta mua pód' el
provar por sua (Lang., 102).
Tem exclusivamente esta construcçào muitos verbos
correspondentes (etymologicamente ou na significação) a
verbos latinos que tem accusativo predicativo; v. cap. da
preposição.
1'Jsta syntaxo corresponde ami)lia(lamento ao em-
prego latino da prepos. pro em expressões como aliquid
pro nihilo pufare (Cie. in Caeciliam, 7).
b) Imitando a syntaxe francesa, o port. moderno
construo frequentemente o verbo considerar com a par-
tícula como :
o numeroso clero das parochias vizinhas cofisidera-
va-o como o mais venerável entre os seus irmãos no sa-
cerdócio (Herc. Eurico, 18).
c) Dos verbos de que trata o § 29 a no n.** 2, al-
guns só se construem com para (com palavra substan-
tiva) e alguns também se construem no port. arch. médio
com em (com palavra substantiva) :
quando algua ouvessem d'enleger em abadesa doesse
moesieiro (Chron. br. do Arch. Nac, ap. L. de Vasconc,
Text. Arch. 33). Pello que foi creado Lúcio Quinto Cincin-
nato dos Senadores em Dictador (Góes, Cat. M., 80).
quando foy sagrado e ongido em rey pollo padre Theo-
baldo (Diego Aff., 270). foy eleyto em arcebispo (Id., 31).
ser sagrado em arcebispo (Id., 33). foi levantado em rei
(Ceita, 124).
Em latim: lecius in judicem (A. Gell., 14,2).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 39
§ 31. a) Tanto o n. predicativo propriamente dicto,
como o que é precedido de por ou como, pode ser subs-
tituido por expressões qualificativas equivalentes :
não teríeis aquelle fysico por sem juizo (H. P., //, 76 v.).
b) Os verbos de que trata o § 29 a — no numero 6
— e o § 29 6 podem construir-se com a designação de
uma circumstancia que pertence propriamente para
um participio que haveria de estar na or. como n. pre-
dicativo do compl. directo:
Lia Alexandre a Homero de maneira \ Que sempre
se lhe sabe á cabeceira (Lus., V, 96). Tomára-me eu já lá
(Garrett, Fr. L. de Sousa, acto I).
c) O participio passivo dos verbos que tem n. pre-
dicativo do compl. directo, pode, acompanhado de um
n. predicativo (ou equivalente do n. predicativo), ligar-se
a qualquer elemento nominal de uma oração :
o bufete, onde algumas rosas murchas, a lâmpada es-
fnigalhada e as imagens feitas pedaços harmonisavam
tristemente com essas duas ruínas humanas que jaziam
próximas (Herc, Monge, 2, 217). não creio n'uma fabula
provada tal até a saciedade (Herc, Op., III, 176).
. . fundi, deterioris fadi culpam (Paulo, Senteniiae,
2,18,2). magistro equitum creato . , filio suo (T. Liv., 4, 46).
(V. Madv. § 297, c, obs. 4).
§ 32 a) Quando o compl. directo é simples, o n.
predicativo adjectivo concorda com elle em género e
numero :
Cri certa a bonança (Cast., Outono, I, 149).
b) Quando o compl. directo é composto, o adjectivo
vae para o plural, de preferencia, ou para o numero do
compl. mais próximo :
40 SYNTAXE HISTOUICA 1'OKTUGUESA
Tinha tornado inúteis a intelligencia e o braço do
homem (Herc, Eur.).
Se todos os com pi. directos são do mesmo género, o
adjectivo toma o género dos compl. directos:
Mas alma e vida julgo por ditosas (Caminha, 116).
Ella, por onde passa, o ar e o vento \ Sereno faz com
brando movimento (Lus., 9, 24).
Se pertencem a géneros diversos, o adjectivo toma
o género masculino, de preferencia, ou o género do
compl. mais próximo.
c) As particularidades de concordância que, segundo
os §§ 13, 14, 15, 16, 17, 23, se dão com o adjectivo ou
particif)io do predicado com relação ao sujeito, dào-se
semelhantemente com o n. predicativo do compl. directo
em relação ao compl. directo; v. g: julgo-vos feliz (fallando
a uma só pessoa).
§ 33. Servem de significar a ampitude da acção e a
intensidade da qualidade, com verbos e adjectivos: algu-
ma cou^a, algo, (arch.) já quvnto (= algum tanto), muito,
pouco, um pouco, nada, tanto, um tanto, algum tanto,
quanto, que (interrogativo); com verbos: (arch.) nenhu-
ma cousa, (arch.) migalha, (arch.) nemigalha; com alguns
verbos: (arch.) vem (=nada), coi^sa (=nada), parte (=
nada); que referido a o muito, o pouco, etc. :
Algfia cousa desagastarã a Bimnarder as palavras
do ermitã (Bern. Ribeiro, Men. 179). E a fundo d' ella, já
quanto, estavam outras duas cadeiras miiy ricas e tnuy
fremosas (Corte Imp., 5). Um pouco se desrugue a austera
fronte (Cast., Fast, 3, 25). Que vay [ = que importa] que
ladre sempre cão raivoso \ Se não he mordedura o seu
ladrado? (Balth. Estaco, Sonetos etc, 33 v.). Que importa
qus nos cancemos em fechar as cidades de muros? (Vieira,
vn, 120). Que te presta padecer \ que Vaproveyta chorar?
SYNTAXE HISTOKICA PORTUGUESA 41
(Jorge d'Aguyar, Can. Ger., 2, 4). Cousa nUúa approvei-
tará cõ seu trabalho (Diego Aff. 166). nhua cousa duvido
I Como ella he azo de danos (Bern. Ribeiro, Men. 72). De
amigo que não ralha, e de faca que não talha, não me dá
migalha (Prov., ap Blut.). e de vós non curo rem (Lang,
61). Mais non sabem de mia fazenda ren (Rodr. Eann.
Redondo, ap. L. de Vasconc, Text. Arch., 20). e defen-
dia-sse o milhor que podia, dizendo que lhe nom, prestara
cousa (Fabid., fab. 4). O imperador Dedo, pelo muito que
amava o principe Dedo, seu filho, determinou coroá-lo
em sua vida (Toscano, cap. 42).
Nos aliquid Rutulos contra juvisse nefandum esí? (Verg.,
En. 10, 84). Thebani nihil moli siint, quamquam nonnihil . .
sticcensebant Romanis (T. Liv., 42, 46). Quid mihi fingere pro-
dest? (Ov., Mct, 13, 43õ).
§ 34. A designação da medida não tem preposição:
1) Com os comparativos;
2) Com as expressões comparativas: antes, depois,
acima, abaixo, àquem (e locuções equivalentes), àlern
(e locuções equivalentes) ;
3) Com os verbos, adjectivos e advérbios, que signi-
ficam distancia, afastamento ou differença, ainda quando
se subentenda a ideia de distante e com os que envolvem
a ideia de augmento ou deminuição, superioridade ou
inferioridade :
A escada era mais cúria dous degraos (Vieira, Serm.
de S. José). Qailoa, que he húa ilha na costa da Ethiopia
cem, legoas avante de Moçambique (Castanh., i, 66). Cana-
nor, que he hiia cidade na costa do Malabar trinta e hita
legoa de Calicid (Castanh., i, 82). e sendo já do castello
duas jornadas (Bern. Ribeiro, Men., 142). Os godos api-
42 SYNTAXE HISTÓRICA TOKTUGUKSA
nhados em roda recuaram alguns passos (Herc, Eur., 188).
Sete ou oito partes acima dos paços do Concelho (Herc,
Lendas, 1). A alma tinha-me envelhecido v mie awwos (Herc,
Monge, 1, 48).
Obs. Empregar a propôs, de, dizendo v. g. «o facto
significa qne peso e acceiaraçào augmontaram da mes-
ma quantidade, «envelheceu de dez annos naquelle dia>
são gallicismos.
aliqiiantum iniquior (Ter., HcaiU., 1, 2, 27).
Quod (Teanum) abest a Lavino XVIII milia passuum
(Cie. pro Chtentio, 9).
quantum praestilerunt nostri majores prudentia [no co-
nhecimento de direito] celeris gcniibtis (Cie. de Or., 1,44).
§ 35. É latinismo raro construir 'os adjectivos que
significam dimensões, com a designação da dimensão
sem preposição:
Os anuros erão alfas duzentos pés (Godinho, 20, 124).
hua casa larga duzentos palmos (Id., 20, 128).
§ 36. A simples designação do tempo que ura facto
dura, não tem preposição. Realça-se a ideia de duração
com por, durante:
Sanlo Ignacio viveu sessenta e cinco annos (Vieira,
Serm. do bea. Estanislau). sustentarão o trabalho em
pezo, grande pedaço {Mon. Lus., 1, 189, cl. 3, ap. Blut.).
Por hum quarto de hora durou o maremoto (Lucena, 241,
cl. 1, ap. Blut.). Por trinta e seis annos serviu Fertião
Lope^ de guarda dos archivos (Herc, Op., V, 6). E o meu
supplicio durará por mezes (Herc, Pões., 73). Um dia
bastava para anniquilar o império que durante quatro
séculos fora o mais poderoso e civilisado entre as nações
germânicas (Herc, Eur., 126).
SYNTAXK HISTÓRICA POIITUGUESA 43
[Claudius] vixU annos IIII d Lx (Eutr., 7, 13). Ludide-
cem per dies facii suni (Cie. in Catil., 3, 8).
§ 37. Depois dos verbos pesar, valer, custar, a de-
signação do peso e do preço nào tem preposição:
vinte sólidos valliam huQa livra ^ernão Lopes,
D. João I, 87). todes estes motivos . . não pesão hum
átomo (Vieira, Serm. da 1." sexta-feira de Quaresma).
[thynnos] talenta XV pependisse (Plin., n. h., 9, § 44)..
denos aeris valebat (Varr., ling. lat., 6, 36).
A construcçào de custar é devida à analogia de sen-
tido entre custar e valer.
§ 38. Quando se diz que uma cousa se compra ou
vende ou, em geral, se obtém por tal ou tal preço cor-
respondente a certa unidade, a designação da unidade
não tem preposição:
escravos, que se vendem por manilhas de latam a
doze e quinze manilhas a peça (Esmeraldo, p. 117). pa-
gar a razão de duzentos cruzados cada cavallo (Barros,
2, 104, col. 4, ap. Blut.).
§ 39, Alguns poetas tem ligado, bem que raríssimas
vezes, a participios passivos um substantivo sem prepos.
para designar a parte da pess. ou cousa, com respeito á
qual o participio é atribuído a esta pess. ou cousa:
Onde em eneos grilhões ligado os membros \ Jaz Pro-
metheo (Costa e Silva, Os Argonautas, 105). Junto d'elle,
de pennas variegadas \ Cingido a frente e rins, imberbe
um homem | De brônzea tez, jazia malferido (Garrett,
Camões, III, 2). Eis Calliope surge, a flor do rancho, \
De heras cercada as espargidas comas (Cast., Fast,
III, 13).
44 8YNTAXK HISTOUICA POKTUOUESA
... Esta syntaxo 6 imitação do accusativo latino liga-
do, por hellenismo, a adjectivos e participios para de-
signar a mencionada relação grammatical: Miles . .
multo jam fraclus membra labore (Hort., Sat., 1, 1,5).
§ 40. a) O tempo em que uma cousa acontece
pode designar-se sem prepos.:
1) Com a palavra dia e as demais expressões de tem-
po (manhã, tarde, noite, semana, mês, etc.) acompanhadas
de expressão attributiva (v. g: esta noite, dia de Paschoa):
Nunalvarez chegou aita noite a Évora (F. Lopes, 262).
Crecia o amor com a cofnmunicação, porque cada dia
hia descobrindo um no outro, cousas que os obrigavão a
se amarem mais (Sousa, V. do Are, 1, 316). Hum dia
que pregando ao povo estava \ Fingiram entre a gente
hum arroido (Lus., X, 117).
No port. arch. também se dizia; v. g: E finou-se sete
dias de janeiro da era de mil e trezentos e sessenta e Irez
annos (Chron. breve do Arch. Nac. ap L. de Vascon.,
Text. Arch., 33).
2) Com os dias da semana: chegou domingo, segunda
feira (etc); domingo passado; chega domingo, segunda
feira (etc), domingo próximo, domingo que vem.
3) Com vez acompanhado de expressão attributiva:
Contasse que foy híia vez gram demanda antre o cam
e o carneyro (Fabul., fabul. 4).
4) Com certas expressões adverbiaes (v. g. : um tem-
po [=-olim]):
mal dia naci (Vasco Roiz de Calvelo, Vai., 582). a
má erva se se não arranca, cada dia multiplica (H. P.,
II, 95). elle cada hora se aventejava em obras santas
(Sousa, V. do Arco, 1, 122). e diz que muyto maa ora —
se meteu no seu cortiço (Álvaro de Brito, Can. Ger. L
SYNTAXE HI8T0K1CA POUTUGUESA 45
217). Certo eu naci maa ora (Anrrique da Mota, Canc.
Ger. III, 484). a populosa hum tempo Cingapura (Mal.
Conq. 1, 118, ap. Blut.).
Obs. O arch. nulla sazon (=em tempo nenhum) deve
ser provençalismo, como bem pensa o Dr. Leite de
Vasconcelos (Tcxl. arch., pg. 435).
b) Designa-se sempre sem prepos. com as expres-
sões: todos os dias, todas as semanas, etc.
Já em latim se dizia, v. g.: quos ego . . ad me id tem-
poris venturas esse praediveram (Cie. in Caiil., 1,4),
§ 41. a) Em outras determinações sem prepos. ha
propriamente, ou ellipse, ou anacoluthia.
Obs. Nas expressões como: Partiram caminho de
Roma, parece que o compl. caminho é «ievido á influen-
cia das locuções: tomar o cammho de, seguir o caminho de:
quando ssora [=ss'oraJ foy sa vya (Fernão Roiz de
Calheiros, Vai., 234). Antes de chegar a Santiago, N.
Coelho apartou-se de V. da Gama e foi-se caminho de
Portugal (Cast., /, 29).
b) Nào são fáceis de explicar as expressões des-
criptivas constituidas por um substantivo seguido ou
precedido de uma expressão predicativa:
Encostado ao seu cajado | ha (a) çapata na outra
mão (Bern. Ribeiro, écloga, 2). cego o vedes pintar, \
menino, e arco na mão (Prestes, 423). com penitencia de
assistirem certos Domingos á porta de suas Igrejas, pés
descalços, e cabeças descobertas e velas acesas nas mãos
46 SYNTAXR HISTÓRICA POKTUQDKSA
em quanto se cantasse a Missa do dia (Sousa, Vida do
Archeb., 1, 322). e ambos a pé suas capas ás costas e
bordões nas mãos a uso monástico põe-se em caminho
(Sousa, Vida do Archeb., J, 466). Chaves na mão, melena
desgrenhada, \ Batendo o pé na casa, a Mãi ordena (N.
Tolentino, Obras, I, 1801, 57). Olhos em brasa, á tur-
ba pavorosa \ Charonte acena (A. J. Viale, Canto 3.o do
Inferno de Dante).
§ 42. Dos nomes empregados por si sós (correspon-
dentes a nominativos latinos) v. g.: em titulos de obras,
letreiros, e outros dizeres que não constituem orações,
não é necessário fallar na grammatica.
§ 43. A respeito do vocativo só tem de observar-se
que ó empregado, já quando se chama por alguém ou se
dirige a falia a uma pess. ou coisa personificada, já em
simples exclamações:
ó tu Sertório, ó nobre Coriolano, \ Catilina, e vós ou-
tros dos antigos | . . . Dizei-lhe que lambem dos Portugue-
ses I Alguns tredores houve algúas vezes (Lus., IV, 33).
Bem poderás, ó Sol, da vista doestes | Teus raios apartar
aquelle dia, \ Como da seva mesa de Thyestes | Quando
os filhos por mão de Atreu comia! (Lus., III, 133). Al-
cançou ser amado (ó sorte rara !), | Da fermosa Lianor
(ó rara sorte!) (Corte lieal, Naufr., X, 17).
§ 44. Das preposições que substituíram os casos la-
tinos (de, a, para, em, com, por) tratar-se-ha conjunctíi-
mente com as demais preposições no capitulo respectivo.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 47
CAPITULO II
Das palavras nominaes em particular
A. Do substantivo
§ 45. a) O apposto em sentido estricto liga-se dire-
ctamente, isto é, sem estar posto em relação particular
com D predicado, a uma palavra nominal:
Vede coino concorda S. Paulo com S. João, os dons
mayores iheologos da Escola de Christo (Vieira, XI, 523).
a congregação de S. Mauro, aquelle brilhante Seminário
de homens illtistres, creou a diplomática (Herc, Op., III, 69).
Tu também, grosso Silva, lustre e gloria \ da tua Pátria,
antiga Torres Vedras, | Doutor em Anno-historico, não
foste I Dos últimos. . (Hyssope, 107, 8). He assi ínesmo
muito abundante de arroz, mantimento commum naquellas
partes (Godinho, 10). per meo dos sentidos, portas e ser-
ventia do entendimento (H. P., I, 7 v.). Aprendeo [D. João
de Castro] as Mathematicas com Pedro Nunez, o maior
homem, que desta profissão conheceo Portugal (Freire, 4).
Desde essa epocha a distincção das du,as raças, a conquis-
tadora ou goda e a romona ou conquistada, quasi desap-
parecera (Herc, Eur., 2).
Um apposto d'esta espécie pode pertencer para uma
oração :
Dizendo isto, Lourenço Telles estava roxo de cólera,. .
tomava rapé a miúdo e com sofreguidão, indicio vehemente
do furacão que o revolvia (R. da Silva, Mocidade, 1, 87).
. , sed príncipes quidam jiiventutis invenii, manifesta
fides publica ope Volscos hosfes adjufos (T. Liv. 6,14). V.
Draeger, Hist. Synt., § 309.
48 SYNTAXK HISTOUIOA FORTUQUESA
Quando o apposto serve de explicar (app. epesege-
tico) ou de enumerar (app. enumerativo), pode ser pre-
cedido de: «a saber»; < convém a saber:»:
duas cousas. . convém a saber: vida e honra (Espelho
de Casados, 2," ed. 21). O restante, a saber: capitel, es-
phera, e coroa fez-se pedaços (Gast, Q. Hist., 2, 66).
Corresponde ao latim scilicd, empregado também
d'este modo na lingoa post-classica.
Pode dizer-se v. g: os dois poderes, temporal e espi-
ritual; os dois poderes, o temporal e o espiritual.
Orationes Campana et Lcontina (Cic. Philip., 2,39).
b) O apposto em sentido lato constitue ao mesmo
tempo uma determinação do predicado.
Obs. Parece dever considerar-se apposto a uma or.
a locução mercê de alguém ou de algo (=graQas a) :
mercê da longa experiência [como parenthesej (Lusii.
transf. f. 6).
Quando se pretende exprimir tempo, hypothese,
concessão, causa, comparação, ou debaixo de que res-
peito é considerada a pess. ou cousa, o apposto é em
regra precedido de um adverbio ou do uma expressão
tomada adverbialmente; na lingoagem litteraria, porêra,
também se liga immediatamente ao nome para que per-
tence:
Quando soldado, nnnca entre as balas mudou os
cores (Vieira, I, 392—3). [ Abrahão] temeo que, como
mulher e mãe [Sara], não tivesse valor para consentir
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 49
no sacrifício. .(Vieiva, /, 603). Verideo [S. Pedro NolascoJ
todas as riquezas que possuía, como grande Senhor que
era no mundo (Vieira //, 209).
§ 46. Os nomes próprios vão para o plural:
1) quando representam mais de uma pess. ou cousa,
que tem o mesmo nome: os dois Apollodoros (em fran-
cês: les deux Apollodore) ; os Sás; os Moreiras de Sá; os
For jazes :
Os Correias de Sá (Camillo, Perfil, 11).
2) quando se designa emphaticamente uma pess. ou
cousa de grande nomeada:
Os Augustos, os Claudios, os Tiberios, os Vespasianos,
os Titos, os Trajanos, que he deites (Vieira, I, 116). os tra-
balhos práticos dos Pestalozzis, Lemaces, Jacotots, e Froe-
beis, são credores de universal agradecimento' (Cast., Out.
I, 18).
3) quando servem de representar emphaticamente
pess. ou cousas d'aquella classe:
Por isso, e não por falta de Natura, \ Não ha também
Virgilios nem Homeros, j Nem haverá, se este costume
dura. j Pios Eneas nem Achilles feros (Lus., V, 98).
4) quando se designam as obras de um autor ou
artista: achei na estante seis Vergilios.
§ 47 a) Fallando-se de uma cousa que pertence sin-
gularmente a cada um de vários sujeitos, é corrente no-
mear-se no singular (v. g.: «puseram o chapéo na cabeça»).
Quando as expressões do typo de: vigário da vara,
chapéo de sol, vão para o plural, o substantivo regido
conserva-se no singular: vigários da vara, chapéos de
chuva.
b) Em certas locuções emprega-se, em sentido col-
lectivo, o singular em vez do plural : de pé descalço, des-
calço (descalços) de pé e perna, o cair da folha:
50 SYNTAXB HISTÓRICA POKTUGUESA
O pobre monge, que, de pé descalço \ dum mundo fal-
so os areaes percorre (Th. Kib., D. Jayme, 53).
c) Acompanhado cie muito, pouco, tanto, pode em-
pregar-se o singular em vez do plural; muito homem,
pou^a laranja, tanta desgraça.
§ 48 a) Alguns substantivos, que não pertencem á
categoria dos pluralia tantum, empregam-se ou podem
empregar-se em certos casos no plural, quando era de
esperar o singular. I)iz-se: a margem direita, a margem
esquerda de um rio, mas, se não se especializar a margem,
diz-se, V. g.: D. Affonso, filho de D. João II, morreu da
queda de um cavallo nas margens do Tejo, junto a San-
tarém. Bons dias! (também: Muito bom dia!); Boa^i noi-
tes! (também: Boa noite!):
Feitas as pazes (Comm. de Aff. de Albuq., 3).
Weissenborn, annotando este passo de Tito Livio
(II, 11): ripisquc Tiberis castra postiit, diz: «ripis» bezei-
chnet also nur das cine Ufer.
Cf. em Platão, Protágoras (2): xôiv vuxií&v (faltando
de uma só noite).
b) O uso dos numeraes cardinaes, em vez dos ordi-
naes (v. g. : Luis XIV), trouxe comsigo o empregar-se o
plural, em vez do singular, em algumas expressões, v. g. :
aos 5 capitulos (no port. ai*ch. médio) (=no capitulo 5.°);
a paginas 4 (=na pagina 4."); a paginas tantas; a folhas
10, a folhas tantas; (quasi antiquado) aos 7 dias de Abril;
aos 7 de Abril (=a 7 de Abril, em 7 de Abril):
Aos V capitulos de S. Matheus (H. P., /, 158). Aos
doze dias de Agosto de 1543 se fez á vela toda, a armada
(Freire, 19).
Diz-se sempre: ás 4 hoi-as; a tantas horas; são 3 ho-
ras; que horas são?
SYNTAXE HISTOUICA PORTUGUESA 51
§ 49. Em alguns casos" emprega-se um substantivo
concreto (ou adjectivo) (precedidos de preposição), onde
era de esperar um substantivo abstracto (ou o verbo ser
com n. predicativo). Dá-se isto principalmente:
Com as designações dos differentes períodos da vida
(com as prep. desde, em, para) :
Os que em velhos começão a ser hons, pouco tempo
lhes fica para usarem da virtude (Lobo, Corte na ald.,
221, ap. Blut.). não gosta, como rei, que lhe lembrem que
estudou pouco em príncipe . . (R. da Silva, Mocidade, 3, 67).
Em latim: a puero (desde creança).
Obs. Nas expressões como: accusar alguém de pró-
digo (=de prodigalidade), estudar para medico, etc, deve-
rão antes ver-se casos de ellipse do infinitivo do verbo
ser, de que ó n. predicativo o substantivo ou adjectivo
que se segue á preposição de; vid. § 411.
§ 50. Conquanto não pertença propriamente á gram-
matica, mas sim á estilística, consignar-se-ha neste lugar,
que se diz, não só, v. g.: ir ao Bertrand (=á livraria do
Bertrand), comprar um livro no Lavado, senão também,
V. g. : ir á Trindade, á Rua dos Condes, ás Variedades
(=ao theatro da Trindade, etc.) fao Variedades, é barba-
rismo recente); sabe o que vae hoje em S. Carlos?, em
D. Maria? (=no theatro de S. Carlos, D. Maria, etc);
amanhã ha festa em S. Nicolao, na Magdalena (=na igre-
ja de S. Nicolao, da Magdalena); e de igual modo : ir para
os Açores, para a Madeira (=para as ilhas dos Açores,
para a ilha da Madeira).
Ad tonsorem ire dixit (Plauto, Asin., 2,3,14); ego ibo ad
medicum (id. Men. 3,7,17).
52 SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA
§ 51. Funccionam como substantivos, além das pa-
lavras tomadas materialmente :
1) adjectivos (participios) : o temerário e o impossí-
vel da empresa;
2) pronomes (entre elles o pron. pessoal eti, sobre
tudo na lingoagem philosophica);
3) algumas palavras invariáveis em certas combina-
ções: até hoje;
4) certas combinações de prepos. com substantivo:
um sem numero ( = uma infinidade) de vezes e com ha
tanto tempo :
um sem numero de mysteriosas harmonias (Herc,
Lendas, II). sermões de ha sessenta annos (Herc., Op.
Ill, 9).
B. Do adjectivo
§ 52 a) O adjectivo, como tal, é:
ou attributo: cidade popidosa ;
ou nome predicativo: esta cidade é poptdosa;
ou apposto (e neste caso designa o modo de ser da
pess. ou cousa no 'tempo em que se dá a acção do verbo):
mal pode ter a vara direyta quem tem a cofisciencia
torta (H. P,, /. 178 v.). A aurora rompeu meiga e serena
(Herc, Eur., 113). Que o valor, e virtude preeminente \
Presente desagrada, ama-se ausente (Ulyss., 5, 67).
Obs. Quando o apposto exprime causa, pode ante-
pôr-se-lho a prepos. de, para dar realce ao estado ou
qualidade:
. . E nisto de mimosa \ O rosto banha em lagrimas
ardentes, \ Como co orvalho fica a fresca rosa (Lus.
II 41).
SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA 53
. • naturam ipsam de immorlalitate animoruni tadtam
judicare (Cie. Tusc, 1, 14). Cursu festinns Anhelo advolat
(Ovid. Met., II, 347-48). V. Madv. § 300.
b) Ainda que 6 ponto que pertence propriamente á
estilística, observar-se-ha neste lugar, que a litteratura
clássica, imitando o latim, quando um adjectivo pertence
para um de dois substantivos ligados pela prepos. de,
concorda ás vezes o adjectivo com o outro substantivo :
Vem arneses e peitos reluzentes, | Malhas finas e lami-
nas seguras, \ Escudos de pinturas di ff er entes, \ Pelouros,
espingardas de aço puras (Lus., I, 67).
Genere levi armaiurae (T. Liv., xxxv, 27); Monumenio-
rum arduiim d operosum honorem (Tácito. Germ.,2").
§ 53 a) O adjectivo attributo, quando pertence pára
um só substantivo, toma o género e numero do substan-
tivo : Vagas rumorosas : sol esplendido.
Obs. 1." Quando pertence para uma expressão de
tratamento, o adjectivo toma o género do nome próprio
da pess. a quem se dá o tratamento ; Cf. § 14 a.
Obs. 2." Diz-se, v. g.: os volumes 4." e õ.°, o 4." e 5." vo-
lumes, o 4.0 volume e o 5.°, o volume 4.° e a õ.°, (menos
frequentemente) o volume 4.° c 5.°:
O quarto e quinto Affonsos . . (Lus., I, 13). sam Ma-
teus no primeiro e segundo capitolos (Corte imp., 133).
na decima e undécima proposições que referistes (Man.
Bernardes, Luz e Calor, 169, apud Barreto, 228).
in undeviccssimam et, vícessimamlegiones (T. Liv., 27, 38);
prima et terlia legione (Id. 40, 41).
54 SYNTAXE HISTÓRICA POKTUGUKSA
b) Quando pertence para vários substantivos,
1) SC todos elles são do mesmo género, toma o gé-
nero dos substantivos o
a) sendo todos do plural (ou de números diversos),
vae para o plural: Lemistes e selins cortesãos.
b) sendo todos do singular, vae para o plural, de
preferencia, ou para o singular:
dotada de conformidade e resignação heróicas (Herc,
Monge, 1, 250). o seio e o rosto da monja, suavemente pal-
lidos (Id., Eiir., 159). a destreza e pericia árabes (Herc,
Lendas, II, 83). cujo saio e cavallo negros (Id., ibid.. 223).
para uma e outra coisa juntas (Cast., Q. Hist., I, 116).
2) se os substantivos são do géneros diversos, e:
o) do plural, vae para o plural e para o género do
substantivo mais próximo :
Dictes e sentenças furtadas (Góes, Cat. M., 6). Leis e
CQstumes pátrios (Herc. Cas. Civ.).
b) se do singular, vae de ordinário para o singular
e para o género do substantivo mais próximo, quando
está immediataniente antes d'este e de ordinário, para o
plural masculino, quando vae depois dos substantivos:
Assim como aquelle pérfido deu a lançada, manou da
ferida sangue e agoa verdadeiros (Bernardes, Nov. Flor.
ap. Barreto, Est. 193). A existência e esplendor antigos
(Herc. Cas. Civ.).
c) se de números diversos, vae para o plural, de
preferencia, e para o género masculino, ou para o numero
e género do substantivo mais próximo:
As calças e jubão de ouro lavrados (C. Real., Naufr,
73). Com os cânones e com a disciplina promulgados em
Trento (Herc, Cas. civ.).
§ 54) A regras de concordância do adjectivo como
nome predicativo, vão nos §§ 11 e 32.
SYNTAXK mSTOlUCA POKTUGUESA 55
§ 55) As regras de concordância do adjectivo em-
pregado como apposto são as mesmas que a do adjectivo
empregado predicativamente :
E siipitamente lhe apareceo sam Framçisquo com
samto António vistidos de avitos respramdecentes e cimgi-
dos com cordas (Mil. de S. Ant., 66). A maior parle do
qual [GambeaJ corre turtuoso em voltas meudas (Barros,
/, 3. 8). Mas de quanto vos quero descuidada \ sempre
áspera vos vejo, sempre dura (Caminha, 50). A imagina-
ção e o orgidho exercem grande poder, e correm mais
fogosos do que pensas (R. da Silva, Mocidade, 3, 115).
Obs. Um adjectivo do plural pode estar apposto a
um sujeito do singular que venha depois, quando este
sujeito é algum dos pronomes cada um, cada qual, ne-
nhum, ninguém, referidos a certas pess. ou cousas já
mencionadas:
sobresaltados com esta vista, procurava cada um pòr-
se a salvo.
§ 56. Sobre a gradação dos adjectivos, v. cap. iii.
§ 57. a) Com o valor de substantivos, empregam-se
os adjectivos (e participios passivos) :
1) designando pessoas: o fraco, o forte; os vivos, os
mortos ;
2) designando cousas (no singular): o promettido é
devido.
Obs. Um pequeno numero também se emprega
deste modo no plural (possível, impossivel).
3) em vez de substantivos abstractos, no singular,
quando queremos dar realce á qualidade ou estado de
um dado objecto (o temerário da empresa):
nem os molestava o estirado, e desconjuntado dos
membros (Vieira, I, 992). A' altura da queda e ao ím-
peto das águas ajunctava-se o agudo dos rochedos (Herc,
56 8YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Eur., 242). pesavam mudos o temerário e o impossível
da empreza (Cast., Q. Hist., II, 10-11).
b) Em particular substantivam-se:
1) alguns adjectivos, designando a parte respectiva
de um objecto: o alto da cabeça, o alto de um monte;
2) os comparativos, designando o momento respe-
ctivo de um acontecimento: no mais agro da tormenta:
Amor com brandas mostras apparece, j Tudo possível
faz, tudo assegura, \ Mas logo no melhor desapparece
(Cam., Sou., 180). Achava-se D. João no melhor de seus
annos (Freire, 11).
3) alguns adjectivos, no singular masculino, desi-
gnando aquillo que tem a respectiva qualidade, conside-
rada de modo geral, independentemente dos objectos
concretos em que ella se manifesta: o bello, o sublime;
4) os adjectivos designativos de cores em expressões
como: vestido de prelo; ser oiro sobre azul;
5) os adjectivos: alto, largo, comprido, quando de-
signam dimensões (v. g. : ter tantos metros de alto):
muro de madeira de dez palmos de largo e vinte de
alto (Comm. Aff. de Alb., 24).
(vallis) habcl. . . in longo millia passos forsilan scdcrim,
in lato aiUem. . .: Aeth. per., 2, 1).
6) um ou outro adjectivo em sentido especial, em
certas combinações: ao antigo = (i moda antiga; saber ao
certo :
Hum cavalleiro vestido ao antigo (M.-Lus., 2, 333,
cl. 2. ap. Blut.).
Obs. Antigamente empregava-so o adjectivo peque-
no (e o diminuitivo pequenino) no sentido de pedaço (pé'
(lacinho):
SYNTAXE HISTÓRICA POIITUGUESA 57
ê toda parte lia hu peqno de muo caminho (Esp. de
Casados, 37, v.).
§ 58. a) Alguns adjectivos empregam-se, em certas
combinações, referidos a um substantivo que se suben-
tende.
Um adjectivo substantivado está referido a uma de-
terminada ideia, porém, não a uma determinada palavra
que designe essa ideia ; um adjectivo elliptico está refe-
rido não só a uma determinada ideia, mas também a uma
determinada palavra que designa essa ideia.
Diz-se: á direita, d esquerda (também: á mão direita,
á mão esquerda); á portuguesa, á francesa, etc.
aã dexteram, ab dextra, dextra (Ces. Bel. Civ., 2, 15);
dexdra ejus (flioiíinisj accoliint Deximontani (Plin, Nat. Hisl.,
6, 99); ad sinistram, ad lacram, etc.
D'este modo empregam-se até adjectivos formados
de nomes próprios: botas d Frederica, cabello cortado á
Saint-Simonia. Não me recordo de ter encontrado es-
cripta esta palavra, mas ouvi-a muitas vezes em pequeno.
Actualmente diz-se, e seria difficil dizer- se d'outro modo,
V. g. : trajo á Luís XV.
b) A esta categoria pertencem as expressões:
ás claras, ás escondidas, ás escancaras, ás avessas,
etc. ; vir ás boas ; viver á larga (antigamente : á la larga) ;
andar á solta'; chegar á justa; levar a melhor, levar a
peor:
e cada vez os lobos levavam a peor (Fabul, fab. 38).
§ 59. Um pequeno numero de adjectivos empre-
gam-se também, no sing. masc, adverbialmente : dema-
siado, nimio, raro, continuo, súbito, alto (fallar, voar);
caro (custar, comprar, vender); serio (fallar):
E por esto se diz que a fretnosura gabada sobejo, per
58 SYNTAXK HISTOIUCA PORTUGUESA
vezes se torna em fealdade {V. Bemf., 276). Doce tanges,
Pierio, doce cantas (Ferreira, egl. 2., ap. Moraes).
Obs. O adjectivo meio (junto de adjectivos e parti-
cipios) emprega-se adverbialmente ou em forma inva-
riável ou concordando, por attracção ('), com o substan-
tivo para (lue pertence o adjectivo ou participio:
miseiaveis ruinas, ou meyo sepultadas já, ou cober-
tas de era (Vieira, S. de «S.'" Cath.). Olhos meio fechados
(Cast., Chave, 41). Huns caem meios mortos (Lus. III, 50).
Outros meios mortos se afogavão (Id., ibd., 113). Na quasi
solitária e meia arruinada Carteia (Here., Eiir., 12).
Attracção semelhante se dá com os adjectivos caro e
barato :
disposto a vender cara a vida (Camilo, Cego de Lan-
dim, ap. Barreto, Est., 261). Os monumentos custam caros
(Reb. da Silva, De noite todos os gatos são pardos, ap.
Barreto, Est., 261). Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa,
I Que bem, cuidou comprá-la mais barata (Lus. I, 90).
D'estas palavras umas representam formas adjectivas
latinas que se empregam adverbialmente (raro, continuo,
súbito, nimio), outras são empregadas adverbialmente,
por analogia de significação (demasiado, por analogia de
nimio), outras são pura imitação litteraria do latim, como
no passo acima citado, de Ferreira (dulce ridentem Lalu-
gen amabo, dulce loquentem [Hor., Carm. I, 22, 23-24].
§ 60. Os adjectivos podem, nas suas diversas func-
ções vsyntacticas, ser substituídos por equivalentes de
adjectivos, a saber, por: 1) nomes precedidos de prepo-
(') V. Dr. Leite de Vasconcellos, As Lições de Luig. do snt: Oiwd. de Fiyueittdo'
10 e II.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 59
siçào; 2) infinitivos precedidos de preposição; 3) alguns
advérbios :
Ca par Deus, semelha mui sem razoyn j (Taver eu mal
d'u o Deus nom pos, nom (D. Denis, Lang., 34). Nem cui-
demos que he louvado por de grande e nobre coraçom o
que faz m.ercee onde a nom possa perder (V. Bemf. 108).
a minha pena he sem medida (Camões, Son., 181). de ter
por sem duvida (H. P., J, 7). homens sem consciência
(Vieira, VII, 52). Um portuguez ás direitas (Garrett,
Fr. Luiz de Sousa, I). nas luctas sem gloria (Herc,
Eur., 84). a crypta estava em silencio (Id., ihid., 164).
não ficarão sem vingança (Id., ibid., 224). — Como tudo
nelle [desoioj sejão planicies a perder de vista (Godinho,
115). — Nunca vi coisa assim (Garrett, Viagens, 35).
C. Do nome numeral
a. líumeraes propriamente dietos
§ 61 a) Empregam-se os cardinaes em vez dos ordi-
naes: nas datas dos annos, nas dos dias do mês, na indi-
cação das horas, na das paginas, folhas (facultativamente),
dos capítulos, paragraphos; v. g. : em 1872, no anno de
1872; a 3 de Maio, aos 3 de Maio, em 3 de Maio, no dia
3 de Maio: domingo, 3 de Maio; mas diz-se: em um de
Maio ou no primeiro de Maio ; domingo, um de Maio, ou
dia primeiro de Maio; é meia hora depois do meio dia, é
uma hora da tarde; ás 4 horas da tarde, 5 horas e meia
da manhã; a paginas 1, et paginas 2, na pagina 1, na
pagina 2; também: na primeira pagina ou na pagina
primeira ; mudar de rua e bairro todos os três mezes (Gar-
rett, Viag., 20) (=de três em três meses). Diz-se: quarto
n.^ 1, n.° 2, etc, ou quarto 1, 9, 2; cavallaria 1, infanta-
60 SYNTAXE HISTOIUCA POnTUGDESA
ria 2, artilharia 3, o 1 de cavallaria, o 2 de infanta-
ria, etc.
Segundo já se notou (no § 48 b) antigamente também
se dizia, v. g. : aos nove capitulos = no capitulo nono, aos
ires dias — RO (no) terceiro dia.
Obs. E' irregularidade (frequente na V. Bemf.) em-
pregar o ordinal com o substantivo (capitulo, etc.) no
plural, V. g. : aos vigésimo segundo capilullos dos provérbios
(pag. 90).
b) Na distincção de príncipes, etc, do mesmo nome,
os cardinaes podem empregar-se, em vez dos ordinaes, de
11 em diante (isto é, desde que os ordinaes deixam de ser
do conhecimento geral):
Luiz 11 de França, o papa Leão 13 (mas, v. g.: D. Af-
fonso 1°).
O mesmo acontece com século.
c) Na designação das fracções diz-se meio (v. g.: meio
litro, meia legoa, meio pão ou metade de um pão), dois
terços, 3 quartos, 4 quintos, 5 sextos, 6 sétimos, 7 oitavos,
8 nonos, 9 décimos (e também: duas terças parles, etc);
d'ahi por diante emprega-se o termo avos (v. g. : 2 on^e
avos).
P'óra do calculo das fracções ordinárias, também se
empregam alguns outros numeraes ordinaes, v, g. : 5 duo-
décimos, 3 vigessimos.
§ 62, Em certas condições um vem a equivaler a
o mesmo :
Oh cousa para espantar! \ Que ambos a ferida tem |
Dlium tamanho, em hum lugar! (Camões, Amphitriões,
acto V, scena I) (^). eram ambas irmaãs filhas do dicto
O Esta obscrvaçíTo é devida a Júlio Moreira, Estudos, I, pag. 43.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 61
Rei dom Sancho posto que nom fossem dhua ^ madre (F.
Lopes, 538).
§ 63 a) Tanto se diz, v. g. r vinte e um dia, como, o
que é mais usual, vinte e um dias:
bella occupação para um homem de vinte e um annos
(Garrett, Viagens, 108).
b) No port. arch. médio dízia-se, v. g. : ires quatro,
por 3 ou 4i
não levava mais que três quatro [=3 ou 4] negros
(Mendes Pinto, 14).
c) No port. arch. dizia-se, v. g. : duas tanto por duas
vezes tanto:
a qual ssoomhra parecia a elle que era duas tanta
carne (Fabul., fab. V).
d) Escreve-se v. g. : «33 varas e meia> (Cast., Q. Hist.,
2, 62). e <16 e meio palmos» (Cast., Q. Hist., 2, 62); mas
fallando-se, só se diz: 16 palmos e meio.
e) Diz-se ellipticamente: ás duas por três; de duas
uma; ou — ou — ; á uma (em contraposição a «em segundo
lugar», «depois»):
mas a fortaleza se nam fez, a huma porque o tempo
não deu pêra isso lugar, e á outra por serem perdidas
estas munições (Góes., D. Manoel, IV, 45).
b. líumerais indefinidos
§ 64. a) Tantos serve de representar o numeral
que não se individua:
Trinta e tantos (Ceita, 195, v.). explicar por um ca-
pitulo tantos.. (Herc, Lendas, 2, 217).
b) Diz-se, por attracção: uma pouca d'agoa, umas
poucas de obras; mas também se diz, v. g. : um pouco de
boa vontade:
62 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
hua pouca de hisca (Fabul, fab. I). húa pouca de
pólvora (H. P., J/, 465, v.J. hiias poucas de palmeiras
(Aff. de Albuq., Comm., I, 22). Uma pouca de palha
(Herc, Bobo, 256).
Conf. :
T-ijv nXzlQZTtW z-fjç o-paxiãç (TllUC, 7, 3).
§ 65. Diz- se ellipticamente : dizer as ultimas a alguém.
D. Dos pronomes
a. Pronomes pessoaes
§ 66. a) Como sujeitos ou appostos do sujeito ou
nomes predicativos empregam-se:
l.a pessoa 2.^ pes. d.^ pes.
eu tu elle ella
nós vós elles ellas
Tu e vós também funcionam como vocativos.
Como complementos directos átonos empregam-se:
me te o as
nos vos os as
se (reflexo)
Como complementos indirectos átonos empregam-se:
me te lhe
nos vos lhes
se (reflexo)
8YNTAXE HISTÓRICA POKTUGUKSA 63
Precedidos de preposição empregam-se :
mim
ti
elle ella
nós
vós
elles ellas
si (reflexo)
Obs. 1." No port. arch. médio é frequente a forma
lhe como plural, e ainda é muito vulgar na linguagem
do povo; occorre ás vezes nos próprios escriptores mo-
dernos, nomeadamente em Bocage, e é a forma que tem
de empregar-se na combinação com o pronome o a:
Deixão dos sete ceos o regimento \ Que do poder mais
alto lhe foi dado (Lus., i, 21).
Obs. 2." As formas arch. mego, tego, sego; migo, tigo,
sigo; nosco, vosco, cederam o lugar ás formas, que pode- .
mos chamar pleonasticas: comigo, coiútigo, comsigo, com-
nosco, comvosco.
Diz-se, porem, com nós, com vós, quando os prono-
mes são acompanhados de um apposto ou attributo ou
or. relativa: com ambos nós, com vós todos:
. . . mas com tudo \ Nenhum sinal aqui da índia acha-
mos I No povo, com nós oídros quasi mudo (Lus., V, 69).
Obs. 3." No fallar popular antigo accorre mi e ti
por eu e tu:
mais o coraçom pôde mais ca mi (Lang., 57). -esta
dama que servires \ nam valha menos que ty \ por linha-
gem (Barbato, Canc. Geral, /, 475), Ora vamos eu e ti
00 longo doesta ribeyra (Gil Vicente, ap. L. de Vasconc,
Text. arch., 67).
64 SYNTAXK msTOKICA FOUTUQUESA
Obs. 4." E' grande irregularidade dizer: cSenhora,
entre vós o eu | e perante João Antào | me soffrei uma
reprensão» (Prestes, 4õõ).
b) O port. arcli., a par com as formas actuaes, em-
pregava :
1) Como forma do sujeito da 3.* pess. masc. do sing. :
e/(ell):
ell queria hir beber {Fabul, fabtil. 34).
2) Como formas do compl. directo:
1) átonas (e sô em combinações com outros prono-
mes átonos): xi, xe;
2) tónicas (e emphaticas) mi, mim, ti, elle. elUi, si,
nós, vós, elles, ellas, si:
. . .pêra calçar sy e eles (~a si e a elles) (lAvro das
doações de D. Dinis 7io Archeol. XII, pag. 160). Perdi ela
que foy arre (=a rem) mdhor (D. AíT." Sanches, 1^at., 21).
desque vi ela (Vasco Rodrigues de Calvelo, Vat., 585).
mais siganos elle que he nosso criador mostrando ben-
querença que devemos a todos (V. Bemf., 51). Conhece
ty mesmo (Idem., 73). Ca eu nom temo ty (Fabul,
fabul. 22). e o senhor disse ao alcayde que sse lh'o
furtassem per ssua maa guarda que eíiforcariam ell
(Idem, 34).
S) Como formas do compl. indirecto: mi (mim), ti,
Ihi, si, xi, xe, Ihis, si, xi, xe:
me Ihi leixe tanto dizer (Fernão Velho, Vat., 54).
4) precedido de preposição: mi (forma que ó ainda
a que predomina nos Lusíadas), el:
A dona, que já d'ell era namorada muito (Fabul.,
fabul. 34).
§ 67. As combinações normaes de pronomes áto-
nos são:
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 65
m'o, m'a, m'os, m'as
se me
t'o, etc.
► se te
lh'o, etc.
se lhe
no-lo, etc.
se nos
vo-lo, etc.
se vos
lh'o, etc.
se lhes
No port. arcb. a par de t'o, fa, havia c'ho ch'a, e a
par de se twe, se te, etc, havia xi (xe) me, etc:
Esto me ffez ventura que xi me tornou madrasta e en-
miga a Graal (na Rev. Lus., VI, 343).
Nos outros casos substituem-se as formas átonas do
compl. indirecto pelas formas tónicas respectivas (prece-
didas da prepos. a):
A ti me converto ... a ti me queixo (Man. Bernardes,
Luz e Calor, 582, ap. Barreto, 137).
Obs. Aqui e acolá occon-em combinações que não
são normaes:
quando te me deu por guardador e por meu guiador
(Visão de Ttmdalo, Rev. Lus. III, 105).
§ 68. a) Os pronomes pessoaes que tem formas cor-
respondentes á diversidade de géneros, seguem as re-
gras de concordância dos adjectivos, mas referindo-se a
mais de um nome, hão-de ir para o plural:
A generosidade, o esforço e o amor ensinaste-os tu em
toda a sua subliynidade (Herc, Eur., 35). Depois do amor,
a paz e o esquecimento só os dá a morte (R. da Silva, Mo-
cidade, 2, 267).
b) nos e vos referindo-se a seres de diferente sexo,
consideram-se do género masculino:
66 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
O orgulho que a ambos [Eurico e HermengardaJ nos
fez desgraçados (Herc, Eur., 293)].
§ 69. a) Si, comsigo emprega m-se na conversação
também sem signiflcação reflexa, representando a pess.
com quem falíamos e a quem tratamos na 3.» pess., v. g.:
Este livro é para si :
nem mesmo comsigo^ swr." D. Josepha (Eça de Quei-
roz, Crime, 73, ap. M. Lubke).
b) As vezes a 1.^ pess., fallando de si, emprega, por
modéstia, o plural do pron. da 1.^ pess., em vez do sin-
gular. Fazem isto principalmente os autores de obras
littefrarias.
Vice- versa emprega-se ás vezes, referido a uma só
pess., o plural do pron. da 2.» pessoa.
c) No sul do país não costumamos empregar na
conversação o plural do pron. da 2.* pess.; substituímos:
a forma vos do compl. directo por os, as
> > vos > » indirecto por lhes
» > vós por vocês.
d) Na conversação emprega-se a gente com o valor
do pronome nós: Venha com a gente.
§ 70. Na^emphase os, pronomes pessoaes, já empre-
gados nas formas átonas, repetem-se nas formas tónicas
6 vice-versa:
ella engordou | E fes-me hétego a mim! (L. de Vasc,
Tx. Arch., 68). Eu avarento cuyda que tem dinheyro, e
o dinheyro tem-no a elle (H. P., /, 209). a mim me parece
que . . (Idem, II, 32). isso te entrará a ti por casa (Eufros.,
III, 2). Quem vos levanta a vós, a mi me exalta (Bnltli.,
Estaco, 71. V.). Izabel não buscava coroas, antes as coroas
a buscavão a ella (Vieira, //, 20). E que me importam a
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 67
mim esse ódio impotente, essa linguagem vergonhosa?
(Herc, Op. Ill, 68).
A repetição nas formas tónicas ó de regra na coor-
denação no port. moderno (deu-me a mim e a meti irmão):
Maldiz-se a si e a providencia e o mundo (Herc,
Pões., 187).
Emphaticamente podem concorrer os pronomes átonos
com os nomes que funcionam como complem. directo
ou indirecto:
Ao homem ousado a fortuna lhe dá a mão (Prov.). Não
lhe fora melhor a Sichem não ver a Dina (Vieira, I, 890).
§ 71. Em lugar de nós, vós, pode dizer-se nós outros,
vós outros, quando se quer contrapor emphaticamente
nós e vós a outras pessoas:
Vós outros me chamaes mestre e senhor e dizes bê,
ca eu o som (Fios Sanctorum, f. 3, v.). Saberás, pois, ó
leitor, como nós oídros fazemos o que te fazemos ler
(Garrett, Viug., 31).
§ 72. Os escriptores antigos, tendo empregado um
substantivo era certa accepção, representaram-no, tomado
em outra accepção, na mesma phrase, pelo pron. pessoal
da 3.^ pessoa:
pareceria falta de memoria não a fazer aqui d'elles
(H. R).
§ 73. A forma o, a, os, as, pode empregar-se refe-
rida a um substantivo tomado em sentido indefinido :
quero Weu ben e que-lo el ami (J. Baveca, Vat., 832).
Cordões de oiro, se os ha [em francês: sHl y en a] enri-
quecem . . o collo da imagem (Lat. Coelho, Semana, II).
§ 74. Em algumas phrases familiares emprega-se
eliipticamente o pron. pessoal da 3.** pess,, feminino: fi-
seste-a bonita; has-de pagar-m,''as; aqui (ou agora) é que
são ellas.
68 8TNTAXK HI8T0KICA F0RTCGUR8A
b. Pronomes possesaivos
§ 75. a) Os pronomes possessivos funccionam como
attributos e como nomes predicativos.
b) Fornias arch. empregadas só aítributivamente
são: iiiía (escripto mha), nha (oscripto inha), ta, sa; noslro
(só em Nostro Senhor = Deo3).
c) Empregadas attributiva e prodicativamente: ton^
8on.
§ 76. a) Para obviar á confusão que traz o pron.
possessivo da 3.* pess., com respeito aos géneros e nú-
meros, juntam-se, sobretudo na lingoagom familiar, as
expressões: d'elle, d'ella, íVclles, d'ellas, ou se substituem
os pronomes possessivos por estas expressões, podendo,
tanto num caso, como no outro, juntar-se, em appos., o
substantivo respectivo:
dizédo que quiria fallar com elles alguiias cousas que
eram seu proveito delles (F. Lopes, 150). iomando-lke
suas fermosas mãos antrc as suas d'elle (B. liib., Men„ 11^
93). a culpa d'isso era sua delles (Aff. de Albuq. Comm.,
I, 26). para exercerem o cargo cm quanto fôr mercê
d'elle, rei (G. Barros, Hist., Hl, 704).
b) seu, sua também se refere á pess. com quem
falíamos e a quem tratamos na 3.* pessoa: encontrei o seu
filho.
§ 77. Pode ter cabida aqui uma observação quo
pertence rigorosamente á estilistica, e é que o portiiguôs,
além do, geralmente, fazer pouco uso dos possessivos,
quando a clareza o não requer, substituo frequentcmento
estes pronomes pelas formas átonas dos pronomes pes-
soaes empregados como compl. indirecto:
O Senhor não me escutou as preces: 7ião me acceilou
8YNTAXE HISTÓRICA P0UTUGUE8A 69
a resignação (Herc, Eur., 80). alguma vergontea, que
lhe rompia da enrugada epiderme (Herc, ibid., 241).
Metie dinheiro na bolsa (J. A. de Freitas, tr. do Olhello
de Shaksp. ^ Ptíí money in thy piirse [acto I, se. lUJ).
§ 78. É raro o emprego dos pronomes possessivos
em sentido objectivo:
nã achado hi ho arcebispo se partira logo ao dia se-
guinte em sua busca (Diego AíT., 114). Mova-te a piedade
sua e minha (Liis., Ill, 127).
§ 79. Com o pron. possessivo podem concorrer os
pronomes demonstrativos, indefinidos e numeraes, v. g. :
este meu filho, os meus três filhos.
§ 80. a) Diz- se, v. g.: pessoa dos seus [de uns] cin-
coenta anrios.
b) Em phrases como: A empresa tem suus difficul-
dades, o pron, possessivo é uma expressão reservada, em
lugar de alguns:
Ha sua notável differença n^estes dois modos de acu-
dir ao pensamento (Garrett, Viag., 147).
c) Os pronomes possessivos tem, ás vezes, o sentido
de: devido:
Porque o amor fraterno e puro gosto \ De dar a todo
o Lusitano feito \ Seu louvor (Lus., V, 100).
d) E de notar o emprego, na conversação, em tom
exprobrativo, dos pronomes meu e seu, juntos a um vo-
cativo, ou a um apposto d'um vocativo, v. g. : meu men-
tiroso !
vá-se d'aqui, seu mata-genle (Amorim, Amor da Pá-
tria, 19).
§ 81 . Os pronomes possessivos empregam-se substan-
tivamente :
1) no sing. masc. : dar do seu; dar o seu a seu dono»
ter de seu [=ter bens próprios] (Prestes, 420); (antiquado)
70 SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA
de seu = por si só, por si mesmo : eles [instrumentos] de
seu se tangiam (Tundalo, na Bev. Lus., II, 117). Per-
doado he elle de sseu (Fernão Lopes, D. João J, 28).
2) no plural masc. referidos aos parentes, concida-
dãos, partidários, etc:
Mas louvar os meus próprios, arreceio \ Que louvor
tão suspeito mal me esteja (Lus., 3, 4).
3) na locução arch. pollo (pelo) meu, teu, seu, nosso^
vosso (que significam: por meu interesse, por minha causa,
€tc.) :
como eu peno cada dia \ pollo seu, com saudade
(Nuno Pereyra, Canc. Ger., I, 251).
§ 82. Os pron. possessivos erapregam-se elliptioa-
mente em algumas locuções familiares, v. g.: fazer das
suas, querer dizer na sua.
C. Pronomes demonstrativos
§ 83. a) Os pron. este (isto), esse (isso), aquelle (aquil-
lo), são pron. demonstrativos directos, que correspondem,
respectivamonte, aos pron. pess. da 1.*, da 2." e da 3.*
pessoa.
Aquelle ó também pron. demonstrativo indirecto.
b) A um substantivo apposto, a que se liga uma or.
relativa ou outra determinação equivalente, pode pospor-
se o iH'on. este ou esse:
Omifiindo o mais que se innovou com boa mão para
o ensino prompto de calligraphia popular . . e para a
leitura . . dos números, tanto arábigos como romanos, pe-
quenos benefícios esses que a ingratidão pode pagar á sua
moda (Cast., Outono, 28). a madrugada, o sol, e a íwa
com a alegria, com os resplendores, com a devoção, coisas
SYNTAXE HISTÓRICA PORTDGUESA 71
e^tas todas de Deus, mas rudes e sem entendimento (Cast.,
Q. Hist., II, 23).
c) O pron. esse emprega-se também emphaticamente,
representando uma pess. ou cousa como devendo, pela
sua celebridade, etc, estar na mente das pessoas a quem
falíamos ou a quem se suppõe que falíamos:
Que é, pois, a caixa económica, essa arvore que pro-
duz iaes fructos de benção ? (Herc, Op., I, 161).
d) Esse, como apposto, emprega-se em gradações:
O marido esse adorava-a (Eça de Queiroz, Crime, 6,
ap. M. Lúbke, 575).
Com este fim o latira emprega vero, v. g.: Scimus
enim ynusicen nostrís moribus abesse a principis persona, sal-
tare vero etiam in tntiis poni (Com. Nep., Epamin., i).
e) Esse, na significação de tal, como n. predicativo
ou equivalente do n. predicativo, servia, no port. arch.
médio, de evitar a repetição de um nome:
Oh que certeza tamanha, o muito peccador não se co-
nhecer por esse! (Camões, Filodemo, II, 2).
§ 84, a) Quando os pron. isto, isso^ aquillo são de-
terminados por uma or. relativa que tem um substaniivo
(ou adjectivo substantivado) por n. predicativo do pron.
relativo, os clássicos substituem frequentemente aquelles
pron. substantivos pelos pron. adjectivos este, esta, esse,
essa, aquelle, aquella:
A censura deste que se chama costume, . . . (Vieira,
IL 124).
Eu porém não me quero escudar por isso de dar razão
deste, que parece impossível (Vieira, /, 631). A razão ver-
dadeira desta qxie ao principio parecia mudança . . (Vieira,
VIII, 31).
72 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
Quíie apud alioa iracundia dicitur, ea in império super-
bia cUque crudclilas appcllatur (Sall., Cal. 51).
b) Semelhantemente, quando aos pron. isto, isso,
aquillo se liga, como n. predicativo, um substantivo pre-
cedido do artigo, aquelles pron. são de preferencia substi-
tuidos pelos pron. adjectivos este, esta, esse, essa, aquelle,
aquella :
He eMa uma observaçcLo que me admiro não fizessem
aqui os Historiadores (Vieira, S. de SJ'^ Cat.", 10).
Obs. O port. arch. ia mais mais longo nesta substi-
tuição, fazendo-a, ás vezes, quando a referência era a
nomo de pessoa:
porque este (Virgem Maria) foi húu castello muyto
bem guarnido de cava de humildade e de muro de virgin-
dade (L. de Vasconcellos, Tx. Arch., 36).
c) No port. arch. também, quando o pron. aquillo,
seguido de uma or. relativa, tinha de ser n. predicativo
do sujeito, substituia-se ás vezes por aquelle ou aquella,
segundo o género do sujeito:
a fremusura da alma he aquella que afremosenta o
corpo (Fahul, 20).
d) Os pron. este, esse, aquelle, determinados por or.
relativa, substantivam-se, designando pessoas:
Esse que bebeo tanto da agoa Aonia, | Sobre quem tem
contenda peregrina \ Entre si Rhodes, Smfp-na e Colopho-
nia, I Athenas, los, Argo e Salamina (Lus., V, 87).
§ 85. O, a, os, as, emprega-se na qualidade de pron.
demonstrativo propriamente dicto :
1) seguido de uma determinação, referido a pessoas :
o que muito miige tira sangue (Espelho de Casa-
dos, 41).
Saiba morrer o que viver não soube (Bocage, son.).
SVNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 73
2) no siiig. masc. como equivalente do pron. aquillo
(determinado por uma or. do relativo que):
digamos também ho a que somos enmados (Diego
AíT., Í2í).
rogou que lhe dissesse ho pêra que ho levava (Bern.
Rib., Men., I, 26).
o que sabemos d^ouvido pode ser incerto, mos o que
sabemos de vista, he certíssimo (H. P., i, 6 v.). Logo direi
o para que trago tudo isto (Cast., Outono^ II, 121).
Quando a or. relativa tem por n. predicativo do rela-
tivo que um substantivo, os clássicos concordam frequen-
temente o pron. o com o n. predicativo :
Variamente pintarão os Antigos a que elles chamarão
Fortuna (Vieira, XI. 5). zombavam das nossas que elles
chamúvão ceremonias (Id., ibid., 502).
Com o que empregado como sujeito ou n. predica-
tivo, ou apposto, dá-se, de ordinário, uma anasírophe, a
qual consiste em antepor ao pron, o a prepos. que rigo-
rosamente pertence para o pron. relativo (v. g.: do que
eu me admiro é — ) :
replicar seriamente a homens, não só ignorantes e ine-
ptos, do que elles não tem cidpa, mas que falsificam,
truncam, omitfem as palavras do adversário (Herc, Op.
III, 67).
Eis do que nos acctisa o snr. Visconde (Herc, Cas.
civ., 8).
o) no sing. masc, servindo, como n. predicativo do
sujeito, de evitar a repetição de qualquer expressão qua-
lificativa, e, na voz passiva, de evitar a repetição do par-
ticipio passivo :
Uma nação não é só metaphor içam ente uma grande
familia, é-o também no rigor da palavra (Herc, Len-
das 11, 190).
74 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUQURSA
sendo eu sincero, como elles o tinham sido ^ast.,
Chave, 83).
se abundassem por cá os palmares . . cabal lhes seria
a illusão da Pátria, que já por tantos outros modos o era
sua (Cast., Q. Hist., I, 61).
De Guimarães o campo se tingia \ Co sangue próprio
da intestina guerra, \ Onde a mãi, que tão pouco o pare-
cia, I A seu filho negava o amor e a terra {Lus. 3, 31).
Francisco Manoel do Nascimento empregou inexa-
ctamente a em vez de o no seguinte logar: Dirá que elles
descendem da elegância \ Da lingoa dos Romanos, que a
foi nossa (Obras completeis, l, 31-32).
Obs. No port. arch. inedio. cm vez do pron. o tam-
bém SC empregam emphaticamente os pron. adjectivos
esse, essa, tal:
não tenho a 7iossa língua por grosseira nem por bons
os argumentos com que alguns querem provar que é essa
(Lobo, Corte na ald.).
4) no sing. masc, referido a um sentido, servindo
de complem. directo:
essas horas (bem o sabem todos os que amaram) de-
viam-me parecei' eternidades (Cast., Chave, 23).
Obs. Em logar de o que (cousa que), no port. arch
médio também se dizia simplesmente qup (»m7í latim
quod). K' pratica inteiramente antiquada:
seria necessário despovoarem-se todas as cidades, e
irem-se todos aos desertos, que seria grande inconveniente
(H. P, 11, 10).
Este pelo seu povo injuriado ( A si se entrega só, firme
e constante: \ Essoutro a si e os filhos naturaes \ E a con-
sorte sem culpa, que doe mais (Lus., VIU, 15).
SYNTAXB HISTOUXCA PORTUGUESA 75
§ 86. a) o pron. mesmo, além de designar identida-
de, e de equivaler a em pessoa (própria e tropologica-
mente): Era Christo a mesma Innocencia (Vieira, I, 395),
também se emprega na significação de próprio, até:
ao mesmo demónio se deve fazer justiça, quando elle
a tiver (Vieira, S. do Demónio mudo), os mesmos animaes
de carga, se lh'a deitam toda a huma parte, cahem com ella
(Vieira, S. de SJ'' Ant.\ 4).
Os clássicos não empregam mesmo adverbialmente
senão, por ventura, junto de advérbios pronominaes:
aqui mesmo, já mesmo, agora mesmo {nunc ipswti).
b) Também se substantiva no singular, precedido do
artigo definido, equivalendo a mesma cousa:
A caridade, pois, não é o mesmo que a philanthropia
(Garrett, Cam. 135).'
Obs. Xote-se a loc. do port. arch. raedio isso mesmo
(anteriormente essa meesmo, essa mestno, esso mêdês) no sen-
tido de: «tarabem»:
E esso mesmo o criador vos aministra viandas neces-
sárias por que possades viver (Milag. de S. Ant.'^, 2). vendo
esse mesmo que no povo faria muyto fruyto se em pessoa
fosse ao Papa dar-lhe conta do que passava (Diego
Aff. 72). .
§ 87. a) Outro, além de significar o contrario de
mesmo, e equivaler a : um segundo, mais um, emprega-se,
como adjectivo propriamente dicto, com o sentido de
mudado, differente (do que era), tendo neste caso por su-
perlativo muito oídro:
poderia fazer outra cousa do que tinha ditlo (aliud
ac dixerat) (Ceita, 122). logo forão muito outros do que
dantes erão (Vieira, Vil, 13). E a vida que daquella
hora em diante fez o bom fidalgo foy tanto outra, que tes-
76 SYNTAXE HISTÓRICA PORTDGUBSA
timunhou bem a força das palavras do Arcebispo (Sousa,
Vida do Are, I, 434).
Obs. Xote-se a loc. ao oulro dia— -no dia imme'
iliaio:
Ao outro (dia) que forão dezasete de Dezembro (Cas-
tanh., /, 39).
b) A loc. outro que tal equivale a outro inteiramente,
tão bom como elle (ordinariamente em mao sentido):
Com o titido de Impressões de Viagem, ou otdro que
tal (Garrett., Viay., 15).
Obs. Júlio Moreira (Est., i, 45-49) vê (acertadamente,
no inou parecer) neste que o latim aeque com aphorese
(la syllaba inicial.
c) Ninguém outrem por ninguém mais, está inteira-
mente antiquado :
e ninguém" outrem ha dezia (Bern. Kib., ecl. I, 225 v).
§ 88. a) (Um) tal ou qual equivale quasi a: (um)
certo (servindo de atenuar uma expressão que parecia
exaggerada).
b) Tal— tal também se emprega no sentido de um —
outro :
Tal se rif do meu bem, que força o riso; \ Tal chora
de meu mal, que finge as dores (L/us. Transformada, fls. 41).
§ 89. Tal substantiva-se em algumas locuções : wão
ha tal, fulano de tal.
§ 90. O pron. antiquado ai (= outra cousa, mais)
funcionava como substantivo :
c ho pez seia mais ca todo o ali (Gir., Alu., 43).
ai — ai significava uma cousa — outra cousa:
fazem maas obras, porque ali dizem com as limguoas
e ali teem nos sseus coraçõoes (Fabul., fab. 3).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 77
§ 90-A. Alguns pronomes demonstrativos usam-se
ellipticamente em algumas locuções pertencentes, em ge-
ral, á lingoagem familiar, v. g: ora essa! doesta escapei eu,
cair noutra, essa é boa ! diga-me d'essas :
e sse d'aquella podia escapar, era sseguro (FabuL,
fab. 44). e porque não aconteça outra que tal (Ceita, 22/2)
d. Pronomes relativos
§ 91. a) O iron. relativo que refere-se a qualquer an-
tecedente, ou seja pess. ou cousa; todavia no port. mo-
derno, fallando-se de pess., prefere- se que^n a que, pre-
cedido de preposição :
Vem mi gram mal de vós, ai mha Senhor, j em que
nunca pos mal nostro senhor (Lang, 20).
b) Precedido de prep., emprega-se sem antecedente
expresso, em orações relativas íinaes:
Ainda me fica com, que responder a quaesquer artigos,
da nova razão (Vieira, ///, 63, ap. Blut.).
Corresponde ao latira qui em: in tanta paupertate
decessit, ut,qui efferrelur, vix reliquerit (Corn, Hep., Arist., 3).
c) Na qualidade de n. predicativo ou apposto, pode
referir-se a adjectivos (ou participios), servindo de real-
çar a qualidade ou estado :
1) nos participios absolutos: acabada que esteja a
obra.
2) nas expressões concessivas, como : por sábio que
elle seja.
3) quando o adjectivo ó precedido da prepos. de:
Tornou-se o estudo, de abslruso que sempre fora, emi-
nentemente claro (Cast., Out., I, 29).
78 6YNTAXE HISTÓRICA POUTUGDE8A
§ 92. a) Quem, como simples pron. relativo, só se em-
prega precedido de preposição:
ninguém ama aquelles, de queni se leme (Arraez, IV, 1).
No port. moderno refere-se geralmente a pess. e
ainda a animaes, e a coisas personificadas, mas no port.
arch. médio referia-se a qualquer antecedente :
Hum valle aprazível, a quem entra pelo m,eyo hum
ribeyro de agua Cristallina (M. Jbus., 9, 64, cl. 2, ap. Blut.).
Grito feroz e agudo só comparável ao bramido de
cem leoas a quem os caçadores do Atlas houvessem, na
auzencia d'ellas, roubado os seus cachorrinhos (Herc, Eur.,
305-306). E, como débil flor, a quem fallece \ O radical hu-
mor de que vima (Cam., Elegia X). A rapidez da corrida
era quem o podia salvar (Id. ibid. 226).
b) Equivale também a aquelle (=a pess., uma pes-
soa) que:
Quem abrolhos semeia, espinhos colhe (Prov.).
Outrosim equivale a o que (=a cousa que) nas peri-
phrases formadas com o verbo ser, servindo de sujeito a
verbos que exprimam acções próprias de seres animados:
E a vingança era quem o impellia (Herc, Eur., 106).
§ 93. a) Qual, como pron. relativo em sentido estri-
cto, ó sempre precedido do art. definido.
Não tem lugar quando a or. relativa limita a exten-
são do antecedente do relativo.
Só se refere a substantivos (e não a pronomes, assim
diz-se exclusivamente: «eu que — aquelle que — >) e de-
mais, que não sejam acompanhados de pron. interrogati-
vos, indefinidos, ou nomes numeraes (v. g.: «que homem,
nenhum homem, muitos homens»).
Emprega-se em vez dos relativos que e quem, para
evitar obscuridades ou dissonâncias; antes das preposi-
ções de mais do duas syllabas ; prefere-se a qu^e depois
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 79
das locuções prepositivas; emprega-se a par de que e
quem, antes das preposições de uma syllaba e de duas :
parecia tambetn jazer um vulto sobre telas mais deli-
cadas que os espojos d'animaes silvestres, as quaes eram,
talvez, ainda restos do anterior luxo dos paços de Tárraco
(Herc., Eur., 264). atirando-se ao meio da espécie de vora-
gem aberta na^ fileiras christans, a qual como que tra-
gava uns após outros os esquadrões mosselemanos (Lá.
ibid., 121). E' a nobre dama recemchegada, á qual nem
o cansaço de trabalhosa jornada, nem o habito dos com-
modos do mundo poderam impedir acompanhasse na ora-
ção aquellas que o tracto de poucas horas já lhe fazia
amar como irmans (Id. ibid., 136). Uma selva de ferros
em volta dos dous capitães inimigos, através da qual de-
balde o conde de Septum buscara muitas vezes abrir cami-
nho (Id. ibid., 108). tiros, que se lhe empennavam no es-
cudo ou, roçando por este, vhiham bater-lhe na armadura,
debaixo da qual manava já o sangue de algumas feridas
(Id. ibid., 119).. no momento em que dera a primeira pas-
sada para transpor essa meta, além da qual, unicamente,
existia a esperança (Id. ibid., 250). e os rochedos sobre que
eu estava assentado vacillavatn nos seus fundamentos (Id.
ibid., 55).
Ohs. Quando o qual está distante do seu antece-
dente, alguns repetem o antecedente junto do pron.
o qual'.
porque muytas vezes ouvi queixumes, doidros velhos
do meu tempo (provérbio antiguo he, que todollos de hfca
idade, e callidade convém antre sim facilmente), os quaes
queixumes Caio Salinator, e Spurio Albino . . soyam re-
citar (Góes., C. M., 18).
A construcção fica menos pesada, repetindo o ante-
cedente e ligando-lhe o pron. que (queixumes que).
80 STNTAXB HISTOKICA FOilTUGURSA
b) Qual emprega-so em sentido comparativo :
1) nos similes e nas exemplificações:
O orar fervente as lagrimas enxuga^ \ qual prado o
leste (Herc, Poesias, 157).
[a poesia épica]. . quer estas vozes peregrinas, como
ensinão os legisladores doesta arte, quaes forão Aristóte-
les, Horácio, e outros (En. Port., Prologd^.
Neste caso os escriptores antigos empregavam ás ve-
zes qual invariável, ú maneira do adverbio como :
Qual dous leões famintos sobre a prc^a \ Do veado
que morto tem diante, \ Cheia a boca de sangue, e de bra-
veza, I Cada qual mais cruel, mais arrogante (Ulyssea, VI,
77). ^
E pratica antiquada. Na litteratura moderna 6 imita-
ção affectada de Archaisrao :
qual sócm \ Ao pôr do sol phantusticas figuras | As
nuvens debuxar pelo horizonte (Garrett., Cam. 45).
2) Com o valor da partícula comparativa como, já
por si só (na lingoagem litteraria), já em correlação cora
ial:
com que industria . . não vão ali setneados toques de
moral, de philosophia, de saudade, e de amor á Natureza,
quaes ao Mantuano cahiani sempre sem se sentir! (Cast.,
Out., 186). Assim descia Giraldo semi-nu, qual havia trepa-
do á torre, (Cast., Q. Hist., 4,31). Mas emfim tal qual esta
minha traducção he, foy approvada de muitos homens
doutos (En. Port., Prologo).
3) Com o valor de quanto:
ponhamlho queente quall ho poder sofrer sobrela es-
padoa (Gil-., Alv., 43).
c) Equivalendo a aquelle que, nas expressões seja
qual fôr, fosse qual fosse.
§ 94. Cujo emi)rcga-so em sentido possessivo e ás
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 81
vezes em sentido objectivo (cf. § 175). É immediatamente
seguido do substantivo ou palavra substantiva com quem
concorda :
A triunfante Jerusalém, de cujos muros a cantaria
erão pedras preciosas (Sousa, Vida do Are, 1,2S7). O mes-
tre de Aviz, de cuja Índole militar e de cuja paixão pela
montaria e altanaria nos restam não equívocos documen-
tos (Herc, Monge, 2, 250). Os parentes de Oppas e, por
isso, de Witiza, cujo irmão este era (Id., Eur., 83). in-
vencivel Hidra, cuja batalha [contra a qual a batalha]
fora de immenso trabalho, e a victoria (vencendo) de ne-
nhuma fama (En. Port., Prologo).
No port. arch. médio empregava-se também como
n. predicativo :
dar o seu a cujo he (H. P., I, 157). torna os vestidos,
a cujos são (Id., //, 50).
» Observação a este §. É erro grosseiro empregar cujo
em sentido partitivo e dizer, v. g.: symbolos cujos princi-
paes são os seguintes (em vez de : dos qtiaes os pr. ou os
príncipaes dos quaes).
§ 95. Quanto, como relativo, emprega-se :
1) em correlação com o pron. tanto;
2) em correlação com os pron. todo e ttido, prono-
mes que podem occultar-se:
E seu amor me deu quanfeu buscava! (João Guilhade,
ap. L. de Vasc, Tex. Arch., 19). Foi sonho quanto viu!
(Garrett, Cam., 32). não lhe bastarão todas quantas Escrit-
turas havia (Vieira, /, 787-8).
O nome a que o pron, quanto se refere, pode trans-
por-se para a or. de quanto e ligar-se a este pronome :
não lhe bastarão todas quantas Escritturas havia
(Vieira, I, 787-8).
82 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
8) na loc. quanto a c (com o verbo claro) quanto c a :
E quanto he aa (=á) citação (Diego Aff., 262).
Quanto he ao que dessestes (H. P., /, 265). quanto é ao
feito seu I não tem que me vir lembrar (Prestes, 197).
§ 96. Quejando, como pron. relativo (arch.), equivale
a qual, pron. correlativo de tal:
Assy como em a cousa redonda quejanda he a pella
nom he hua parte mais baixa nem de moor alteza, nem
mais primeyra, nem postumeyra que a outra (Virt. B., 20).
tal quejando o linha (Diego AíT., 132).
e. Pronomes interrogativos
§ 97. a) Que, como adjectivo, ó .sempre acompa-
nhado do seu substantivo. — Exprime uma pergunta rela-
tiva não só á individualização, senão também ás qualida-
des e circumstancias de uma pess, ou cousa (comprehen-
de assim os valores dos interrogativos latinos quis, qualis,
quofus):
Que dia da semana é hoje ? Comendo alegremente per-
guntavão \ Pela Arábica lingoa, d' onde vinhão, \ Quem
erão, de que terra, que buscavão, | Ou que partes do mar
corrido tinhão (Lus., I, 50).
b) Como substantivo, equivale a <que cousa^, e,
em interrogações indirectas, pode ser substituído por
«o que» (o pron. demonstrativo seguido do pron. rela-
tivo) :
Que sXim os applausos da fama, senam reclamo dos
ódios ? (P.'' António de Sá, serm. da Cinza, 13). no dia do
nacimento ninguém pode saber para que wace (Vieira 7,149).
Que te fez este pobre Povo ? (Id. ibid. /, 459).
SYNTAXE mSTOlUCA PORTUGUESA 83
§ 98. No estilo familiar também se emprega o pron.
composto que tal, sem substantivo, como n. predicativo :
Que tal parece ao meu amigo a erudição arábica
da parte sarracena da nossa Academia? (Herc, Op.,
III, 202).
§ 99. a) Comq pron. interrogativo, quem só costuma
dizer-se de pessoas :
Romeiro, romeiro ! quem és tu ? (Garrett, Fr. L. de
Sousa, II, 15)
b) Também se emprega com o valor do pron. in-
terrogativo substantivo que, na qualidade de u. predica-
tivo do verbo ser: Quem é Deos? {QYíiívímGès: Qu'est-ce
que Dieu ?).
c) quem — quem equivale a este — aquelle (um— outro) :
Huns não nas almadias carregadas, \ Hum corta o
mar a nado diligente, \ Quem se afoga nas ondas encur-
vadas, 1 Quem bebe o mar e o deita juntamente (Lus. 1, 92).
§ 100. Cujo, como pron. interrogativo, pertence ao
port. arch. médio. Emprega-se em sentido possessivo,
equivalendo a de quem (interrogativo) :
Bem sabe o gato cujas barbas lambe (Prov.). cujas sõ
estas coroas tã esplandeçentes ? (Lenda de Barlaão, 47).
Cujo filho és ? (Cam., Seleuco, Prologo).
No port. moderno emprega-se o interrogativo que:
Bem sabe a rola em que mão pousa (Prov.), ou se usa de
outro modo de dizer, v. g.: Bem sabe o gato a quem
lorãbe as barbas.
Obs. Cujo, como pron. interrogativo, persiste ainda
no dialecto indo-português de Gôa (Rev. Ltts. vr, 68).
§ 101. a) Qual, interrogativo, emprega-se, quando se
pretende distinguir uma pess. ou cousa d'entre varias da
84 SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA
mesma espécie. Pode estar no sentido de «qual cousa» e
ató referir-se a adjectivos :
Orgulho humano, qual és lu mai^? — feroz, estúpido
ou ridículo ? (Hcrc, Eur., 26). acção, que não sei qual será
mais, se covarde, se dcspiedada (Id., Op., Ill, 16).
b) Qual— qual equivale, como quem — quem, a este—
aquelle (um — outro):
qual dá cresta \ aos violaes, qual aos áureos bem-
me-queres (Cast., Fast., II, 153).
c) É de notar o emprego de qual em orações pa-
rentheticas, como:
. . os trances, qual mais doloroso, por que sucessiva-
mente passara (Herc, Eur., 288).
§ 102. a) Quanto, como interrogativo, aplica-se á quan-
tidade discreta e á continua : A quantos do mês estamos hoje?
b) O interrogativo quanto substantiva-se, tanto no
singular, como no plural.
§ 103. Quejando, interrogativo, equivale a: de que
qualidade ? em que estado ?. Pertence actualmente á lin-
goagem familiar e está, pode dizer-se, antiquado :
que . . se enxergasse quejando prelado na eggreja de
Deos avia de ser (Diego Aff., 14). Espere, que quero olhar-
me I quejando estou neste espelho (Prestes, Í86).
f. Pronomes indefinidos
§ 104. a) Todo, no singular:
1) anteposto, designa: a) a totalidade numérica.
Neste caso o substantivo, no port. moderno, ó geralmente
acompanhado do art. definido (v. g.: «em todo o lugar»),
excepto em algumas locuções como: «de todo ponto»);
no port. arch. médio era mais usual não levar o artigo:
SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGUESA ' 85
Virão os nossos . . dar sepultura ao corpo com todo
o funeral militar (Freire, llõj. Toda a guerra civil é triste
(Garrett, Viag., 54).
h) a totalidade das partes (v. g. percorrer toda a
cidade, todo eu era uma chaga) :
E assi perseverou toda a noite ê oraçõ (Lenda de
Barlaão, 25). Do mar temos corrido e navegado \ Toda
a parte do Antárctico e Callisto, \ Toda a costa Africana
rodeado, | Diversos ceos e terras temos visto (Lus,, I, 51).
Começa a embandeirar-se toda a armada \ E de toldos ale-
gres se adornou (Lus., I, 59).
Obs. No port. moderno, os puristas não dizem, v. g.
toda uma cidade j^or uma cidade toda, uma cidade inteira;
antigamente era prática vulgar:
toda hua casa [=uma casa inteira] (H. P., 7, 3 v.).
todo hu povo (=um povo inteiro) (Id. ibid., 223 v.).
Hum só grão podre corrõjje todo hum cacho (Id., //,
307).
2) posposto, designa a totalidade das partes (v. g :
percorrer a cidade toda ; a cidade estava toda [toda
ella] embandeirada; eu todo era [eu era todo] uma
chaga) :
Mas não diz a verdade toda (Garrett., Fr. L. de Sou-
sa, II, 1).
b) Todo, no plural, designa a totalidade numérica
(v. g : todos os homens são egoistas ; os homens são todos
[todos elles] egoistas; posposto ao verbo, pode também
designar a totalidade das partes, o que, todavia, em geral,
produz amphibologia (v. g : os livros estão todos mancha-
dos de tinta) :
lavrou seis estradas encubertas, que todas hião a pa-
rar no postigo da Fortaleza (Freire, 115). vendo [D. João]
80 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
estar penduradas humas calças de obra . . pedio D. João
de Castro huma iisoura, com que as cortou todas (Idem, 25).
Obs. Como apposto, diz-se v. g.: lodos 3, todos 4, otc,
sem o art. definido (Mas 6 correcto, v. g.: todos os 3 dias
=:do 3 em 3 dias).
c) Todo emprega-se substantivamente nâ expressão
adverbial de todo (=-- totalmente). Demais, é perfeitamente
substantivo, quando empregado com o sentido que tem
em :
O todo c maior que cada uma das parles, e na loc.
adverbial ao iodo.
Km latim ex tolo: já em Ovídio (cx totó descrere) [ex
Ponto, 4, 8, 72]. singiila servari totitis intercsl [importa ao
todo a conservação de cada uma das partes] em Séneca
(de ha, 2, 31).
d) No port. arch., todo tambein tem o valor de tudo:
e arraposa lambia todo com a lingiioa (Fab., fab., XIX).
e) todo o que, (emphaticamente) todo aquclle que,
substituiu o latim quicumque.
í) Note-se o sentido de tudo (tudo isto), em phra-
ses como a seguinte) :
Hum Saul arroja lanças a David e o traz homiziado
(=obriga-o a andar homiziado), tudo (=e isto unica-
mente) por lhe cantarem uma letrinha (Ceita, 66'1).
§ 105. a) Tudo, alem de se empregar como subs-
tantivo, funcciona também como adjectivo, ligado a isto,
isso, aquillo, o que (tudo o que, tudo aquillo que), o mais,
o ai (antiquado):
faremos., que el confesse que todo aquello f=tudo
aquillo] que ensinou ao teu filho erã cousas falsas <' d''
grande erro {Lenda de Barlaão, 19).
SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGUESA 87
b) Também se emprega appositivamente, com a si-
gnificação de « em todas as suas partes » :
As abobadas, pilares, e paredes, são tudo cantaria
(Sousa, Hist. de S. Dom.).
§ 106). Algum, posposto do substantivo, emprega-se
(revezando com nenhtim) em orações negativas, em inter-
rogações oratórias, e depois de substantivos precedidos
immediata ou mediatamente da prepos. sem :
Nunca juizo algum alto e profundo \ Nem cithara so-
nora ou vivo engenho \ Te dê por isso faina nem memo-
ria, I Afãs comtigo se acabe o nome e gloria (Lus., IV, 102).
solemnidade alguma (Herc. em Cast., Q. Hist., IV, 143).
avidtava uma torre alta, redonda, de grossa cantaria,
sem porta nem entrada por parte alguma (Id., ibid., 14-15).
No port. arcli. médio pospõe-se ao substantivo, ainda
em orações inteiramente affirmativas:
Doesta gente refresco algum tomamos j E do rio fresca
agoa (Lus., V, 69).
Obs. Xo port. arch. médio também se pospunha o
adverbio negativo ao substantivo seguido de alguvi :
Metal algum não se acha naquellas ilhas (Barros, ///,
5,ÕJ.
§ 107. Certo, como pron. indefinido (um certo), em-
prega-se attributivamente e antepõe-se ao substantivo :
também lhe achavom certas duvidas (F. Lopes,pa£r. 146).
Como adjectivo propriamente dicto (= exacto, com
que se pode contar, etc), pospõe-se ao substantivo (amigo
certo); mas no port. arch. médio também se antepunha:
Porem dizem-lhe todos, que tem perto \ Melinde, onde
acharão piloto certo {Lus., II, 70).
§ 108. Nenhum no port. arch. também equivalia a
ninguetn :
88 8YNTAXK HISTÓRICA P0UTC0UE8A
As campas de aquella cidade nom as tangendo ne-
hum, por sy mesmas elas se tangiam (Mil. de SJ" António, 29).
§ 109. Sobre ambos de dois vid. § 176.
,§ 110. a) Cada O só se emprega adjectivaraente;
substantivamente diz-se cada um ou cada qual. Junta-se
a nomes do singular (v. g : cada ovelha com a sua pare-
lha), mas também se diz, por ex : cada 27 de Julho, por
isso que 27 tem o valor de numeral ordinal ; a substan-
tivos do plural só se junta, quando o substantivo, prece-
dido de um numeral cardinal, representa um conjuncto ;
E porque cada dama hum tenha certo, \ Lhe manda
que sobre elles lancem sortes, \ Que ellas só doze são; e
descuberto \ Qual a qual tem caído das consortes, \ Cada.
hua escreve ao seu por vários modos, \ E todas a seu Rei,
e o Duque a todos (Lus., VI, 50). uma escada para cada
doze homens (Cast., Q. Hist. II, 117).
Obs. i." Xo port. ai'cli. também se dizia cada uns:
cada huús ésperavom de rreçeber parle (F. Lopes, 228).
Obs. 2." o port. arch. médio também empregava
cada um adjectivamente;
Cada huú homem tem desejo de conservar sua vida
(Virt. Bemf., 166). junto a cada hum altar (Const. do Bisp.
da Guarda, 183 v., ap. Blut.).
Obs. 3." No port. arch. diz-se cada ít=om toda a
parte onde, cada que — cada vez que (v. § 396) :
(■) Cada, como substantivo (v. ji: os sabonetes custam 2 tostOes cada), 6 imi-
taçfio viciosa do francês, onde as pessoas que faliam menos correctamente dizem cha-
gue om vez do chacun. J. Moreira foi o primeiro, que eu íhH», quo registou este
facto (v. Est. I, õl).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 89
Cada hu vou [= em toda a parte aonde vou] (Fer-
iiam Padrom, Vat., 563).
b) Na lingoagem familiar cada em exclamações tem
o sentido que se vê em : tens cada lembrança ! = Tens
lembranças tão extraordinárias!
§ 111. O port. arch. médio empregava qualquer no
sentido de cada um (= lat. quisque) :
A qualquer seus amigos favorecem (Lus., I, 34).
Obs. Xo port. arch. era frequente separar quer do
qual:
Qual cousa quer que Jii faça (doe. de 1269 na Rev.
Lus., V, 127); qual delles quer que . . (Ibid.). provará ante
qual juiz quer (Lang, 102).
§ 112. O port. ainda no século 16 empregava homem
{=um homem, uma pess., homem algum) e pessoa, como
equivalente, até certo ponto, do francês on.
Ha-de dizer-se «até certo ponto », por isso que taes
expressões tem uso muito mais restricto, sendo que o
sem emprego só tem lugar, por via de regra, quando se
falia do que acontece geralmente (no port. moderno só
na literatura archaizante) :
mais nunca ornem per mi saberá \ quem é . . (Lang,
36). que venham os trabalhos, ha homem de estar pêra
elles apercebido de paciência (H. P., II, 101). e enterran-
do, sem remordimento da Consciência, a única moeda com
que homem pode comprar o proveito de outrem (Cast.,
Q. Hist., I, 20).
Com anteposição do art. indefinido, um homem, uma
pessoa, pertencem á linguagem corrente.
§ 113. O que tem de dizer-se a respeito das loc.
pronominais indefinidas seja quem for, fosse quem fosse ;
90 SY'NTAXE HISTÓRICA POUTUGUESA
seja qual for, fosse qual fosse; quem quer que seja, quem
quer que fosse; o que quer que c, vae na secção dos mo-
dos e tempos.
§ 114. No port. arch. havia o pron. relat. indefinido
que quer que = qualquer cousa qtie :
e tirar ende espinhas ou o que quer que jasça dentro
(Gir., Alv., 44).
§ 115. Sobre d'elles (d'ellas), como equivalente de
uns (d'elles) ou alguns (d'elles), e d'elles-^d'elles como
equivalente de: uns —outros, v. § 176.
E. Appendice aos pronomes e nomes numeraes
a. Artigo definido
§ 116. Não se antepõe art. aos vocativos e aos no-
mes determinados pelos pron. demonstrativos este, esse,
aquelle.
Dispensam o art. definido os nomes que fazem parte
de uma enumeração, v. g : os rios principaes de Portugal
são : Minho, Douro, Mondego, Tejo, Sado e Guadiana.
§ 117. Os nomes próprios levam o art., quando são
precedidos de qualificação (a formosa Itália) ou segui-
dos de determinação que represente estados ou tempos
differentes (o Portugal de então, a Roma dos Césares), ou
de or. relativa que sirva de distinguir pess. ou coisas do
mesmo nome (o Plolemeo, a que elle se refere, é Plolemeo
Philadelpho). Com os nomes de Santos, porém, a designa-
ção de Santo (e São) considera-se parte do nome (Santo
António, São Bernardo).
A soberba Veneza está, no meio \ Da^s agoas . . (Lus.,
III, 14).
§ 118. Dos nomes geographicos levam o artigo:
SYNTAXB HISTOKICA PORTUGUKSA 91
1) OS dos continentes e das grandes regiões da
terra : residir na Europa, voltar para a índia.
Africa também se usa sem art., quando traz prepo-
sição : ter estado em Africa, :
não cabião já os cativos nas masmorras de Africa
(Freire, Í5).
2) os dos Estados (modernos e antigos) levam, em
geral, o artigo (sempre os do plural) : louça da China,
do Japão, vir do Pe7-ú, couro da Rússia, as cidades da
Grécia, residir na Bélgica^ :
A terra de Guipiisciui e das Astúrias (Lus., IV, 11).
Empregam-se sem o art : Portugal, Aragão, Castella,
Navarra, os estados que tem os mesmos nemes que as
suas capitães {Andon-a, Mónaco, S. Marino) :
Emquanto Castella esteve separada de Aragão (Gar-
rett, Cam., 13Õ).
Alguns nomes de estados europeus também se usam
sem o artigo, quando não são sujeitos ou compl. directos :
vir de Hespanha, de França, de Inglaterra, de Escócia;
fava de Itália.
Sempre se diz: Leão de França [— Lí/om], Leão de
Hespanha [ = León].
Ser-vio alguns annos nas guerras de Itália (Freire, 70).
3) os de províncias (districtos, etc): a Beira, o
Algarve, a Galliza, a Normandia, a Alvernia, o Delfi-
nado.
Exceptuam-se alguns nomes de províncias estrangei-
ras e os de províncias ultramarinas portuguesas (Angola,
Moçambique), e Tras-os-Montes.
Sempre se diz, sem artigo, Flayidres (folha de Flan-
dres).
Obs. O port. arch. meúio deixava muitas vezes de
pôr os artigos nos casos de que faliam os n."® 1,2, e 3:
92 SYNTAXE HISTÓRICA POKTDGUK8A
partio para Egipto (Arraes, VIIJ. as flores de Egi-
pto (lá. Md.).
4) os de archipelagos : as Berlengas, as Cycladas, as
Maldivas.
Os nomes de ilhas, em geral, não levam artigo : che-
gar a Delos, a Chypre, a Creta, a Timor, a Borneo, a
Cuba. Algumas ilhas da Europa, de ordinário, tem o ar-
tigo : a Sicilia, a Córsega, a Islândia.
5) os de desertos : o Sahará.
6) os de montes : o Gerez, o Suajo, os Appeninos.
7) os de rios : o Tejo, o Zêzere, o Sena, Miranda do
Douro, M. do Ebro :
Cujo poder a tanto se estendeo, \ Que o Ibero o vio e
o Tejo amedrontados, \ E emfim co Betis tanto alguns po-
derão, I Que á terra de Vandalia nome dérão (Lu^., III,
60).
p]ntrando, porém, na designação de regiões não tem
artigo: Entre Douro e Minho, Também se diz: Ponte de
Lima, Ponte de Sôr, etc.
8) os de mares: o Atlântico, o Báltico.
9) o Cairo:
Chegou a ser Thesoureiro do Cairo (Freire, 7Í).
10) os nomes em que se conserva a lembrança da
sua origem appellativa : o Porto, a Guarda. .
§ 119. a) Dos nomes de corpos celestes e constella-
ções tem o artigo :
1) o Sol, a Ijua.
2) os constituídos fundamentalmente por nomes
appelativos: a Coroa de Ariadne, a Lyra.
b) Levam o artigo, segundo a melhor pratica, os
nomes dos pontos cardinaes e os dos intermédios, assim
no sentido próprio, como quando designativos de regiões :
ficar ao norte de, ao nascente de [mas a leste de, porque
SYNTÃXE HISTÓRICA PORTUGUESA 93
em leste já entra o artigo]; America do Norte (ou Ame-
rica Setentrional), A. do Sul (ou A. meridional).
Obs. Pólo norte, Pólo sul são expressões modernas
incorrectas, em lugar de Polo do norle (P. boreal), P. do
sul (P. austral).
§ 120. a) São precedidos do art. os cognomes e al-
cunhas: D. Affonso, o Sábio; Miguel Rodrigues Coutinho,
o Fios secos; José, o Salta pocinhas; mas: Frederico Bar-
ba-roxa, Ricardo Coração de Leão, e os cognomes gre-
gos, ou latinos correspondentes a gregos: Ptolemeo Ce-
rauno, Artaxerxes Longimano. (De igual modo: Plinio o
velho (o antigo), PI. o moço; mas: António de Carvalho
Sénior, Júnior).
b) Na conversação antepõe-se o art. aos nomes
[próprios] das pess. e animais, conhecidos das pess. com
quem falíamos.
c) Os nomes de escriptores e artistas é mais usado
não levarem o art. Fallando-se, porém, de italianos, diz-se
frequentemente : o Ariosto, o Dante, o Tasso :
Diz o Petrarcha (H. P., II, 560). condenando-se o
Tasso, por ser o seu dizer muito grande, e o Ariosto, por
o ter muito humilde (En. Port., Prologo).
§ 121. Levam o art. os nomes de obras litterarias e
artísticas : a Eneida, o Phedon de Platão ; o Apollo de
Belvedere, a Vénus de Mito:
lendo meyo livro de cada hum dos doze da Eneida
(En. Port., Prologo). .
§ 122. a) Diz-se (com o art.), entre outras combina-
ções :
o homem da capa parda, das botas grandes; Ale-
xandre d a Natividade, d a Conceição, d a Assumpção ;
ferias do Natal, da Paschoa; pôr escritos pelo S. Miguel;
94 SYNTAXE HISTÓRICA POllTUOUESA
guardar algo para o Entrudo; [na Quaresma] ; Paschoa
da Resurreição ; uma vez, duas i)ezes no dia, na semana ;
chegar aos domingos (ou: ao domingo); comprar, ven-
der algo a tostão o litro [cada litro]; pagar um trem a
cinco tostões a hora; a guerra dos 30 annos ; aos 20
annos já era doutor.
b) Diz-se com o art. (em substituição do pron. pos-
sessivo): lavar a cara (em ing.: to wust one's face), esten-
der o braço.
§ 123. a) Nos superlativos exclusivos não se repete
o artigo: o Jiomem tnais alto (e não: o homem o mais altoj.
b) Precedido de prepos., emprega-se sem art. o
nome casa (e na lingoa archaica também cas de) : entrar
em casa (em c. de alguém), sair de c, ir a c, voltar para
c, dormir fora de c.
c) Diz-se (sem o art.), entre outras combinações:
declarar guerra, fazer guerra a (em fr. : déclarer,
faire la guerre) ; ter direito a ; fatiar, entender inglês ; tra-
duzir, verter, etc, de francês em [para] português:
pois eu traduzia este poema em Portuguez ÍEn. Porf.,
Prologo).
ir a bordo (a b. de um navio), voltar para b., vir de
b., pôr a b.; pôr em terra, deixar em terra, saltar em
terra, vir de t., ir para terra ; ir, vir por terra, por mar :
Quero, se me deixais, hir só, por terra, \ Porque eu
serei comvosco em Inglaterra (Lus., VI, 54).
joelho em terra; andar, etc. de trem, de carruagem ;
andar, etc. de sobrecasaca, de chapéu alto ; estar, pôr-se,
etc. de joeilios; estar, etc. de boca aberta, de braços cru-
zados, de mãos postas, de perna estendida; dormir a
somno solto, atravessar a pé enxuto; rir a bandeiras des-
pregadas, vir a voga surda; passar a nado (em fr.: à la
nage) ; professor de grego moderno (em allemão : des Neu-
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 95
griechischen) , de português; Faculdade de Leiras (em fr. :
des Letlres), Academia de Musica (Na denominação official
Academia Real das Sciencias ha gallicismo): dia de Na-
tal, de S. Miguel; 2." feira de Entrudo, 4."- feira de Cinza,
5." feira de Ascenção, domingo de Paschoa; prim,eira se-
mana de Qiiaresma ; fazer uma cousa a pedido de, a rogo
de; obter uma cousa a poder de supplicas.
Obs. No port. arch. médio dizia-se, v. g.: cidade to-
mada a força doarmos; no port. moderno começou a
abrir-se o a. para se distinguir a prep. a do art. a. Ou-
tro tanto se ha-de dizer de: á maneira de, fechar á chave
(mas: fechar a sele chaves, a cadeado). Vid. em Os Ltisia-
das, edição de Epipbanio Dias, o Registo Philologico
na preposição a.
a rédea solta (H. P., //, 587, v).
Comprar algo a razão de ; em nome de (em fr. : au
nom de), em beneficio de (em fr. : au bénéfice de), em pro-
veito de, em favor de; (edição, etc.) para uso de (em fr.:
d Vusage de) ; de [por] ordem [mandado] de ; por con-
selho de ; antes de tempo (cm fr. : avant le iemps), fora
de tempo, fora de horas; de dia, de noite, de madrugada,
de manhã, de tarde ; em um de Março (mas : no primeiro
de M.), em dois, três de Março ; chegar por 3 de Março ;
em Julho, em Julho próximo (mas : no próximo Julho), em
J. que vem, em J. passado ; chegou domingo (etc), d.
passado, chega d., d. próximo, d. que vem ; uma vez,
duas vezes por dia, por semana ; de direito; por descuido
(etc.) de alguém ; por falta etc. de algo ; uma cousa a
modo de ; a exemplo de ; pagar um trem a cinco tostões
por hora; Fim (no remate d'ama obra) (em inglês: The
end).
96 STNTAXE HISTÓRICA P0UTU0UE8A
§ 124. a) Depois de saber «, cheirar a [e synony-
mos], a prática mais usual é nào pòr o art. definido
(saber a mel, cheirar a chamusco) ; mas em algumas par-
tes do país emprega-se o artigo.
b) Diz-se entre outras combinações :
ter, V. g. : olhos pretos ou ter os olhos pretos (e em-
^haticamente : ter uns olhos encantadores); nós '[nós
outros] Portugueses ou nós os Portugueses; em dia ou.
no dia de Natal, de Paschoa; aos 5 ou. a 5 de Março;
em [por] fins ou nos [pelos Jf. de Março; em [por]
princípios ou nos [pelos] princípios de M ; em [por]
meados ou nos [pelos] meados de M. ; chega no domingo,
no dom. próximo (no próximo d.), no dom. que vem, ou
chega dom., dom. próximo, etc. ; chegou no dom. passado
ou : o dom. passado.
§ 125. Geralmente fallando, sobretudo no port. mo-
derno, os pron. possessivos são acompanhados do art.
definido (salvo, já se vê, a doutrina do § 116). (No país
ninguém dirá por ex.: Meu relógio está parado; aqui tens
tua bengala).
Em particular sempre se põe o artigo, quando se
subentende o substantivo:
nõ teemos aqui nossas molheres; ca eu tenho a minha
em Lisboa, e ell tem a sua em Évora (F. Lopes., 113).
Dispensa-se o artigo:
nos nomes de parentes: Fallei a teu sobrinho ou
ao teu sobrinho. Sempre se diz Nosso Pae — o Santís-
simo;
no substantivo casa: vem a minha casa ou á minha
casa;
quando os pron. possessivos estão no sentido lato
que tem em locuções como: isto tem suxts difíiculdades,
tem seus quês.
SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA 97
No port. arch. médio era muito mais vulgar que no
moderno a omissão do artigo.
Não se põe o artigo:
nas locuções em que, estando o pronome possessivo
em logar da prepos. de, o substantivo determinado não tem
o artigo, V. g. : a meu pedido (como a pedido de alguém) ;
em varias locuções avulsas: a meu ver, a seu bel-
prazer.
Obs. Sobre o emprego do art. com todo, vid. § 104.
§ 126. Sobre o art. definido com infinitos e or. in-
terrogativa, vid §§ 282 e 351.
§ 127. Quando acompanhado de determinação, o
art. definido pode ter occulto o seu substantivo, se este
já se encontra na clausula (*): ^
Quem tem. telhado de vidro não atira pedras ao [te-
lhado] do vizinho (Prov.); não ha lavoura menos depen-
dente do tempo, ou chova ou faça sol, que a da Medicina
(Vieira, S. Lucas, 7). Mas a constância é a virtude do ho-
mean \ E a paciência a do christão (Garrett., Cam„ p. 38).
Neste caso o art. pode ser substituído pelo demons-
trativo aquelle, mas só quando ha grande emphase:
era necessário ser socorrido com banhos de agua fria
para que não se abrasasse totalmente, e se convertesse em
um carvão seráfico como aquelle de Isaias (Vieira, S. de
S. Estan., 5).
b. Artigo indefinido
§ 128. a) A respeito do emprego do art. indefinido
só tem de fazer-se uma observação estilística, e é que o
0) «Clausula» ó o termo que o Padre António Vieira (Se»mô'>s, XI, 497) emprega
part sigfniflcar aqaiilo que nós impropriamente chamamos «período gramatical».
7
98 SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA
port. não sobrecarrega o discurso com este art. e pode
muito bem supprimi-lo, quando a clareza ou a emphase
o não requer:
Não eras tu emanação e reflexo do céu ? (Hcrc, Eur.^
46). Lá, no tumulto dos cortezãos, onde o amor é calculo
ou sentimento grosseiro, terás achado quem te chame sua
(Herc, Eur., 47).
Em particular, o art. indefinido que apresenta o
individuo como representante da classe respectiva
pode omittir-so em provérbios e mais phrases senten-
ciosas :
Pastor que a seus redis tem doestes guardadores \ Es-
cusa de tremer dos lobos rapladores (Gast., Georg., 197).
b) Uns, seguido d'um numeral, designa aproxima-
ção ; V. g.: tem uns trinta annos:
pella qual morte e feridas se fora pêra o couto de
Maruam e estevera em ell húus sete annos (Doe. de 1439:
Docum. das Chancel. Reaes, 72).
c) No port. arch. médio empregava-se um como
pron. indefinido, equivalente a uma pessoa :
Regra he geral que não deve hum louvar-se a si pró-
prio (Man. Bern., N. Flor., 1, 353, ap. Barreto).
c. Artigo partitivo
§ 129. O port. arch., e ainda por vezes o raedio,
empregava do da dos das com o valor do chamado' art.
partitivo francês:
esfreguem-lhas (queixadas) muito com do sall e com
do farello (Gir., Alv., 15); depois filhem a calda coada e
deytem-lhe do mell e do sall e do azeite (lá., ibid., 31);
lava o logar com do vinho quente (Id., ibid., 39). Alcido
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 99
tens ovelhas, e tens cabras, \ De que tiras da lãã, tiras do
leyte (Bern., ed. 3).
invenerunt atilem stib iunicis inlerfectorum de donariis
idolorum qune apud Jamniam fuerunt (Vulg., Machab. 2,
12, 40). ampullam, in qtia de óleo beali Marlini co}úineba-
///r— (Vita Aridii). Vid. outros exemplos do latim deca-
dente em Lõfstedt, K., pg. 106-108 (onde vem os dois
precedentes) e nas obras ahi citadas (^).
CAPITULO in
Do verbo
§ 130. Sobre o que na guammatica se ha-de dizer a
respeito da construcção dos verbos, vejam-se os §§ 28-31
(dos verbos transitivos), os §§ relativos ás preposições, e
a Sjntaxe dos modos).
§ 131. Sobre o infinitivo activo empregado (appa-
rentemente) em sentido passivo, vid. na Syntaxe dos mo-
dos os §§ relativos ao infinitivo.
{}) Os lugares do latim prèclassico e clássico que tem sido citados como cor
respondentes graniaticaes exactos do art. partiiivo, devem, no meu entender, expli-
car-se d'outro modo. Por ex. em Planto : Ibo inlro ad libros et discam de dictis meliori-
bus (Stidius, 2, 2,75), a pi-ep. de quer dizer »com respeito a»; em (Lycus): Siqitid
boni adporiatis, habeo gruiiam, [Advocatí] Boni de nosiro iibi nec fetimnsnec damus
(Poemdus, 3, 3, 27-2S), o segundo boni é repetição da palavra boni (de bom) do verso-
precedente; outro tanto se dá em: [Theuropides] Quod me apsente hic tecum fi-
^ius I negoli gessil? [Si mo] Mecum ul ille hic gesscrit, \ dv.m lit hinc abes, twgoíi? (Mos-
iellaria, 4, 3, 24-2G). No lugar de St." Agostinho: tUritmjusli ensenl qui sacríficarent de
animalibus,6 no deFulgencio: Marti de homine sacrificabal (Sermmies anliqtii, 6), de ani'
malibus e de homine hã-de eonsiderar-se designação do meio, como o simples ablativo
em sacrificas \ ilico Orca hostiis ^Plauto, Epidictts, ', 1), em (qiiadraginta majoribus hostiis
sacriflcare(T. Liv., 41, 17, 11 j, e ci<ni faciam nitida pro frugibus fVergil., Bucol, 3, 77); ora
de em vez do simples abl. instrumental é vulgar no latim da decadência f v. g.: de ipso
medicamine fiigabis serpentes, Marcello Empir., 7, 23^.
100 SYNTAXE HISTÓRICA I*0RTU0UK8A
§ 132. Alguns verbos intransitivos que tem compl.
indirecto podem pôr-se na passiva, tendo por sujeito o
compl. indirecto: taes são: obedecer, responder:
prosegnÍH em tom brando, mas firme, como quem
queria ser promptamevle obedecido (Herc, Eur., Í97).
§ 133. a) Alguns verbos cmpregam-se unicamente
na conjugação reflexa; v. g.: absler-se, jactar-se, gloriar-se,
arrepender-se.
Tacs verbos representam verbos latinos reflexos
(se abstitiefc, se jadarc; poenitcbis te nas Sorles Sangallen-
ses ap. Lõfst., Komm ., 142), ou depoentes (gloriari).
b) Alguns verbos em certa significação só se empre-
gam na conjugação reflexa; v. g.: Jembrar-se de, doer-fte
de, ir-se (embora).
Obs. A conjugação reflexa do chamar substituiu o
rocari latino (ego vocor Lyconidcs em Plauto) e a do tor-
nar o /feí-í latino.
c) Alguns verbos intransitivos também se empre-
gam nu port. arcli. médio, na conjugação reflexa, muitas
vezes sem differença sensível de sentido :
E pêro quem vos diz que nom \\ Irobo por vós que
sempramei \ mais por grayn sabor que m'cnd'ei \ mente..
(Lang, 22).. e tod'esto foi porque se cuidou \ que anda^^a
d'outra vamorado (Id., 30). Amor . . \ He hum estar-se
preso por vontade (Cam., Son., 81).
Tal prática, no port. moderno, afora com alguns ver-
bos (v. g.: gozo-me de^ fioo-me por aqui), é da litteratura
archaizante :
pareciam querer decorál-o para o repetirem á s^ua
rainha, quando cila se jazesse em amoroso ócio (Gast.,
Chave, II, 57). os sinos eram para elle^ aves de outra es-
SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGURSA 101
pecie, inoffoisivas também, só com a dijferença de se esta-
rem captivas n'uma gaiola alta {lá. ibid., II, 87). Uma
tarde de verão, que me eu estava acompanhado só de mi-
nhas cogitações (Id. ibid., //, Í15).
Lofst., pag. 140-143, cita vários exemplos (l'esta pra-
tica no baixo latim:
gtislavimits nobis (Peregr. Aethetiae); sedde vobis (ibid.),
tnde tíbi (Sortes Sangallenses) ; fugicl sibi (Mulomedicina
Chironis) etc.
No port. arch. médio empregava-se costumar-se no
sentido de ser costume :
coslumava-se antigamente vestirem os que baidizavão
vestedura branca (João da Fonseca, Sylva M. e H., 13).
Como se costuma nos collegios da Companhia (Id. ibid.^
533).
d) Quando o compl. directo dos verbos fazer, deixar,
mandar ó um pron. pessoal e a este se attribue o iníiniti-
A'o d'um verbo reflexo, pode supprimir-se o pron. reflexo:
nom ha hi morte mais chea de peçonha, nem que assim
destrua as cidades e villas e que as faça mais asinha
perder (F. Lopes, D. João L, 203).
134. A conjugação reflexa também serve de expri-
mir reciprocidade :
uns aos outros se davam os parabéns (Cast., Q. Hist.,
II, 98). Os dons cavaleiros godos acometteram-se com
toda a fúria (Herc, Eur., 104).
A ideia de reciprocidade exprime-se mais claramente,
ajuntando-se um ao ido, etc.) outro, ou o que ê menos
usual, entre nós (entre vós, entre si).
saudarom-sse huum ao outro (Mil. de S. Ant.*^,' 28).
colciit inter se ac diUgent (Cie, Lael. 32); inter se coni-
plexi (Nep., Exm. 4).
102 SYNTAXB HISTOUICA 1'0UTUGCKSA
§ 135. O emprego de verbos transitivos na conjug.
reflexa, sendo o pron. reflexo coinpl. indirecto, pertence
quasi exclusivamente á lingoagem litteraria:
os muytos annos que se promettia de vida (Vieira, »S.,
/, 1099). pergunie-se cada hum a si mesmo, quantos annos
tem (Id. ibid., 1107).
§ 13G. a) A conjug. reflexa, na 3.-i pess., também
serve de voz. passiva; no port. moderno, porém, em ge-
ral, só quando não se designa o agente :
Ffazem-se aos cavallos muylos jnchaços e desuairados
nas coixas (Gir., Alv., pag. 44). Por elle o mar remoto na-
vegamos, I Que só dos feios phocas se navega (Lus., I, 52).
Aqui se escreverão novas historias \ Por gentes estrangeirais
que virão (Id., VII, 55). Vê Meroe, que ilha foi de antiga
fama, \ Que ora dos naturais Nobá se chama (Id., X, 95).
abalou o exercito . . com as bandeiras desenroladas, que
se vião tremolar dos nossos (Freire, 139). os soldados não
se vencem com argumentos de palavras, senão com syllogis-
mos de ferro (Vieira, S. de Ȥ.'" Cath.). Quantas vezes com
nomes supposlos . . se roubão os prémios ao benemérito e
triunfa com elles o indigno ! (Id., S. I, 535-36). as verdades
poucas vezes se dizem, e menos vezes se ouvem ('Sousa, V.
do Are, I, 435). Quando Lainez ponderou que não se de-
viam prohibir de modo absoluto os casamentos clandesti-
nos (Herc, Cas. civ., 85).
E obvio que este modo de exprimir a passividad* •^''
ha-de emj)regar-se quando não possa haver equivoco.
Obs. E' incorrocção dar a um verbo empregado
d'esto modo um compl. directo, v. g.: Quanto viais se U
a este illtistrc clássico (Fr." J. Freire) (em v ' ''Quanto
mais SC lê este iilustrc clássico).
b) Os verbos intransitivos (e os tran-^titivos empre-
SYNTAXE HISTOUIOA PORTUGUESA Í03
gados intransiti vãmente) podem empregar-se na conju-
gação reflexa, na 3/^ pess. do singular, em sentido im-
pessoal, V, g: combaíe-se, estuda-se. No port. moderníssimo,
por falsa analogia com o francês on est heureux, esta
prática extende-se aos verbos que se construem com n.
predicativo (estar, ser):
Em quanto se trabalhava na mina (Freire, 148).
Ou seé amigo ou não (Oast., Misanth.) {^)
Esta conjug. reflexa, como já se disse, substituo as
passivas impessoaes latinas covn.oipiignatur,pugimi'iim est.
§ 137. Do emprego dos modos e tempos trata-se na
segunda parte da Syntaxe.
§ 138. Nos tempos compostos dos auxiliares ter e
haver com o partic. passivo, o port. arch., e ainda o mé-
dio, concordava, ás vezes, o partic. dos verbos transitivos
com o compl. directo :
O quall avia treladados novamente de grego em la-
tim os livros de Sam Dionísio (Mil. de St.° Ant., 15). tinha
feitas muy grandes presas (Azurara, Chron. da Guiné,
237). benefícios e honras que lhe tinha feytos (Diego Aff.,
26). Deocleciano, depois de ter muytos annos govetnado
o império, e alcançadas grandes victorias, e edificadas
aqueUas espãtosas thermas de Roma . . renunciou total-
mente o império (H. P., /, 344, 344 v.). São offerecimentos
verdadeiros | E palavras sinceras, não dobradas \ As que
o Rei manda aos nobres cavalleiros \ Que tanto mar e
terras tem passadas {Lus. II, 76).
§ 139. Os verbos ter e haver na formação dos tem-
pos compostos não tem dijferença de sentido, mas no
(') M. Barreto nos Nocos Estudos, pg. 59, colligiu exemplos de Garrett, Castilho,
Rebello da Silva e Cauiillo Castello Branco.
104 STKTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA
port. moderno haver pertence, pode dizer-se, exclusiva-
mente á lingoagem selecta.
§ 140. De evitar a repetição do verbo da of. siibor-
dinante serve o verbo fazer :
Per vemiura o faz porque nom Irebelho [brincoj com
elle, como faz este hramchele (FabuL, fab. 17). ela nom po-
deria ja nunca achar homem que a tamlo amasse cotno
sseu marido fazia (Idim, fab. 34J. Nunca então pensei em
que . . o (livro) houvesse eu em tempo algum de explicar y
como agora estou fazendo (Cast., Chave. JT, 78).
CAPITULO IV
Da Preposição (^)
A. Preposições que substituem casos latinos (^)
a. Preposições que substituem o dativo e o acousativo
§ 141. O dativo latino foi substituido já pela prep.
a, já pela prep. composta para ou (segundo a pro-
nuncia mais antiga) pêra. O dativo conserva-se excepcio-
nalmente nos pron. pessoaes e no pron. reflexo (v. § 66).
No próprio latim preromanico o emprego tio dativo ou
de od é ás vezes indlfferonto (Ulleras millerc alictii ou ad ali-
quem). Nos Cómicos e de T. Lívio era diante, oc<íorre ad,
em lugar do dativo da prosa clássica, por ex. em Planto :
O Nesta primeira |>arte da Syntaxo trata-se das preposiçSeâ s^i emquanto aa-
tecedetn nomes e pronomes ; das preposiçúet; emquanto antecedem iiiflnitiTO^ e ora-
çSee, trata-se na se^nnda parte.
O Para maior commodidade, tratando-se de cada uraa d'e8Ua preposlç^>««,
Aillamos do emprego que elUts tem, ainda qaando nSo substituem casos latiaoi».
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA . 105
utinam meus nnnc mortus [=^Hiortuus] pater ad me nuntiehtr
{Mosldl. I, 3, 76); aeqiiipcrarc suas virlutis [ = virtutes] admeas
{Mil. glor. I, 1, 12); hunc . . ad carnificem tradercnt {Rud. 4, 6,
19); em T. Liv: ad Q. Fulviíim Coiisulem Hirpini . . dedide-
runt scse (27, 15); ad spcm cvcntus respondit (28, 6; a par de : td
prodígio responderei cveníus, i^ 45, 7); em Scribonio: (dolores)
ad nullum malagma cedebant (229) ; em Vegecio : ad praecepta
obtempere nt (3, 9).
O accusativo empregado em sentido local (v. g: Ro-
fnam veni) foi substituído pelas mesmas preposições.
A prei>osiçSo a
§ 142, a) A prepos. a, designando o objecto a que
vae referir-se a acção de um ve^bo, e os pron. pessoaes
nas formas átonas correspondentes, junta-se em primeiro
lugar: aos verbos que representam (como dar) ou que
substituíram (como pagar que substituiu pendere, sol-
vere) verbos latinos que pedem dativo ou ad. Taes são :
dar, doar, ministrar, prestar, restituir, vender ; con-
ceder, negar, recusar; offerecer, prometter ; propor, dever;
extorquir, subtrahir ; annunciar, dizer, declarar, mostrar,
revelar; equiparar, comparar; commetter ; ligar, unir;
appor ; associar; oceidtar ; immolar, sacrificar; antepor,
preferir, pospor; siiggerir ; accomodar, adoptar; expor,
oppor ; attribuir, adjudicar, assignar, imputar; dedicar,
consagrar; prazer; succeder, competir; sobrar; assistir;
convir, quadrar, repugnar, assentir; sobrevir; occorrer;
obviar, obstar; ceder, succumbir; resistir, sobreviver; ad-
herir; accrescer; alludir; servir; — entregar, tornar, deixar,
tributar, pagar; tirar, tombar, furtar, roubar, conquistar;
ganhar; encobrir; confiar; desejar; igualar; ajuntar,
accrescentar, acostumar, afazer, avezar; aconselhar ; acon-
106 SYNTAXB HISTÓRICA POUTLOUESA
tecer; agradar; obedecer; apparecer ; parecer ; pertencer,
tocar; faltar; acudir; bastar:
. . brandura he de amor mais certo arreio | E não
convém furor a firme amante (Lus. VI, 89). resistir ás ten-
tações (Vieira, I, 792). Não ha riqueza no Mundo que se
iguale á saúde do corpo (Idem, XI, 251). As causas que
obstam ao desenvolvimento agrícola (Herc, Op. IV, 159).
[Fernão Lopes] com o sopro do génio dá alma, e vida, e
linguagem ao que era pó, e morte, e silencio (Herc, Op.,
V, 29). Todas as bestas muares se parecem mais aos jumen-
tos, e jumentas, do que aos cavallos, e egoas (Galvão,
— Trat. da Gin. 114, ap. Blut.)
Semelhantemente junta-so a prep. a (e as formas
átonas cios pron. pessoaes) ás locuções constituídas por
um verbo com um compl. directo, que no seu conjuncto
exprimem uma acção que suppõe uma pess. ou cousa a
que a mesma acção vai referir-se, locuções que represen-
tam ou substituem phrases latinas que se construem com
dativo (v. g: morem gerere alicui, fazer a vontade a al-
guém). Taes são : pôr fim a algo, pôr nome a, franquear
ou tolher a entrada a alguém, levantar testemunho a, le-
var vantagem a, fazer guerra a ; ter amor, ódio, horror,
respeito a ; ter rosto, as pélas a :
lhes ouve dali por diante tamanho medo (Castanh., II,
37). pondo pausa (= termo) a tantas insolências, largue-
zas, e devassidões (Tempo dragara, I, 1, 54).
Em particular são de notar as locuções :
chamar nomes a alguém. Dahi vem o construir-se o
verbo chamar, tratando-se de nomes, de ordinário com
a pessoa ou cousa por compl. indirecto, e o nome (ainda
quando adjectivo) por compl. directo :
Apresenta-se diante delle, reprende-o com lingoagem
e sembrante senhoril, chamalhe juiz injusto, escravo vil
SYNTAXE HISTOIIICA PORTUGUESA 107
do inferno, lobo do sangue humano, e cruel ministro de
vãos e cruelissimos Emperadores (Sousa, V. do Are, I,
372).
pôr nome com um apposto (substantivo ou adjectivo) :
Quem o seu cão quer matar, raiva lhe põe nome
(Prov.) . lhe pusemos nome Coquo (Orta, Colloq.^ 16). Já que
á bruta crueza e feridade \ Poseste nome esforço e valen-
tia (Lus., IV, 99). ^
O port. arch. também dizia querer bem alguém a par
do querer bem a alguém'
queredes grã ben ! oídra molher (Vai., 530).
b) Em segundo lugar junta-se a verbos que, embora
representem ou substituam verbos latinos que não se
construem com dativo, seguiram, todavia, a syntaxe de
verbos, de significação análoga, que se construem com
dativo. Taes são : prohibir, vedar (como interdicere), tole-
rar (como permittere) ; pedir, rogar (como supplicare) ;
recordar (como suggerere) ; fugir (como se subtrahere) ;
ensinar (que substituiu docere e monstrare):
menos a [resolução] podia tolerar ao sócio que . .
(Herc, Op., II, 153).
c) Em terceiro lugar, junta-se a verbos que repre-
sentam ou substituíram verbos latinos que se construem
com ad. Tal é : pertencer.
Como expressão technica grammatical, diz-se: perten-
cer para.
§ 143. Observações ao § 142.
a) Alguns verbos podem ter, ou, em certos sentidos,
tem outra construcção. Sobre este ponto tem de consul-
tar-se o diccionario. Aqui vão alguns exemplos :
parecer-^e, construe-se mais frequentemente com a
prep. com do que com a ;
distribuir e repartir só na linguagem litteraria se
108 SYNTAXE HISTÓRICA POUTUOUKSA
construem com a (ou com as formas átonas correspon-
dentes dos pron. pessoaes) ; fora d'ahi construem-se com
por ou entre; também se diz: repariir com alguém (em
contraposição a : ficar com tudo) ;
dividir construe-se com por ou enlre^ c também com
a prep. com :
Repartiam-se-lhes as terras (Herc, Op., VI, 204). ellc
pretendera provar que os filhos do servo e da serva de
diff crentes senhores se dividiam entre estes (Idem, ibid.. ///,
319).
captas favcs] anciipes dicidunl ciim his (Plin. Nat.
II%9t., X, 23).
Substituir alguém ou algo a, bem que represente
uma construcção latina {ila treceniis Siculis Romani equi-
tcs substitidi (se. sunt; T. Liv. 29, 1, 10), ó raro nos bons
escriptorcs, que dizem de preferencia: substituir alguém.
ou algo por.
b) No port. arch. médio dizia-se : crê-me islo =^
crê-me quando digo isto :
creed' esVami [^ crede esto a. mim= crede nisto que
digoj (D. João d'Aboim, Vat. 1013),
Sobre uma particularidade dos verbos mandar, dei-
xar, fazer, sentir, ver e ouvir vid § 289.
§ 144. A prep. a junta-se:
a) a vários substantivos abstractos correspondentes
a verbos intransitivos ou reflexos, que se construem com
«, V. g: obediência, submissão, sujeição ás leis.
Em Cícero: oblemperatis legibus (De Ifgg. I. 15);
V. Madvig, §-244, b, obs. 6.
b) a substantivos abstractos que entram (como compl.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 109
directo) em locuções (v. g: fazer guerra) que se cons-
truem com a, por ex : horror ; guerra, ataque ; pretensão ;
afferro :
Este honor ao livro (Herc, Op., IV, 163). ataque bru-
tal á liberdade de pensamento (Id., ibid,, III, 7). a preten-
são á infallibilidade é sempre ridicnla no individuo (Id.
ibid., 7, adv. prévia), o aferro . . a antigas praxes (Id. ibid.,
IV, 146).
§ 145. Construem-se com a :
a) Os adjectivos (e substantivos tomados adjectiva-
mente) que exprimem qualidades que vão referir-se a um
objecto e correspondera, ou etymologicamente ou na si-
gnificação, a adjectivos latinos que se construem com
dativo ou com ad. Taes são: uiil, nocivo, prejudicial;
agradável, desagradável ; caro, acceito ; favorável, desfa-
vorável, contrario, hostil, avesso ; semelhante, igual, idên-
tico, equivalente; conforme, dessemelhante; parallelo, fiel,
infiel, traidor ; obediente, rebelde ; dócil, indócil ; sensível,
insensível, surdo, cego, inexorável; attento, desattento, in-
differente ; coevo, coetâneo, contemporâneo ; indébito, inde-
cmite; próximo, vizinho, circumvizinho, propinquo ; inter-
médio :
Os costumes avessos a toda a razão (Lucena, 156,
cl. I, ap. Blut.). as semelhanças de Abrahão unidas fazião
a Abrahão dessemelhante a todos (Vieira, 414). Seria bem
triste que essa porção de compatricios meus . . me cressem
traidor á sancta causa da pátria (Herc, Op., IV, 64. cego
á luz, surdo á voz, mudo á força da razão, a que não po-
dia resistir, nem queria ceder (Vieira, S. de S. Estan., 5).
Coevos a Alexandre Magno (Vieira, 10, 392). partes cir-
cumvizinhas á parte dolorosa (Corr. de Abusos, 164).
(velhice) vizinha ao extremo da booa [=-boa] e virilidade
(Góes., Cat. M., 5).
110 8YNTAXE HISTOUICA PORTUGUESA
tUilis alicui, gralus alicui, etc; vid. Madvig, § 247.
Obs. Coevo, coetâneo, contemporâneo, próximo, vizinho,
circumtnzinho, propinqiio também se construem, e ó o
mais usual, com de.
Como loc. preposicional, também se diz: conforme a:
Conforme aos merecimentos (II. P., /, 170 v.).
b) os adjectivos em -nie derivados de verbos que
se construem com a, taes como: coi-respondenle, sobrevi-
vente :
[canto] sobrevivente á sua lingua (Cast., Fast., pro-
logo.).
c) os participios passivos de verbos reflexos que se
construem com a, taes como paro<-'''^'' ■' opposto: 'f^-^^^f'/-
m a do , afeito , ha b itua do :
São parecidos os aduladores áquelles quatro animaes
do Apocalypse (Vieira, IV, 237, ap. Blid.).
Obs. Também se diz, o é o usual na conversação, pa-
recido com.
d) OS adjectivos (que perderam o valor de compa-
rativos) anterior, posterior, superior, inferior e os seus
synonymos, como segundo (nó port. litterario):
os decretos forão dons, um posterior ao outro ^Vieira,
2, 30 2, ap. Blid.). [sepiútura] na traça ..ena esculptnra . .
a nenhuma segunda (PYeire, 332).
haud idli veterum virtute secundits (Verg. Aetu 11, -l-ll).
Obs. E' rarissimo construir esses adjectivos (que per-
deram o valor do comparativi.-;) <>(>ni a prepos. de:
Oenie tanto inferior da Romana (Andrada, MisceL
105).
SYNTAXE HISTÓRICA POKTUGUESA 111
e) OS advérbios em -mente formados dos adjectivos
de que trata este paragrapho.
Obs. a este §. Quando algum dos adjectivos d'este § é
11. predicativo do sujeito, podo juntar-se ao verbo a pre-
pos. a, ou as formas átonas correspondentes dos pron.
pessoaes:
A nenhum dos dous irmãos [a Leandro e Sf.° Izidoro,
bispo de Sevilha] era cara a memoria de Leovigildo,
grande príncipe, mas ferrenho ariano (Herc, Op., V, 268).
§ 146. Ha-de ver-se influencia da syntaxe dos adje-
ctivos igual e semelhante nas seguintes construcções po-
pulares :
a) se eu fosse a elle, faria assim ■:
curar mia (= curar- me-hia) eu sa vos (=se a vós)
fosse (Chiado, Regat., 102).
b) ser (proceder, etc.) como a.
§ 147. Ao verbo ser, com um substantivo predica-
tivo, junta-se a prepos. a (ou as formas atonas corres-
pondentes dos pron. pessoaes) para designar a pess. ou
cousa, á qual vae referir-se o predicado, como útil ou
prejudicial :
Por ser aos mais espelho (Eur. Port, II, 110). De
hiia trave quadrada de cem pes, que pode ser quilha a
hiía nao da índia (Vieira, 9, 89, cl. I, ap. Blid.). sê mãi,
conforto, providência, filha \ ao velho martyr (Th. Rib.,
D. Jayme, 124).
Esse ducem alicui (v. Cie, Verr. 2, 3, 21).
§ 148. Em vez de ligar-se uma expressão possessiva
ao compl. directo ou ao sujeito de um verbo, é frequen-
tíssimo juntar-se ao verbo um compl. indirecto (ordina-
riamente na forma do pron. pessoal) :
112 SYNTAXE HISTOKICA POKTCQDESA
Ver-me-has ainda notando os fundatnenios \ ás mo-
dernas usiiaes solemnidadps (Cast. Fast., /. S).
Sokbanl ei ma nus iremp-e (Plin. Ep. 2, 1).
§ 149. Cora os verbos de ohler pode designar-se
para quem uma cousa ó obtida, cora as formas do compl.
indirecto dos pron. pessoaes,
§ 1 50. Nas expressões de admiração ou censura, n&s
recomendações e instancias, e nas interrogações acerca
de alguém, serve o compl. indirecto, na forma do pron.
pessoal, de indicar que a acção importa á pess. desi-
gnada pelo pronome ;
Disse mhami [=m'a mi] meu amigo \ quando ssora
[=s'oi'aJ foy sa vya [=viaj | que non Ihestivesseu [=^lh*
estevess'euj triste (Fern. 11. de Calheiros, Vai., 234). OlJiae-
me para as avesinhas do réo; vede lá se ellas semeiam,
ou ceifam, ou encelleiram cousa alyuma, (Cast., Chave, 51).
Ó senhor Juiz-de-fóra, \ Ponha justiça na terra, \ Pren-
da-me aquelles dois olhos, \ Que estão àquella janella.
(L. de Vasconcellos, Pões. amor, 99).
Obs. A esta categoria parece pertencer o pron. lhe em
phrases familiares, oomo : beba-lhe bem.
Representa o dativo othico da grammatica latina;
Madv. § 248.
§ 151. A prep. a entra em certas combinações com
o sentido de «com relação a alguém» considerado agen-
te, a origem etc, a saber, em:
a) querer algo a alguém {= de alguera) : que lhe que-
res?—
b) merecer algo a alguém (isto é, da parte de alguera) ;
E se vires que pode merecer-te \ algúa coíisa a dôr
SYNTAXE HISTÓRICA PORTDGUESA 113
que me ficou \ Da mágoa, sem remédio, de perder-te (Ca-
mões, Son., 19).
c) aturar (e synonymos) algo a alguém:
Que injustiças não soffreram as MoUucas aos [Por-
tugueses] que as governavam? Monterroso Mascar., í.«
Epanaph. Indica, 23).
d) Ouvir algo a alguém (isto é, da boca de alguém):
Aos Pregadores ouvi isso algumas vezes (Man. Bernar-
des, Pão partido, § 29).
§ 152. Quando se quer dizer que se nota ou sup-
põe em alguém uma cousa, pode substituir-se a deter-
minação com em por um compl. indirecto:
eu depoys que tive feyta esta obra . . , vilhe tantas im-
perfeições que.. (H. P., Prologo).
De modo semelhante diz-se: achar graça a alguém,
aos dictos de alguém.
pecori rugas invenias (Pelagonio, § 1).
Em algumas locuções que se construem com em (v.
g. : dar uma bofetada, etc, em alguém) substitue-se sem-
pre a prepos. acompanhada de um pron. pessoal pelas
formas do compl. indirecto dos pron. pessoaes (v. g. : dei-
Ihe uma bofetada).
Outro tanto acontece com os verbos intransitivos
mexer, bolir, pegar, tocar.
§ 153. Depois de verbos que suppõem um movi-
mento, emprega-se ás vezes a (ou as formas do compl.
indirecto dos pron. pessoaes), no sentido de contra; v. g.:
^açular-lhe os cães» (v. Moraes em açular).
§ 154. Construem-se com a prepos. a:
1) exhortar, incitar, e os mais verbos de significa-
ção semelhante;
114 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
2) obrigar, o os mais verbos de significação seme-
lhante;
3) condemnar, sentenciar-
4) os nomes de acção correspondentes a estes ver-
bos; V. g.: incitação á revolta.
§ 155. A propôs, a serve do designar o ponto de
mira, a direcção, o termo do movimento ou de uma ex-
tensão, no sentido próprio e no translato:
alvo a que enderençam seus cuydados (H. P., //, 265, v.).
O intento da parábola . . a dons pontos tira (Ceita,
49 e v).
A cor de suas agoas he tirante a verde escuro (Bem.
de Brito, Geogr., 4, ap. Blut.). a. differença da era de
César ao anuo de Christo (Herc, Cas. civ., 32).
quae pars colUs ad orientem solem spedabal (Cesar, 6.
Gall., 7, 69). Creta altero latere ad aiislrum altero ad se-
ptentrionem versa.. (Plin., n. hist., 4, 58). Pervenit res ad
istius aures (Cie, Verr., 2, 4, 28).
D'esta maneira diz-se agan-ar-se a (v. g. : a uma ta-
boa), apertar a (v. g. : alguém ao peito, e não contra o
peito), pendurar a (v. g.: algo ao pescoço), etc.
Et trepidae matres prcsscre adpcctora natos (Verg., Aen.,
VJI, 518); ad collum suspendes haec (Marcoll. Emp., 21, 1).
Esta prepos. tem lugar também depois dos verbos
tomados em sentido pregnante, v. g.: melhorar a = pas-
sar, com melhoria, a :
Do qual officio [de jornaleiro] se melhorou ao de re~
coveyro (Mon. Lusitana, 1, 209, cl. 2, ap. Blut.).
Depois de alguns verbos, o nomes, de movimento
para um logar (ir, vir, voltar, tornar, ida, etc), a dá a en-
SYNTAXB HISTOKICA PORTUGUESA 115
tender que a ida, etc, é só para certo fim, voltando-se
depois, ao passo que para não envolve tal ideia. Antes,
porém, de certos substantivos, a e para tem outra diffe-
rença de significação, assim em ir para a aula, para só
designa o termo do movimento, em ir á aula, a allude
ao que lá se vae fazer.
Sempre se emprega para, depois de partir, fazer-se
de vela, embarcar, navegar (mas em relação aos rumos
também se diz, v. g.: navegar ao sul), continuar, seguir,
proseguir, também depois de deitar (no sentido em que
se diz: a janella deita para o jardim).
Com 03 verbos de aproximar, avizinhar, é mais vul-
gar o emprego da prepos. de; vid. § 167.
§ 156. a) Em certas combinações a designa proxi-
midade, contiguidade:
Aqiielle pobre cuberto de chagas, que jazia á sua por-
ta, morto de fome, a quem o Rico Avarento tantas vezes
offendia todos os dias, quantas se assentava á mesa (Viei-
ra, Ã da í." 6." f." de Q., 10).
Ad portam adesse (Cie, cie divin., l, 27); ad focuin se-
dere (Cie, Cat. m., 16).
b) Equivale a em, em algumas expressões avulsas:
está escripto aos dezasete capítulos dos Números (H.
P., /, Í81 V.).
c) As vezes, com nomes de acção (ou infinitivos), de-
signa a coincidência no tempo, podendo designar conjun-
ctamente o que dá occasião a um facto : por-se de pé á
chegada de alguém.
ad adventum imperaíorum de foro decesserat titnens pro-
scriptionem (Nepos., Att., X).
116 8YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
d) Designa o tempo em que: com o substantivo
hora; com os números dos dias dos meses (concorrente-
mente com em); com os dias da semana, quando se falia
do que é costume acontecer; com dia acompanhado de
numeral.
e) Em algumas combinações, serve de designar o
fim, V. g. : ir á pesca, tocar á missa.
Obs. 1." Cora substantivos concretos, tem-se na
mente um verbo, v. g. : ir á carne = \r buscar a carne.
Ohs. 2." È de notar o latinismo raro roflrar ( = ap-
plicar-se) a alguma coisa = vacarc alin<i rei, vid. Madv.,
§261.
f) Em algumas locuções exprime referencia de uma
cousa a outra que serve de norma ou typo:
Canta ao som da viola (F. M. do Nascimenlo, //, 264).
Canlarc ad chordannn sonum (Xepos., Epam., 2).
D'este modo emprega-se, depois de cheirar, saber
( = ter sabor) (e seus synonymos), soar:
Cheirar ao alho (Sá de Mir., 524). Querem que os li-
mões.. saybam a açúcar (H. P., II, 58). a perdiz me cheira
a pato (Prestes, 245). Aijorrecia aqnelle animo limpíssimo
de cubica toda a cousa que cheira/va a interesse (Sousa, /,
102). A cabeça toa-lhe a vasio (Camillo, Bohemia, 254).
A esta categoria pertencem as loc. a meu ver, a meu
juizo, ao que parece:
A meu juizo (Vieira, S. do b. Eslan., 2).
g) Serve de exprimir a ideia de: olhando a, em
phrases como:
Ao tempo que te não vi, \ Já o caminho tem hervas:
(L. de Vasconc, Pões. Amor., 110).
SYKTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 117
A' dôr que te cruciava j melhor te fora morrer (Th.
Rib., 24).
h) Em algumas loc. designa o instrumento, o meio:
calcar aos pés, enxotar á pedrada ; ir á vela, pescar á li-
nha; levar aos ombros, ás costas, á cabeça; matar á foriie:
fazem as barbas aa f^^áj navalha (Castanh., I, 13).
Abrir ao buril (Ceita, 29,1). Eterno Ser .. \ A cujo
aceno tremem abaladas \ As columnas do ethereo firma-
mento (Passos, 88-89).
No port. moderno, é mais usual dizer-se jogar um
jogo (as cartas, a pélla, etc); antigamente dizia-se jogar
a mn jogo.
Cum . . ad lafruncidos hideretur (Vopisco, Proculus,
13, 2).
i) Em algumas loc. designa o modo: ir a galope; ás
cegas, ás claras, ás escondidas; a pouco e pouco (melhor
do que apouco a poucos):
dormia a sono solto (Man. Bernardes, Pão iiartido,
§ 20). Chovem-lhe os frutos aos mil (Cast., Outono, II, 69).
j) Equivale a na razão de, quando se declara o
preço correspondente a certa unidade, pelo qual uma
cousa se compra ou vende ou, em geral, se obtém.
b. Pava
§ 157. Para designa, como determinação geral (^),
em proveito ou desproveito de quem uma cousa se dá :
(') Chamo detenninaçuo (complemento) gorai aqnella que não é requerida pela
significação da expressão determinada, v. g. : ensinar com paciência; determinação es-
pecial aquella que é requerida pela significação da expressão determinada, v. g. : «n-
siiiar os ignorantes.
118 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
Ho avarento faz tesouro, e nom ssabe pêra quem o
guarda (Fabul, fab., 42). nam nascemos somente pe^a nós
(H. P., /, 315).
Si domus puMtra sil, iuteMigamus eam dominis aedifi-
catam esse non nntribu-s (Cie, iial. d., 3, iO).
Obs. Sobre o emprego das formas do compl. indi-
recto nesta funcção grammatical, v. § 149.
§ 158. Para designa que uma attirmaçào ú válida:
1) em relação ao sentir de alguém ( = aos olhos de
alguém) :
Para as turbas o cheiro do sangue é perfume suave
(Herc., Op., I, 33). devendo-se, por isso, suspeitar que Azu-
rara foi dUiquelas pessoas, para quem o respeito ao di-
nheiro é o principal de todos os respeitos {lá. ibid., V, 12).
O casamento era para os Romanos um contracto pura-
mente civit na sua essência (Id., Cas. C, 13).
non cadem omnibus esse honesta atque tiirpia (Nepos,
Prefacio).
2) em relação ás condições, ou estado de alguém, ou
de alguma coisa:
Como os nossos forão a terra, começarão eles de tã-
ger quatro fraldas acordadas a quatro vozes de mimca,
que pêra negros cõccrtavão bc (Castanh., /, 3).
§ 159. Para craprega-se:
1) na designação da proporcionalidade: 3 está para
6 como 2 para 4 ;
2) fallando-se da capacidade, era loc. como: alguém
não c para tal trabalho, tal trabalho não é para alguém;
Sua Santidade não fora servido de livrar de tama-
nha carga a quem era tão pouco pêra ella (Sousa, V. do
Are, 7, 527/
SYNTAXE HISTOaiCA PORTUGUESA 119
3) na designação do quo uma cousa requer para ser
effectuada: jornada para 15 dias; trabalho para 4 horas;
4) na designação do tempo em relação ao qual uma
cousa é dada, exigida, etc, : mantimentos para um mês.
§ 160. a) Para designa (como determinação geral):
1) a pess. ou cousa, o tempo a que uma cousa ó des-
tinada :
O mel não é para a boca do asno (Prov.).
2) o fim d'ama acção : dar dinheiro para a repara-
ção d'um edifício.
Obs. 1." Por abreviação de expressão (no sentido
de: para adquirir, conservar, ele.), antepõe-se a nomes
concretos: dar a alguém dinheiro para amêndoas.
Em particular, emprega-se para com os nomes de
pess. que exercitam uma profissão, depois dos verbos es-
tudar, aprende?', etc:
Aprendia para clérigo (G. Correia, L. da índia), (na
tradução inglesa : He ivas studying to be a priest).
Obs. 2." Esta prepos., ás vezes, designa não pro-
priamente o fim, senão a consequência (v, g: para
minha desgraça s-ttccedeu que — (cf. ánl y.ay.fõ àvgptóroo
o(5í)poj âvsú.oTjTa: (Heródoto, 1, 68).
b) As vezes, emprega-se no sentido de: em compa-
ração de:
he nada par'o que vemos (Franc. de Viveiro, Canc.
G.«^ ///, 45).
§ 161. Antes de nomes concretos emprega-se para
com o verbo tomar (concorrentemente com por), e depois
dos verbos de eleger (concorrentemente com o simples n.
predicativo).
120 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
§ 162. Sobre para na designação do termo do mo-
vimento, V. § 155.
Na designação do lugar onde, emprega-se em con-
traposição ao lugar em que se está (e reforça-se a expres-
são com o adverbio lá): Está {lá) para a quinta.
§ 163. Para designa:
a) o tempo a que ó destinada a realização de uma
acção ;
b) o tempo em que uma cousa se realizará, em con-
traposição ao tempo em que se está (e reforça-se a ex-
pressão com o adverbio lá):
Cedo espero, se Deos me der vida, ao menos lá para
o fÍ7n do anno, estar perto desse Convento : (Chagas, Car-
tas esp., 164).
quem [Furnium] ad annum [=no anno próximo] /ri-
buniim jilebis videbam fore (Cicero, ad Alt. 5, 2),
§ 164. a) Depois dos adjectivos que designam cou-
sa que redunda em bem ou em mal de alguém, e que não
pertencem ao numero d'aquelles que, segundo o § 145,
se construem com a prepos. a, emprega-se para. v. g. :
honroso, deshonroso, decoroso, indecoroso, odioso para
alguém.
b) Para pode empregar-se depois de vários substan-
tivos e adjectivos que exprimem disposição de animo com
relação a alguém ou algo, v. g.: indulgente.
Neste sentido diz-se, sobretudo modernamente, para
com.
Substituo in com accusativo.
b. Preposições que substitueatn o ablativo e õ genetivo
§ 165. O ablativo foi substituído pelas preposi-
SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA 121
ções de, em, com, por; o genitivo, em geral, pela pre-
pos. de.
de
§ 166. Sobre a prepos. latina de, que veiu a tomar
também, ainda no período preromanico, o lugar de ah e
ex, V. Sõfstedt. Komm., pg. 103 a 109, e as obras ahi ci-
tadas.
§ 167. a) De emprega-se, designando já a origem de
um movimento, extensão, direeção, e a provenienciu (no
sentido preprio e no translato), já, depois das palavras
que envolvem, de algnm modo, a ideia de separação,
aquilo a que a separação se refere : sair de um país, cair
de um cavallo, andar de porta em porta pedindo esmola,
varado de lado a lado, passado de mão em mão, vêr da
janela, faltar da rua para o segundo andar, passar dos
quarenta annos, esperar de alguém boas obras, exigir de
alguém o pagamento de uma divida, saber de boa fonte
uma cousa, abster-se de vinho, distinguir o bem do mal,
discordar de alguém, deshabituar alguém de algo, curar-se
de uma enfermidade, privar alguém da vida, carecer do
necessário para viver, livre de cuidados :
E se Ihi mostrass' algum desamor, \ nom se podia
guardar de morte (Lang., 70) passa, de ssabedor aquelle
que sse d'ela [molherj pode aguardar (Fabid., fab. 34).
. .dado muitas graças ao Alto Deos que os assi desabafara
do poder de seus enimigos (Fern. Lopes, D. João I, 281).
nam cuidem os principes secidares . . que são escusos da
obrigaçum da mansidam e humildade (H, P., /, 200).
. . louvar-vos \ Com discurso que baixe de divino (Cam.,
Soneto CVI). houve tanta differença de olhos a olhos
quanta vay de homem a Deos (Ceita, 7311). mas
nem assim dobrou de resolução de proseguir o cerco, es-
122 SYNTAXR IIISTOHICA PORTUGUESA
perando a ultima fortuna (Freire, 205). eu, que expur-
gara de tendais fradescas a historia do berço da monar-
'chia (Herc, Op.. Ill, 5).
de nacibits . . egredi (De bell. Afr., 11). Copias de castris
omnibus cdnaint (Idem, 58). de Gallia rediens (Exuporan-
cio, 6). crudilatcs de modo [quantidade], non de qualilate
provenire (Macr., Sat. 7, 5, 24). de iigride nalus (Ovid.. Met^
9, 612). qvae . . de aére nascnnlur (Vitruv. 8, pref). oito
de malre fatnilias Tarquinensi di40 fHics procreansset {Cie.
de rcpubl., 2, 19). lucerna biltfchnis de camera pendebat
(Petr. 30), de qua [tutela]., feminae liberantur (Macr.,
Somn. I, õ, 71). aegrum eripere de pericidis (Vitruv., l, 1, 15).
rfe fanfis periailis nos redimere cnrarlt (de Constanfino Ma-
gno, 29).
A esta categoria pertence o emprego da prepos. de-.
1) com os verbos avizinhar-se e aproximar, com
próximo e com perlo.
A prepos. designa d'onde se observam as cousas.
iam prope a Sicilia (Cie. Yen: 2, 5, 2). pra.vimits a
domina . . scdelo (Ovid., ars am. 1, 139).
Obs. Depois destes verbos e adjectivos também se
emprega a prepos. a:
ousaram approximar-se ao antro dos leões (Herc,
Eur., 271).
2) com mais, menos (concorrentemente com que e
ca, no port. arch.), quando se segue um nome numeral
ou a palavra metade (e ainda fora d'este caso, em algu-
mas phrases familiares, como: não digo menos d'isso
[=não contesto]); no port. arch. médio com qualquer
segundo termo de comparação. A prepos. designa o
ponto d'onde as cousas se observam:
todollos chrístãos pouco menos de dous mill forom
traeidos aas mãos dos bárbaros (Mil. d^ S.*° Ant., 20).
SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA 123
Besefeu mui mais (Toiítra rem | o que mi pequena prol
tem (Lang., 26). nam ha mayor gloria da que se alcança
servindo a Deos (Esp. de Casados, 32). Mayor espectá-
culo, ó RomU, ves estes dias tu nas tuas praças, palácios
e templos, daquellc que viste antigamente no teu bárbaro
amphitheatro (Vieira, 7, 561). mays ca três (Port. M. H.,
Leges et Cons., 274). São mais que duas as que litigão
(Vieira, XI, 273).
Oculare [remédio para os olhos]., qnod.. melius sit
áb omnihus collyriis (Pelagonio, 427). inida et perca aptio-
res sunl ab aliis piscibus (Anthimo, 39). íuferae mcliores ab
aliis boliiis [= boletis] siwt (Id. 38).
Obs. l." mais de, wenos de empregam-se adverbial-
mente sem influírem na construção da or., como se vê
de alguns dos exemplos citados (cf. em latim: mimts
qtiindecim dies sunt, qnani — (Plauto Trin. 4, 2íJ.
Obs. 2." Depois de alguns adjectivos (e participios)
substantivados também se diz mais de, menos de, om vez
de mais, menos do que e — (como em latim. v. g: soliio
plus; V. Madv. 304, obs. 4.*).
3) na designação do lugar onde, em certas locuções
que suppõem um espaço dividido em duas regiões, taes
como: da direita, da esquerda; de cima, de baixo; d'àquem,
d' alem.
Em bom latim: a dextra, a sinistra.
Em sentido translato diz-se: estar, por-se da parte
[do lado, da banda] de alguém.
Pões-te da parte da desdita minha? (Lus., 9,80).'
coadi sunf civn eis pug-nare . . ab iisque stare qnos reli'
querant (Com. Xep. Datames, 6).
124 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
4) depois de padecer, soffrer. etc: padecer do estô-
mago.
Cum ex renibiis laborarei (Cie, Tiisc, 2, 25).
4') depois de triumphar.
De me trinmphal atnor (Propercio, 2, 8, 40).
4") depois de vingar-se.
me de illis . . vindicabam (S. Agost. Conf. 1, G, 2). se de
senatti posset ulcisci (Sparciano, Scv. 11, 3). wc ab illo vin-
dtcare (Séneca, benef. 6. 5).
5) depois dos verbos de descansar o cessar :
respirar de fadigas (Chagas, 259).
Em latim: ab apparalu operum cessare (T. Liv. 21, 8),
requiescere a rei publicae muneríbtis (Cie. de off. 3, 1).
6) depois de : indemnizar alguém, resarcir. etc.
b) Esta prepos. applicada ao tempo, designa :
1) a origem da contagem: de Janeiro a Março,
d' esta semana em diante, de dia em dia, de dia para dia.
Em particular equivale, em algnmas combinações, a
ha (havia) tanto tempo que uma cou^a acontece (aconte-
cia):
Nova de tanto tempo desejada (Lus., II, 57).
2) O tempo em que uma cousa acontece, em algu-
mas locuções em que se considere um espaço de tempo
dividido em duas partes: de manhã, de tarde; de dia, de
noite, de verão, de inverno. (Também se diz de madru-
gada — de manhã muito cedo) :
de grande madrugadv (Diego AfT., 111). fidallgos que
SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA 125
O sempre acompanhavam de dia e de noite (Fern. Lopes,
D. João 1, 3).
Xo latim clássico dizia-se de die, de node, mas em
outro sentido: Hanuibal, surge de node [sendo ainda
noite] solitus, ante nodem non requiescebat (Frontin. Straf.,
4, 3, 7). Vos convivia lauta sumpiuose de die [sendo ainda
dia] facilis (Catull., 47).
§ 168. Emprega-se a prepos. de, depois dos verbos
de fabricar e de ser composto, constar.
Com este sentido liga-se immediatainenta a substan-
tivos, designando a matéria.
fadtim de mármore signum (Ovid. ^fet. 14, 313). terra.,
de qua [lateres] ducnntur (Vitruv. 2, 3, 4,). pons de cadave-
ribus . . fadtis (Flor. i, 22, 18). oynne mtindi corpus de igni
et terra insiiitiere (Macrob. Somn. Scipio. 1, 6, 30). partiam
de quibtts constai (id. ibid. l, 6, 5). convivium de assaturis
maxime fuit (Vopisc. Aurel. 49). de hordeo tisana (Palagon.,
152). cataplasmam de farina hordei (Id., 261).
§ 169. De emprega-se em sentido limitativo, expri-
mindo em querespeito se attribue a um ser uma qua-
lidade ou acção:
1) junto dos adjectivos (participios) e verbos intran-
sitivos quando se falia de qualidades physicas ou moraes,
ou das condições em que uma pess. ou cousa está :
hum mouro Arménio de nação (Aff. de Albuq., Comm.,
31). Como são largos de lingua os apertados da bolsa
(Ceita, 248). Os mais sulis de entendimento (fieira, »S. de
St."- Cath.). Que importa que o ministro seja limpo de res-
peitos ? (Id., /, 583, ap. Blut).
2) junto dos verbos intransitivos que envolvem a
ideia de ser diferente ou de mudar:
mudou e melhor-ou de pensamento (Vieira, 1, 1087).
Os agarenos redobram então de energia (Herc, Eur., 234).
126 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
iVb mesmo prédio as folhas de chão variam muito de qua-
lidade (Reb. da Silva, Econ. rur., 275).
Oba. 1." Diijer nesto sentido, v. g: não mudãn hignr
(Vieira, i, 650) 6 latinismo.
Obs. 2." Na designação do respeito em que uma
cousa 6 comparada com outra, cinprega-so em; v. § 185.
cum cocperil jumenlum claudicare modo de príoribt*s
(Pclagon., 14).
§ 170. a) De junta-se aos verbos que exprimem a
ideia de encher e, em geral, de prover:
Barcos pequenos atulhados de gente (Barros, 2,^, cl. /,
ap. Blut). fornecela [a armada] de todas as cousas ne-
cessárias (Aff. de Albuq., Comm., 12).
Muitos destes verbos podem construir-se com a pre-
pos. com., V. §. Também alguns dos verbos intransitivos,
que exprimem a ideia do estar cheio e provido, se
construem com de:
Os mais verbos intransitivos construem-so com em; v. §.
Construem-se egualmente com de alguns adjectivos
de significação correspondente á dos verbos intransitivos
(cheio, revlelo).
Os mais adjectivos desta categoria construem-se com
e*w; V. §.
naves suas . . de infiniíis mcrcimoniis nobilibus impleve-
runt (de Constantino Magno, 14). navibus de bonis mcrci-
moniis oneratis (id., 7) ipsumquc de bonis i^cslibus inductties
(id., 7). filium de prctiosis vcslibus indutum (id. 27).
b) Igualmente se junta aos verbos de * encarregar*
alguém :
O asco incumbe-se não raro do papel da compaixão
no theatro do mundo (Herc, na Renascença, 3).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 127
c) Designa o instrumento e o meio ;
1) servindo de formar ura complemento geral, em
locuções avulsas :
Picão de esporas, largão rédeas logo, j Abaixão lan-
ças, fere a terra fogo (Lus., VI, 63).
2) servindo de formar um complem. especial, junto
dos verbos :
iisar {que também se emprega transiti vãmente), gozar
(que também se emprega transitivamente), lograr-se, va-
ler-se^ ajudar-se, soccorrer-se, sustentar-se, apascentar-se :
E se não, ajudese a razão da experiência (Vieira, J,
157). Gozão seguramente de paz, e descãço (Id., 1117).
. .goza . . todos os privilégios ('Id., 1113).
d) O agente da passiva designa-so compor (v. 198 b);
todavia com um grandíssimo numero de verbos — pode
dizer-se que se exceptuam unicamente os que exprimem
a ideia de construir e fabricar — pode empregar-se de,
em particular com os que exprimem sentimentos e ma-
nifestações de sentimentos :
[D. Affonso V] foy huniversalmente amado de todos
seus súbditos (Esmeraldo, p. 99).
D'este modo diz-se : acceito, querido, bemquisto, mal-
quisto d' alguém.
§ 171. De em sentido causal emprega-se com verbos
intransitivos (e reflexos de sentido intransitivo) e adjecti-
vos, designando aquillo debaixo de cuja acção se dá o
facto ou o estado significados pelo verbo ou adjectivo
(morrer de fome), particularmente o sentimento de que é
effeito o facto ou o estado significados pelo verbo ou adje-
ctivo (morrer d' amor) :
Também de prazer se chora! (Miranda, 444). Sabe
arrebentar de riso! Quando entende que convém (Cami-
nha, 309). Finavãose de riso todos os seus (Sousa, V.
128 SYNTAXE HISTOllICA PORTUGUESA
do Are, I, 405). Grande mal, he não sarar com os re-
médios, mas adoecer dos remédios ainda he mal mayor
(Vieira, J, 551).
A esta categoria pertence o emprego d'esta preposi-
ção :
1) em expressões como : caiu de cansado (v. § 52 a
obs.) ;
2) nas locuções ; de [por] ordem de, de mandado de.
§ 172. De designa o modo, mas geralmente fallan-
do, só em locuções avulsas: ir de corrida; estar de joe-
lhos, de mãos postas, de braços cruzados, dormir de costas,
de bruços:
E sse forem dous he derem juizo (i. é. sentença) de
ssenhas guyssas (i. e, cada um de sua maneira) {P. Mon.
Hist., Leges, 274) quasi nf/ca de jogo nem de veras disse
cousa contra ha verdade (Diego Aff., 16).
§ 173. De designa :
a) O objecto a respeito do qual se dá uma acção :
a) Com verbos intransitivos ou empregados intran-
sitivamente, taes como : duvidar, desconfiar, desesperar,
queixar-se, julgar, faltar, tratar, syndicar, entender (de
musica) ; saber (=ter noticia de) :
Quem esciúa de si ouve (=^ouve falar) (Prov.). tanto
que soube de sua prisão, parti-me logo de minha terra
(H. P., //, 297 V.).
dubilare, desesperare de aliqiia re; qiieri de aliqua re ;
existimare, loqui de aliqua re ; agere de aliqua re.
b) Com informar, certificar alguém.
Ccrtiorem aliquem facere de aliqua rc.
c) Com accusar, requerer (=accusar), arguir, culpar
alguém :
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 129
Sendo Susanna requerida de amores por dous juizes
do povo (Mon. Lus., I, 101, cl. 3, ap. Blut.).
accusare aliqitem de veneficiis, de vi, posttdare aliquem
de repeiundis.
d) Com convencer, persuadir alguém .
e) Com louvar, notar alguém :
quem te louva do beneficio outorgado, logo pede que
lhe des outra vez (Yirt. B., 259). Esses, disse o Florentino,
não louvo eu de suas cavillações (H. P., II, 269 v.). e o
Alcihiades foy notado de grandes vidos (Id., 831 v.). Nem
elle pode jaa mais com verdade ser fiotado de gula, 7iem
de muyto affeiçoado a algum género de iguarias (Diego
Aff., 44).
f) Com prezar -se, jactar-se, vangloriar-se :
Apontey isto para que desta nossa própria e natural
nobreza nos prezemos e nam fabidizemos ou mintamos pa-
tranhas estrangeyras (Fern. Oliveira, Gram., 3).
muyto se maravilharão de tão grande crueza.
g) Nas locuções qtie é feito de ?, que é de ? ;
que será de mim agora ? (Lang, 51). Que f^que é]
do teu rabil prezado \ teu cajado e teu çurram ? (Bern.
Rib.°, ecl. I). que é do Senhor nosso irmão? (Prestes,
193).
h) Na locução isto (etc.) entende-se de alguém ou de
algo :
Isto se entende dos médicos cobiçosos (Vieira, XI, 259).
i) Com os verbos de saber, Ur, referir, etc.
b) Outrosim designa o assumpto, depois dos sub-
stantivos tratado, compendio, etc.
TheophrasH . . liber ille . . de beata mta (Cie, defin. 5, 28).
130 8YNTAXK III8T0KICA P0KTUGUK8A
§ 174. a) A prepos. de, ligando um substantivo (ou
equivalente do substivo) a outro substantivo, — já dire-
ctamente, já por intermédio do verbo ser, julgar, etc. (fa-
zendo as vezes de n. predicativo)— , serve de designar a
pess. ou cousa a que a outra pertence por qualquer
respeito (posse, parentesco, etc), v. g.: quinta de Alfredo,
filhos de Zebedeo, virtudes de Sócrates, poesias de Bocage,
conquistas de Affonso de Albuquerque, pés de mesa, folha
de hera, monumento de uma cidade, entrada da rua,
igreja da Magdalena, Avenida do Almirante Reis [dedi-
cada á memoria do A.], Rua de 24 de Julho (e nào : K.
24 de J.), Rua dos Fanqueiros [onde sào os estabeleci-
mentos dos fanqueiros], Travessa do Leonardo (onde
mora, ou morou, o L.), Theatro da Rua dos Condes, Mi-
randa do Douro, America do Sul, batalha de Aljubarrota,
dia do julgamento, Estrada de Bemfica, guerra da Inde-
pendência, baixella do aparador :
A aurora he o riso do ceo, a alegria dos campos, a
respiração das flores, a harmonia das aves, a vida e alento
do mundo (Vieira, /, 2õl).
folium de hcdera (Pelagon., 435), ossa de pcrsicis (= ca-
roços de possego) (.Mareei. Emp., I, 97), reues de porco
(Anthim., 16).
A prepos. de, tomada neste sentido, ô em port. (e nas
demais lingoas românicas) de emprego mais lato do que
o genet. possessivo do latim clássico, sendo que muitas
vezes esta relação tinha de ser expressa por um adje-
ctivo ou por uma periphrase adjectiva, v. g.: estrada de
Ostia, via Ostiensis; batalha de Marathona, pugna Mara-
thonia, pugna ad Marathona fada, ou simplesmente p. ad
Marathona.
Os pron. possessivos e o pron. cujo (no port. moderno
SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA 131
SÓ quando ligado directamente) exprimem por si sós a
relação que aliás é designada por de possessivo.
Diz-se: ser (ser julgado etc.) de alguém, no sentido
de : próprio de alguém :
O gosto de vingança he breve e de espiritus baixos
(Aidegr. 111).
Também se diz, v. g : preços do costume.
ncgavit moris esse Graecorum, ut \ (Cie. Verr., 1, 26).
Obs. Uma loc. como alvo de neve = alvo como neve
parece tcr-so formado, estando na mente a expressão
que lem a alvura da neve.
b) Igualmente se junta aos adjectivos coevo, coetâ-
neo (que menos frequentemente se construem com a) :
Copia . . coeva de Affonso I (Herc, Op. III, 23).
§ 175. De serve de designar uma pess. ou cousa
como objecto de uma acção ou sentimento (ou manifes-
tação de sentimento), de um conhecimento ou capacida-
de:
a) com substantivos e adjectivos (em particular com
os formados com os sufíixos -dor e -tivo) :
NunAlvarez foi ledo com este rrecado, como aqiiell
que dhomrrosos feitos era um desejador (F. Lopes, 254).
Obs. 1.^ Os escriptores antigos também construíam
o adjectivo tenaz com de; 6 mais vulgar, porém, ligar-
ee-llie em:
homem tenacíssimo do que mandai;» (Vieira, 7J7, 34^
ap. Blut.).
tenacem proposili viruni (Horac, Carm., 3, 3),
Obs. 2." Alguns substantivos e adjectivos designa-
tivos de sentimento podem coiisíruir-se com a, outros
só se construem com a ou para com.
132 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUQDESA
São de notar as locuções : estar á obediência e rece-
ber á obediência de :
estar á obediência dei Rey de Portugal (AíT. de Al-
buq. Comm., 24). que os receberia á obediência dei Rey
de Portugal (Id. ibid., 24).
Parece-me pertencer a esta categoria o emprego da
prepos. de com os adjectivos digno e indigno :
e contudo não sabe o homem se é digno d'amor, ou
de ódio (Figueiredo, Eccles., 9,1-2).
digmis com o gen. é já de Plauto; indignus de Ver-
gilio.
b) com certos verbos e locuções synonymas :
1) lembrar-se, esquecer-se; compadecer-se, doer-se,
condoer-se, atnercear-se, apiedar-se (ter dó, piedade, etc);
arrepender-se, pesar a alguém :
qui de perdilionc ipsorum miscrli eos ad Romam per-
dttxerunl (De Constara. Magno, 38).
Muyto pesou aos mercadores mouros de Coulão do
assento da nossa feytoria (Castanh., 162).
2) agradar-se, enamorar-se;
3) admirar-se, maravilhar-se :
Muyto se maravilharão de tã grande crueza (Diego
Aff., 135).
justitiaene prius mirer, helline laborum ? (Verg., Aen. xi,
126).
4) escarnecer [fazer escarneo], motejar, rir ou rir-se,
zombar :
mofando das relíquias (Vieira, X, 189. No Psalmo
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 133
cento, e treze, zomba David dos ídolos da Gentilidade
(Vieira, I, 626). D'ysto, padre, nam rryays (Sym. de Mi-
randa, Canc. Ger., Ill, 140).
õ) apoderar-se, assenJiorear-se.
6) depois da interjeição ai/:
Ai dxiquelle que o "matar ! (Herc, Eur., 220).
Por analogia, aos adjectivos infeliz, feliz e seus sy-
nonymos junta-se a prepos. de: infeliz de mim ! infelizes
de nós!:
Triste de mym . . (J. Roiz de Lucena, Canc. GS^^, II, 551).
Tristes d'elles que . . tendo-se por sabedores são ignorantes
(H. P,, //, 254 V.). Desgraçado do que, ferido, cahia em
terra (Herc, Eur., 117).
Em latim: vac niihi, lae tergo mco.
Obs. ao § 175. A prepos. de, na função de que trata
este § , coincide muitas vezes com a mesma preposição,
quando tem a função de que trata o § 173.
Também em latim diz-se por ex.; conscientia cidpae
(T. Liv, 28,19) e conscientia de [=tocante a] culpa (Sallust.,
Catil., 35).
§ 176. a) De serve de designar o todo :
1) depois de palavras partitivas (substantivos, no-
mes numeraes [propriamente dictos, e indefinidos], super-
lativos) :
mãdo que segia partido eguahnête en cinque partes,
das quaes una den a Alcobaza (Test. de D. Aff. II, ap. L.
de Vasconcellos, Lições de Phil. Port., 73). Santarém que
he hãa das grandes e melhores villas que ha no reino de
Portugal (Fern. Lop., D. João I, 111).
Depois de superlativos e numeraes, de pode ser sub-
stituído por entre para dar realce á ideia :
134 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
Aristóteles disse que entre todas as cousas terriveiSf a
mais terrível he a morte (Vieira, /, Í35J.
2) depois do verbo ser ;
Fui dos filhos aspérrimos da Terra (Lus., V, 51). Se
não sois dos ditosos, sede dos diligentes (Ceita, 213 v.).
não somos dos que folgayn de limpar do musgo dos
séculos o mármore dos edifícios anciãos (Cast., Q. Hist.,
J, 32).
3) quando se juntam varias pess. ou cousas debaixo
de uma só denominação, e depois se menciona cada uma
em particular:
Neste sê tido interpretão a Visão de Izaias, dos Padres
gregos S. Cyryllo, e dos latinos S. Jeronymo (Vieira, /,
580).
magna pars de exercitu Hannibalis sauciatur (Eutrop.,
3, 10). pcrcusstim esse ab uno de illis (Cie. p. Mil. 24). ali-
quem de tribns nobis (Cie de Icg., 3).
lUc Crocsus inlcr reges optdenlissimns (Sen., Conlrov., 2,1).
de parlibus Marianis fiiil (Exuperancio, 4; em Eutro-
pio, 6, 1 : qui partium Marianarnm fueral).
V. Madvig, § 284, obs. 2.
A esta categoria pertence :
1) a expressão ambos de dois:
De ambos de dons a fronte coroada | Ramos não co-
nhecidos e ervas tinha (Lus., IV, 72). Nós viemos prati-
cando I ambos de dous . . (Prestes, 153). E ambos de dous
entrega á morte dura (Eneida Port., 11, 166).
ulerque jios/>ít«! = ambos nós.
Obs. Também se diz, pleonasticamente, ambos oa
dois, ambos dois. (São corruptelas populares: ambos e dois,
ambos a dois):
O certo é que ambos os dous monges caminha-
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 135
vatn juntos (Herc, Monge, I, 99, ap. J. Moreira,
Est., l 6) (1).
2) a expressão elliptica archaica d'elles, d'ellas =
alguns (d'elles), algumas ; (Telles — cVelles = uns — outros :
delias morre casadas (Bern. Ribeiro, ed. I). delas
[imagens] tinkão tamanhos dentes que lhe sayão fora da
boca hi/a polegada (Cast., I, 37). contam elles cousas
d'ellas [=umasj tam lascivas e deshonestas, d'ellas tam
frívolas e vãs (H. P., II, 276 v.). em zamhiicos, almadias,
e delles [=alguns] a nado (Aff. de Albuq. Comm., I, 10).
b) De emprega-se também com sentido partitivo :
1) depois dos verbos intransitivos de participar :
Quem aconselha participa do acto praticado (R. da
Silva, Mocidade, 1, 71).
2) depois de; dar, repartir (do que ê seu); pagar,
coHar (^corte-me d'esta fazenda >).
date nobis de óleo vestro (Vulg., S. Matt., 2õ) ; Cicero,
porém, diz: cum et natura semper aã largiendum ex alieno
fuerim reslridior (ad fam. 3, 8, 8).
3) depois de beber, comer, provar.
§ 177, a) De serve de designar o género :
1) depois dos substantivos que designam quantidade:
um. pedaço de pão, uma resma de papel, uma colher de
licor, um chuveiro de frechas ;
2) depois de alguns pronomes, adjectivos e advér-
bios empregados substantivamente : nada, alguma cousa,
algo, um tanto, um pouco, que! assaz, tanto, quanto e
como (correlativo a tanto) :
Vedes amigos que de perdas ey (D. Aff. Sanches,
(') J. Moreira (Esí., I, 8) entende que ambos de dois provem de ambos e dois,
tendo o d de dois feito apparccer um d antes do e, por prolepse phonetica.
136 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Vat. 21). E promeieo que daria aos pobres outro tanto
quanto pesasse o moço de trigo (Mil. de St.** Ant°, 47).
cõ assaz de paixão (Bem. Rib., Men., 165). o que assaz
de mal lhe quero . . (Lus., II, 40). pergídaram-lhe de que
cousa queria tantas, como aquella roman tinha de grãos
(H. P., 7, 304 V.). Não falto dos doctos e virtuosos, de que
sey que hai muytos (Id., //, 271 v.). Que de ouro falso . . ?
(Ceita, 196). quanto tem de palavras, tanto tem de mys-
terios (Id., 308). E que tem de loquaz, e de arengueiro \
Quanto de taciturno tem o oídro (Hyssope, 102-103).
A' prepos. de nesta funcção sjntactica pode juntar-se
um adjectivo substantivado, v. g.: nada de novo (em la-
tim : nihil novi); mas vários escriptores fogem do empre-
gar d'esta maneira adjectivo que não termine em o, isto é,
que não corresponda á 2.^ declinação da lingoa latina
(onde também os adjectivos da 3.^ declin. não se empre-
gavam d'esta maneira; v. Madv., § 285):
Tudo o que ha mais custoso e excellente {Ulyss., III, 95).
O que ha mais vasto e profundo (Herc, Lendas, II,
198). Mas que pode haver commum entre o guein-eiro e o
sacerdote ? (Idem, Eur., 299). Mas que teve de grande este
amor? (Vieira, VII, 141).
Com respeito á attracção de concordância que ha em,
V. g. : uma pouca de areia, v. § 64, 6.
Com attracção semelhante, diz-se, por ex.: não ter
muito (nada) de esperto ou de esperta, ter pouco de
esperto ou esperta (e no plural: de espertos ou de es-
pertas):
He pelo que esta questão tem para vós de nova, e
curiosa (Man. Bernardes, Pão partido).
b) A esta categoria pertence:
1)) a construcção: de soldados morreram três mil:
A recuvagem deste exercito não se podia numerar.
SYNTAXB HISTOKICA PORTUGUESA 137
porque somente de mulheres publicas passavão de vinte
mil (Barros, 5, 94, cl. 4, ap. Biut.).
2) a construcção como: doestes homejis, homens does-
tes :
Pastor que a seus redis tem doestes guardadores | es-
cusa de tremer dos lobos raptadores (Cast., Georg., 197).
Ha tantas illusòe^s doestas na vida! (Id., Chave, 119).
3) o chamado art, partitivo do port. arch.: do, da,
dos, das; vid. ex. do § 129.
4) de, na loc. ter (muito, etc.) de seu :
avendo dous annos que estava na índia, e com tão
bons dous cargos como teve, não tinha de seu cousa algua
(Castanh., VI, 133).
c) A' mesma categoria parece pertencer a prepos.
de em: dar de conselho:
dar-nos hia de cõselho que . . (Bern. Ribeiro, Mew.,
52).
d) Nas receitas, facturas, contas, etc, em vez de
juntar á designação da quantidade a designação do gé-
nero com a prepos. de, o usual é pôr a designação do
género e juntar-lhe, á maneira d'apposto, a designação
da quantidade, v. g.: Agoa destillada cem gr animas.
dabis portulacam manum plcnam ( 2JuIomed. Chir.).
V, Lõfstedt, Komm. 126.
§ 178. a) Depois de certos substantivos, de serve de
nomear o objecto particular a que se applica a designa-
ção geral constituída por aquelles substantivos, ou de in-
dicar o nome próprio do objecto designado appelativa-
mente por os mesmos substantivos : titulo de conde, etc,
mês de Março, anno de 1911 ; reino de Saxonia, império
da Rússia, provinda da Beira, districfo de Braga, cidade
138 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
de Lisboa, villa de Constância, serra de Monchique, etc;
o livro do Êxodo, a epopeia dos Lusíadas, etc; a família
dos Sequeiras, a classe dos sargentos, etc; a virtude da
temperança, o vicio da embriaguez, etc; o trabalho da
cava, etc:
no anno de seiscHos e trinta e três da fundação de
Roma (H. P., II, 521 v). o mal da fome não se cura com
remédios tardos (Freire, 30). no coração doesta grande
bola da ten'a (Man. Bernardes, Pão part., I, § 2).
Substitue o gen. definitivo (ou epexegotico) latino,
o qual tinha emprego em parte mais lato, em parte mais
restricto do que a prepos. portuguesa, por ex.: dlz-se
em latim vox vobtplatis «a palavra prazer»; mas: mensis
Martins (adjectivo), ex oppido Gergovia (César, de bello
Gall., 7, 61); porem, já no de bello Afric: cx oppido Thys-
drae [36], in oppido Zamae [91], ad oppidum Paradae [87].
Obs. 1." Da arbitrariedade do uso é que dependo
o empregar-se a preposição, v. g.: o nome de Augusto, a
cidade de Lisboa, ou a aposição, v. g. a palavra Au-
gusto, o r i o Tejo.
Obs. 2." Alguns escriptores, mormente poetas, em-
pregam ás vezos a apposição, em lugar da preposição
e vice-versa:
. . o Reino Melinde . . (Lus., II, 73).
No port. arch. também se dizia ás vezes, v. g: o rio
de Tejo (Est. G.«', ap. L. de Vasconc, Tex. arch., 48).
b) De ó também empregado em sentido definitivo:
1) em expressões como: o demónio do homem:
O coitado do Taballiam (Fernão Lopes, D. João I, 26).
o pobre do zagalejo \ Não tem onde se acolher (Miranda,
ecl. 2, ap. Blut.). vê o que faz | esse velho de meu pae
(Prestes, 239). ,
monslrum [vocativo] hominis (Ter., Eunuch., 4, 4, 29).
SYNTAXE IIISTOUICA PORTUGUESA 139
2) depois dos pron. isto, isso, aquillo:
Infelizmente, isto de consciência, se fosse entidade de
músculos e ossos, iria muitas vezes dar com elles nas gallés,
ou em Africa, por testemtmha falsa (Herc, Monge, I, 202).
§ 179. De, ligando um substantivo a outro — já
immediatamente, já por intermédio dos verbos ser, julgar,
etc, e fazendo as vezes de simples n. predicativo — em-
prega-se qualificativamente, e serve de indicar:
1) em primeiro lugar: a) as qualidades de uma pes-
soa ou cousa, de modo geral: sujeito de muito siso; p) o
que ella requer: empresa de grande ti-ahalho; y) a classe
a que pertence: sujeito de baixa classe; s) a sua grandeza
material, e quanto ao tempo: armada de 40 vasos; creança
de dez annos; e) a matéria de que é feita: taça de prata; g)
o que serve de a caracterizar: a alfandega das sete casas:
O homem das calças vermelhas (Prestes, 355). Dessa
cor he o meu panno /"= assim penso lambem (Expr. prov.,
Tempo d' Agora, 1, 1, 34)]. Hum grande candieiro de prata
de quatro lumes (Id., 56). Esta era a santinha dos escrú-
pulos (Vieira, IX, 77, ap. Blut.). Em Portugal não ha re-
ligião de nenhuma espécie (Garrett, Viagens, 263). fomos
amigos de tu (R. da Silva, Mocidade, 3, 48). Tira-me por
esta espada, disse (Saul) ao seii pagem da lança, e mata-
me (Vieira, /, 216).
Substitue o genetivo e o ablativo de qualidade
latinos : peregrini marmoris columnae (Plinio, nal. hist.,
36, § 7).
Alguns substantivos podem empregar-se em sentido
particular, não carecendo, por isso, de ser acompanhados
do respectivo attributo, v. g.: talento, engenho, siso (sujeito
de talento = de bastante talento); idade = idade adeantada
140 SYNTAXE HISTOUICA POUTUGUESA
(sujeito já de idade); côr =côr que não seja a branca
(lenço de côr).
Obs. 1." Nas pinturas e retratos ^hmí.ih L.jui>k-
nar-se a adjectivos determina<;ões d'este género com
omissão da prepos. de:
Este, que vês robusto e bem disposto, côr parda, nariz
alto (Ulyss., 4, 94).
Obs. 2." Com o substantivo côr 6 usual dizer sim-
plesmente, V. g.: côr de rosa, em vez de = de côr de rosa:
bracinhos côr de leite (Cas., Fast., 3, 27).
2) em segundo logar: o sentimento do qual uma
cousa é manifestação ou ef feito: lagrimas de arrependi-
mento.
§ 180. a) Alguns verbos equivalentes a locuções em
que entra um substantivo seguido da prepos. de emprega-
da em sentido epexegetico, v. g.: alcunhar (=dar a alcu-
nha de), ordenar-se (tomar ordens, p. ex., de pesbytero),
construem-se com esta preposição:
eslimays vos de pação [=^ palaciano] (Chiado, Pra-
tica, 87 V.). [Bossuet] taxou de velhaco o papa Eugénio IV
(Herc, Op., III, 57). uma fraude dessas que os hipócritas
qualificam de pias, e que cu qualificarei de immoraes
{lá., ibid., III, 29).
Obs. No port. arch. também se dizia chamar de:
Que te chama de ratinhos (Gil Vicente, vol. II, 435, ap. J.
Moreira, Est., I, 138).
b) Construem-se com de, provavelmente cm conse-
quência d' uma ellipse, alguns verbos em certas combina-
ções: servir de secretario, de obstáculo, etc. :
fica-me de lição (R. da Silva, Mocidade, 3, 53).
c) Construem-se com de alguns verbos em certos
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 141
sentidos em que é obscura a origem de tal construcção,
V. g.: fiar de alguém uma cousa, crer-se de alguém:
. . sabe quanto erra \ Quem se crê de seu pérfido adver-
sário (Lus., I, 85). aquelles, que de mulheres fião segre-
dos da primeira plana (Alma instruída, 2, 64).
d) Também se emprega com o sentido de como, na
qualidade de em certas combinações:
Gomez Eanes . . nos disse . . que nos pedia de merçee
que. . ho mandasemos apousentar(Doc. de 1443, Doe.
das Chancel, 227-8).
§ 181. É hebraismo introduzido pela Igreja a cons-
trucção que se vê em «por todos os séculos dos séculos»:
A desgraça das desgraças he que perderão a Deos
para sempre (Man. Bernardes, Pão partido, I, § 2).
§ 182. No port. moderno, em lugar de se dizer
quando foi a invasão francesa, tem-se introduzido o
dizer-se quando foi da invasão francesa., e abreviada-
mente quando da invasão francesa. Esta construcção
incorrecta é devida, creio eu, á má adaptação da loc.
francesa lors de = no tempo de {^).
Aristóteles mal teria a barba russo, quando foi d'a-
quelle seu idtimo namoro (Garrett, Viag., 69). quando
foi do terremoto (Camillo, Perfil, 4).
Com requinte de barbarismo até se escreve a quando
de, no que eu vejo influencia do a do francês alois.
em
§ 183. a) A prepos. em designa o lugar onde uma
cousa está ou se põe, tanto no sentido próprio como no
(') J Moreira (Est., II, 68) ponsa que a confusão sintáctica de v. g. : quando
foi a guerra dos franceses e no tempo da guerra dos franceses, deu origem á cons-
trucção quando foi da guerra dos franceses, que depois se abreviou em quando da
guerra dos franceses.
142 SYNTAXE KI8T0R10A POUTUGUESA
translato, ou onde acontece: estar em casa j pôr o jantar
na mesa, eslar em, erro, andar em francêz, bater com o
pé no chão, fundar-se em razões solidas, escrever em per-
gaminho, vingar-se em alguém:
Isto he o em que consiste a verdadeyra philosophia
(H. P., I, 84 V.). Ó progne crua, ó magica Medea, \ Se em
vossos próprios filhos vos vingais . . (Ltts., III, 32).
Pela analogia de significação com a locução pôr a
mão em, construem-se com em os verbos intransitivos
bolir, mexer, pegar, tocar (mas com os pron. pessoaes em-
pregam-se as formas do compl. indirecto, v. § 152).
ut in oerario ponercniitr [tabulae icstanienti] (César, bel.
civ. 3, 108). in dextra inamt fruges íenentem (Hisl. ApoL, 10).
Ellipticamente liga-se em com sentido qualificativo
(designando estado) a nomes de productos da natureza
ou da industria: ouro cm pó, algodão em rama, ferro em
hraza.
estava inda em herva esta esperança (H. P. //, 571).
Obs. O livro (etc.) em questão em lugar de o livro de
que se trata, o livro de que se falia, este livro, esse livro,
aquelle livro, o tal livro, 6 gallicismo,
b) Com alguns verbos o locuções (entrar), os verbos
que exprimem a ideia de deixar entrar ou fazer en-
trar, v. g. admiltir, receber; deitar [por ex.: vinho em um
copo], lançar, metter; a loc. dar com algo, v. g. em terra,
com a herança em vasabarris, saltar em terra [quem vai
embarcado], o termo do movimento (no sentido próprio
e no translato) designa-sc não como tal, mas como lugar
onde, sendo que se considera prolepticamente, não o
SYNTAXE HISTOKICA POKTUGUESA 143
movimento, a que se referem aquelles verbos e locu-
ções, mas o estado que se segue áquelle movimento (^).
Os das gallés . . saltaram todos em terra (Fern. Lo-
pes, D. João I, 205). Esta pergunta dá em terra com todo
o meu panegyrico (Vieira, S. do b. Estan.). Cedo nos ve-
remos, se Deos não ordenar o contrario, ou houver outra
cousa, que dê comigo em Trás os Montes (Chagas, Cartas
esp., 97).
A mesma syntaxe occorre no port. arch. médio com
outros verbos avulsos: sair, ir, em terra (fallando de
quem vae embarcado), passar, passar-se, v. g.: em Itália:
sse a alma vay em parayso . . a alma está benta. (Fa-
buL, fab. 43). Tanto que sairdes em terra (Diego Aff.,
180).
in sextario hujtis permixiíonis iria cocliaria olei viri'
dis miUanUtr (Marcello Emp., 16, 104); haec in ore
missa., viasiicabis (Id., 5, 11); in tépida aqua mittantur
[ova] (Anthimo, 35); in musli congio coiciuníur cydonia
quiiique (Plinio Secundo, 2, 4).
Ohs. í." Xoíe-se a loc. dar, v. g., em doido :
Dei agora em rebelde (Chagas, Cartas esp. õ5).
Obs. 2.«' Diz-se entrar, v. g. na sala, e para a sala;
entrar em refere-se simplesmente ao termo do movi-
mento, entrar para allude ao fim para que se entra.
§ 184. Em designa : 1) quando uma cousa acontece;
0) Júlio Moreira (Est., cap. xxrv) vê neste emprego de em a continuação do
nso clássico da prepos. latina in com accusativo. Os textos que cito do latim da ex-
trema decadência, aos quaos poderia ajuntar outros (Vid. os Índices da edição Teu-
bneriana de Marcello e do Anthinio), parece que justificam a minha interpretação.
144 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
2) quanto tempo uma cousa leva a effectuar-se ; 3) dentro
de quanto tempo uma cousa fica effectuada :
[a cidade] cardeo toda em quatro dias que não ficou
casa nem cousa nenhna que não fosse queimada» (Castanh.,
4,19).
E pode homem hyr de Santarém a Beia (Beja) em
quatro dias (Esioria Geral, ap. L. de Vasconc, Tx. arch..
49).
Obs. Sobre a designação do tempo era que sem
preposição, v. § 40.
§ 185. Em emprega-se em sentido limitativo (isto é,
para significar debaixo de que respeito um predicado se
applica a uma cousa):
1) designando aquillo em que uma cousa ó supe-
rior, inferior, ou igual a outra:
A vós qu'em cavalaria | e valentya \ dais toque f=ex-
cedeis] a Çepyam (Conde de Tarouca, Canc. Ger., II, 65).
2) com os verbos de competir:
Vossos olhos, Senhora, que competem \ com o sol em
belleza e claridade (Camões, Son. LXV).
3) com enganar-se (v. g. : na data);
4) em loc. avulsas :
Apparecérão enfim os Filósofos em uma sala que era
o theatro de famosa Disputa, não menos em numero que
cincoenta, e tão vários cada hum nos trajos, e no mesmo
aspecto, como nas seitas (Vieira, 5. de Santa Calhar.).
§ 186. Construe-se com em :
1) abundar :
2) nadar, escorrer (em sangue);
3) arder, estar acceso, etc. (em cólera);
4) Os adjectivos fértil e fecundo.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 145
Obs. É fora do usual arder com (correspondente ao
abl. de causa) :
ardendo cõ sede (H. P., /, 59 v.).
§ 187. Em designa o preço cora os verbos de ava-
liar e taxar.
§ 188. Em certas combinações em designa :
1) a forma pela qual uma acção se effectua (fallan-
do-se do meio que se emprega) : pagar em metal sonante,
celebrar em verso, redigir em latim, encadernar em per-
gaminho :
hum livro . . escrito em Parse, enquadernado em ve-
ludo carmesim (Aff. de Albuq., Comm., I, 29).
Substituo o ablativo de meio.
2) O modo, em loc. adverbiaes : em pessoa, em si-
lencio, em ordem,
arbores in ordinem saiae (Varr., re rust., 1, 7).
3) a qualidade, na expressão afrancesada: general
em chefe.
§ 189. Em emprega-se:
1) depois das palavras que exprimem a ideia de
dividir, designando as partes da divisão.
Gallia omnis divisa cst in partes três (César, de bello
Gall., 11).
2) depois das palavras que de qualquer modo ex-
primem as ideias de converter, disfarçar e desfazer:
Qual he o coraçam que cuy dando nisto se nam desfaz
em lagrimas, salvo se he mays seco que os motes de Gel-
boè ! (H. P., I, 79). Converte-se-me a carne em terra
durxi, I Em penedos os ossos se fizerão (Lus., V, 59).
10
146 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
nam avia pessoa que nam se desfizesse em lagrimas (Die-
go Aff., 195). o negro da sotana^ o branco da cota, o
pavonaço do mantelletle, o vermelho da purpura tudo
alli [na sepidtura] se desfaz em pó (Vieira, 7, 114).
Hecubatn . . in canem esse conversam ((.'ic, Tnsc, 3, 26).
Obs. Construe-so com a o verbo reduzir', reduzir a
cinzas.
3) depois dos verbos de proromper :
prorõpe em palavras injuriosas (H. P., 7, 202),
Effundi hl que^tus.
4) depois de incorrer.
E archaico: incorrer algo.
§ 190. Oonstrue-se com em :
1) confiar (pôr confiança em), fiar-se, estar assegu-
rado (arch. médio), atrever-sc (estrever-se) :
Atrevendo-se em sua mullidom (Azurara, Cliron. da
Guiné, 263). Se quem com tanto esforço om Deos se atreve
I Ouvir quiseres como se nomeia (Lus., VIII, 32).
In qtio confidis? {Vtdg., Reis, 4, 18, 20).
2) pensar, cuidar, imaginar, e os mais de significa-
ção semelhante, e o adjectivo cuidoso :
. . na qual [lingoa] quando imagina \ Com pouca
corrupção crê que he a latina (Lus., 1, 38). em nenhua
outra cousa imagina (F. M. Pinto, 18). No futuro castigo
não cuidosos (Lus., III, 132).
3) crer, v. g., em Deos :
crem muito em agouros (Góes, D. MauofL I, 06).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 147
4) consentir, convir, concordar:
[AbrahãoJ temeo que como mulher, e mãe [Sara]
não tivesse valor para consentir no sacrifício (Vieira,
/, 603).
5) vestir (no port. arch. médio):
E vestio-sse em as vestiduras daquello que com elle
vivia (V. Bemfeit., 11). muytos vestem coraçom de lobo
em pelle de ovelha (lá., 92). vestido em hz/a túnica branca
(Diego Aff., IT, 603).
§ 191. Em algumas locuções ein exprime o fim e a
destinação :
a) dar, receber, ete., em penhor, em reféns; dar, pe-
dir em casamento :
Quando llie deu a sua bella Rachel em esposa (Ceita,
199).
ei . . filiam suam in malrimonium dal (Gesar, de bell.
GalL, 1, 3); sibi filiam ejxs in matrimoninyn petid (Suet.,
Cães, 21).
b) ir, vir, ete, em auxilio (soccorro ete).
com
§ 192. a) Com designa: companhia, juncçào, com-
munidade, simultaneidade: passear com alguém, acompa-
nhar com alguém, associar-se com alguém, casar (casar-se
receber-se) com alguém, convizinhar com alguém, rente
com (também se diz a) o chão, conversar com alguém, encon-
trar-se (no port. arch. médio também encontrar) com al-
guém, coincidir com algo, repartir com alguém, levaniar-se
com o romper da manhã :
Propriedade he de todallas virtudes sempre consigo
trazerem prazer (V. Bem., 148). abracemo-nos com a jus-
148 SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGUESA
tiça (H. P., /, 233). Com vileza nunca se pode adjectivar
generosidade (Ceita, 94 v.J.
vivere aim aliqiio, nnpta cum aliquo, fabulari cum ali-
quo, comitaH cum aliquo (Maxim., 4, 37); cum esuriente
panetn suum dividat (Sonoc, Epist, 50); abii hinc hodie
cum diluculo (Plauto, Amphitr., 2, 2, 111).
Obs. Alguns verbos podem construir-so com a, v. g.,
comparar, parecer-se, v. § 142:
[MelindeJ parece-se com Alcouchete (Castanh., /, 10).
Obs. 1." O port. arch. construía com a prepos. com
o adjectivo igual:
Oo vos outros, que passais | pelas vinhas, \ rre^pon-
dey, assy vivays \ se vintes dores ygoays \ com as minhas!
(Anrrique da Motta, Canc. Geral. 3, 480).
A mesma construcção occorre, mas raras vezes, com
o pron. mesmo:
Ainda que Deos não tenha a mesma entidade com
[=zquej elles (Alma instruída, II, 55).
Obs. 2." Notem-se as expressões:
1) Com de dia (Roteiro de D. João de Castro, 108);
2) Poder com:
Com todas estas octipações podia e a todas satisfazia
frey Bertolameu (Sousa, V. do Are, 1, 41). O coração não
podia com o orgulho e com a magoa (R. da Silva, Moci-
dade, 2, 287).
b) Em particular emprega-se com :
1) fallando do que se tem (está com febre, um ho-
mem com cinco filha) ; do que se traz (andar com cinco
I
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 149
anneis ?ios dedos) ; do que se contem (um caixote com la-
ranjas) :
os irmãos de Joséph voltarão do Egypto com o pão
que lá tinhão ido comprar (Vieira, XI, 244.).
Ctim ielo esse (=andar armado) (Cir., Verr., 2, 5, 3).
Neste caso com serve muitas vezes de designar o que
justifica ou contrasta :
c con tod'esto sei, mao pecado \ que mi queredes peior
d' outra rem (Lang., 37).
Jsia cum língua, . . possis crepidas lingere (CatulL, 98).
2) com os verbos e locuções que exprimem a qua-
lidade das relações entre seres : haver-se com justiça com
alguém, estar bem, mal, com alguém; ter intimidade cotn
alguém :
Agesilao diz . . que o bom principe ha-de ser com os
vassallos como pay com filhos (H. P., 1, 163). Sois injusto
comigo (Herc, Monge, 2, 34).
Iníellegebai sibi cum viro forti ac strenuo negolium esse
(Nep., Datam., 7).
A esta categoria pertencem as construcções :
a) acautelar-se com, ter cautela (cuidado) com.
Nihi tecum cavendumst (Plauto, Mostell, 5, 2, 21).
b) cumprir (comprir) com (no port. arch. med. al-
guém) (um dever) (também se diz : cumprir um dever) :
cõprirem com suas obrigações (H. P., II, 100 v.).
150 8YNTAXE mSTOKIOA PORTUGUESA
Comprir com a ceremonia, e lei da purificação (Arraes,
7, 22). atprir cõ a obrigação (F. M. Pinto, 22J.
c) romper com alguém^ com os deveres:
romperam com todos os deveres de homens (Oast., Q.
Eist. 4, 11).
d) acabar com (=^pôr fim a, extinguir):
O terror acabou com os mais sanctos affectos (Herc,
Eur., 62).
e) fora com alguém! ou com algo.
§ 193. Com serve de designar:
1) o instrumento e meio:
Os ingenhos reverdecem, e se aviventam com o traba-
lho (H. P., 95 V.). As Quaresmas dos enfermos são as
Paschoas dos Médicos, e com as dietas de huns se fazem
os banquetes dos outros (Vieira, XI, 250). O mal da fome
não se cura com remédios tardos (Freire, 30).
Inicellas istas . . cum cochari mandiicenl (Anthiino, 75);
mediei ciim medicamentis . . iemptant sanarc (id., 14).
2) o modo : proceder com lealdade.
Spectikilus cwn ciira . . omnia (T. Liv., 22, 42).
3) a causa :
ca nõ dormho de noite con pavor (Pêro da Ponte,
Vat., 1191).
por (per)
§ 194. Por absorveu as funcções syntacticas de per
e pro.
§ 195. a) Por (per) designa o caminho que se toma
para se ir de um ponto a outro :
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 151
Estes todos passaroni poios togares e polas penas que
viste (Visão de Tandado, Rev. Lus., II, 111). nom podia
tam a pressa sser, que sse ell muito mais cedo per mar
nom partisse (Fern. Lopes, D. João I, 38).
. . oinnibus vns per quas commealtis ex Samnio suhvehe-
bantur ǣ. Liv., 9, 15); elapsits per eam ferram (Q. Cure, 4,
10, 25). . . ui per eas [membranas/ cerni posset (Cie, de nat.
deor. , 2, 57) ; videbamns nos omnia per foramen valvae (Pe-
tron., 96).
Obs. Designa simplesmente a proximidade, em al-
gumas combinações com passar : passar pela porta de.
b) por (per) também designa o lugar onde uma
cousa acontece; ou se põe, com a ideia accessoria de der-
ramamento e extensão :
, , e doutras desimas que eu tenio apartadas en tesou-
ros pe7' meu reino . . (Tesf. de D. Aff. II, ap. L. de Vas-
conc. Limões, 71). achou o vinho casy todo derramado
por o chaão {Mil. de St.° Ant.°., 21). E assi o arrastaram
pella cidade (Fern. Lopes, D. João I, 26). Nom ouve
rreçeo de juniar a ssi quantos malfeitores e degradados
avia pello rreino (Id., 356).
Omnes Jiomines fabnlantur per vias \ mihi esse filiam
inventam (Plaut., Cistel., 5, 41, 2).
c) Em sentido particular, diz-se : entrar por — dentro,
ou simplesmente entrar por :
Quando a ociosidade se abre a porta, entra os vícios
a tropel pela casa (H. P., II, 458 v.).
d) Em certas combinações equivale a : do lado de,
da parte de, v. g., o Entre Douro e Minho confina pelo
norte com a Galliza :
Alem do Indo jaz e àquem do Gange \ Hum terreno
152 SYNTAXB HISTOIIICA PORTUGUESA
mui grande e assaz famoso, | Que pela parte Austral o
mar abrange {Lus., VJI, 17).
D'este modo diz-se : por este lado, pela parte de.
Com esta significação parece relacionar-se o sentido
que tem esta prepos. em certas locuções, como pelo que
toca {diz respeito) a.
e) Emprega-se a prepos. por com os verbos de di-
vidir, designando quem recebe o quinhão.
divlsis per veteranos agris (Suet., Domit., 9).
f) na locução por (v. g., o inverno) adiante: ir pela
rua adiante, ir pela rua fora, ir fazendo estes trabalhos
pelo inverno adiante.
qiiod dcs bubas per hiemem (Catão).
§ 196. a) Por designa o momento indeterminado de
um período de tempo, em que uma cousa succede : ha-de
chegar por estes dias (=um d"estes dias).
Obs. A expressão pela manhã, considerada uma só
palavra, pode ser precedida das prepos. olé, desde :
adormeceo até pela manhã (Queiroz, 554, ap. Blut.).
b) Exprime, em certas combinações, que um nu-
mero se ha-de tomar aproximadamente : andam por mil.
§ 197. Por emprega-se, em algumas combinações,
na designação da altura a que uma cousa chega :
achousse tam alto que lhe dava a agua per so a barva
(Fern. Lopes, D. João I, 246). arremessou-se logo a gête
nagoa, que lhe dava pela braga (Castanh., 5, 59).
§ 198. a) Por (per) designa o meio em algumas
SYNTAXE HISTOKICA PORTUGUESA 153
combinações: arrastar pelos cabelos, levar urna criança
pela mão, puo:ar (tirar) pela capa, contar pelos dedos, me-
dir pela mesma medida, rezar por um livro, beber por
uma taça de ouro, participar pelo telegrapho, julgar pelas
apparencias, multiplicar por três; por intervenção de:
Por este emxemplo este doutor tios amostra que as
cousas doeste mundo nom ssom estavees (Fabula, fab. 20).
Item rreçebeo mais per compra em o dito tempo quinze
tonees de vinhos. {Doe de 1440 em Doe. das Chancel, 167).
A maior parte das ruas doesta cidade [de BaçoráJ são na-
vegadas por esteiros, que manão do Eufrates (Godinho,
Viagem da índia, 93). Pela cauda arrastava ambos os
brutos (Ovid., Fast., 1, 59).
Obs. São locuções ellipticas: estar por ton fio, estar
em um lugar pelos cabellos.
Já no latim litterario occorre per nesta funcção
syntactica : quando pendes per pedes (Plaut., Asin., 2, 2, 35);
per quos [digitas] computare solemus (Ovid., 3, 123) a par
de digitis computans (Plin., n. hist., 34, 88); petivi saepius
per liiieras (Cie, ad famil., 2, 7); occiso Artaxia per dolum
propinquonim (Tac, anu., 2, 3); si per senarium numerum
multipliceiur (Macro., Som. Scip., 1, 16, 15).
E' de notar a locução por mim, por ti, por si, fallan-
do-se do que se faz sem cooperação alheia.
A esta categoria pertence propriamente o emprego
de por (per) nos juramentos e supplicas :
eu juro per Deus e per estes santos evangelhos que eu
bem e lealmente faça esta cousa (Orden. de D. Duarte,
P. Mon. Hist., I, 229).
Jurare per Jovem, per faia Aeneae, Incumbe per deos
immoriales in eam curam . . (Cie, ad famil., 10, 3).
154 8YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
b) designa o agente da passiva:
Todo preylo qualquer que homem fezer por escrito
deve valer, sse for feylo pelo íabellion (P. Mon. Hist.^
Leg. et Consuel., 261). Por esto he escripto per o pro-
phela em o Salmo quadraginia {V. Bemf., 33).
c) A um nome de acção (derivado ou affim de verbo
transitivo) seguido da prepos. de com o nome do objecto
da acção, pode juntar-so com a prepos. por o nomo do
agente: a conquista da. Inglaterra pelos Normandos.
§ 199. a) Por designa a causa: fazer uma cousa por
amizade, por ódio; morror por falta de soccorros médicos:
(D. Affonso V) por sua niuifa bondade foy huniver-
salmente amado de todos seus súbditos (Esmeraldo p. 99).
Com os verbos intransitivos e com os reflexos de si-
gnificação intransitiva, a causa que opera internamente
designa-se com de e com.
Obs. Ob e propler foram substituídos pela loc. por
causa de ou simplesmente por.
b) A esta categoria pertence, em rigor, o emprego
de por :
1) na loc. por mim (por isso, etc.) não seja a duvida.
2) com os verbos almejar, ansiar, suspirar, morrer,
anhelar:
Se pedras fossem as lagrimas \ Que por ti tenho cho-
rado I Mandava fazer um forte \ No meio do mar sagrado
(L. de Vasconcellos, Pões. amor., 133). finava-se pela
donzella (Ceita, 131 v.). Este anhelar pela. morte era uma
bem triste cubica! (Her., Eur., 284).
3) com apaixonar-se.
4) com os verbos de movimento e mandar, desi-
gnando o que se pretende haver: ir por agoa {=iv bus-
car agoa):
SYNTAXE HISTOniCA POKTaGUESA 155
foy por húu tiçom e açendeo o foguo (Fab.y fab. 13).
mandara Im d'anire si a hila fonte por agoa (H. P., II,
243 V.). . . te^n determinado \ de vir por agoa a terra
muito cedo | O Capitão . . (Lus., /, 80).
5) com chamar (por alguém), grítar (por soccorro),
bradar : os mancebos . . \ por armas brádão . . (Eneida
Poriug., 11, 108).
6) com instar:
Não instou por despensação (Mon. Lusitana, 6, 207,
cl. 2, ap. Blut.).
7) com perguntar (por alguém):
preguntou muitas vezes por o seu filho (Mil. de S.^^
Anl, 36).
8) na loc. se não fora por :
e houvera daver efeyto se não fora por Charcanda —
qíie ho devolveo a Duarte Pacheco (Castanh.).
9) na loc. pelo sim, pelo não :
pelo sim e pelo não \ acolheu-se . . (Miranda, 551).
10) com esperar (inglês =-= to wait for).
§ 200. Por designa:
a) o modo em certas loc. adverbiaes, v. g., por or-
dem (par sua ordem).
b) outras relações de diferentes categorias em algu-
mas loc. adverbiaes, v. g.: por todos (=ao todo); uns por
outros (fallando de medias):
eram por todos trinta e nove (Aff. de Albuq., Comm.,
I, 4). cinquo mill couros htl ano per outro (Estatistica
de La?.", ms. da Bibliot. Nacional, n.° 1552, pag. 11). O
rendimento sempre importava huns annos por outros mais
de mil cruzados (Sousa, V. do Are, 1, 89).
Obs. A expressão absoluto por iodos os t7umeros
{=mimeris omnibus a&so/r</?is= verdadeiramente perfei-
156 SYNTAXE HISTOIUCA PORTUGUESA
to) 6 latinismo insólito: obra por todos os luimeros abso'
luta (Man. Fernandes, Ahna inslrtiida, 2, 32).
§ 201. É de notar o emprego de por:
a) no sentido de referindo-se a, depois dos verbos
do dizer:
ser-me-à necessário tornar-me para o canto da ini-
nha cella : por não ver por meus olhos, como dizia Agar
por Ismael, morrer o minino à pura sede (Sousa, Vid. do
Are, 1, 259).
b) no sentido de pela ordem de, segundo (Em latim :
ul quisquê — ) :
Os mais por suas ancianidades vinhão beijar as mãos
(Mon. Lus., 6, 232, cl. 1, ap. Blut.).
§ 202. Por emprega-se:
a) com trocar e seus synonymos, e substituir:
este trocar de tristezas por alegrias (Casí., Q. Hist.y
4, 98).
b) com deixar (uma cousa por outra) (se não ó que
se designa antes a mesma relação que em: ir por agoa;
V. § 199): deixar o certo pelo duvidoso.
c) designando o género de paga e o preço, mediante
o qual se compra ou vende ou, em geral, se faz uma
cousa :
Isocrates vedes Ma oração por vinte talentos (H. P.,
11, 260 V.).
d) equivalendo a «em lugar de*: dar homem por si,
assentar praça por alguém :
não pague Drances com sua morte \ Por mim (Eneida
Portug., 11, 106).
Substituo pro.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 157
e) emprega-se no sentido de: em paga, em recom-
pensa, etc, de:
pella graça e bem que me feseste, te quero livrar
(FabuL, fab., 46).
i) nas expressões commereiaes pedir, querer, dar,
pagar tanto por algo.
Misirmis, qtd pro vectura solverei (Cie, ad AH., 1, 3).
§ 203. Por emprega-se, designando a unidade em
combinações como: dar lição duas vezes por semana;
caminhar tantas legoas por dia; pagar tanto por cabeça.
. .per tmumqtie.mque modium pondns denariorum duo-
décimo (Gargilio, 61).
§ 204. Por emprega-se appositivamente ou predi-
cati vãmente:
a) com os verbos de prender e condemnar, desi-
gnando a qualidade presumida ou effectiva.
b) no sentido de: »?a qualidade de, como com ir,
vir, estar, mandar, dar, tomar, receber, ter e haver, e os
mais verbos de significação análoga: ir por embaixador;
com pedir, rogar, etc. v. g. por favor, por mercê.
c) como simples n. predicativo, com os verbos de
que trata o § 30. (V. exemplos no § 30).
Tem exclusivamente esta construcção ter e haver,
tomar e dar =^ considerar ou declarar:
o que amam, de ter por sem duvida (H. P., /, 7).
quando se levantou huma tal tempestade, que elles, com
serem, creados no mar, se derão por perdidos (Vieira, XI,
187).
§ 205. Por exprime vagamente as ideias de: em
defesa de, em prol de, a favor de, com certos verbos e
158 8YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
locuções, V. g., combater pela Uberdade, pugnar pela
justiça, morrer pela pátria; pedir, interceder, velar por
alguém.
Substituo pro: dimicare pro liberlate, pro pairia tnori,
supplicare pro aliquo.
A esta categoria parece que pertence por na phrase
clássica temer por alguém (em lat. timere alicui) e em
attentar por.
§ 206. Escriptores modernos, menos cuidadosos da
pureza da lingoagem, empregam por, depois de substan-
tivos e adjectivos que significam disposições do animo,
ou manifestações de disposições do animo em relação a
um objecto ( v. g. respeito pela vida alheia). E gallicismo.
Em bom portuguez diz-se, v. g. :
sem respeito de equidade nem verdade (Sousa, V. do
Are, 1, 148). sem consideração nem respeito ao bem es-
piritual delias (Id. /, 257).
§ 207. Per separadamente (isto ó, sem estar ligado
ao art. ou pron. o) só se usa em certas locuções, v. g.:
de per si, de per meio (^).
B. PTeposi(^ões que nâo substituem os casos latinos
a. Ante, perante, diante (antiquado)
§ 208. a) Ante e a prepos. composta perante signi-
ficam : á presença de, na presença de, no sentido próprio
e translato.
(') J. Moreira pensa que Je per si resulta da coutaminaç3o de de ti e per ri
(Est., 2, 68).
SYNTAXK UISTOlilCA PORTUGUESA 159
O port. arch. empregava per diante com o sentido
de perante:
E o cam fez citar o carneyro per diante o corregedor
(Fabul., fab., 4).
No port. arch. med. ante também designava anterio-
ridade no tempo e no espaço.
Com tal sentido, no port. moderno só se conserva
em algumas locuções, como pé ante pé, e em palavras
compostas, como ante-ontem (ou: antes dlwritem), ante-
manhã:
. . entra pé ante pé (Cast., Fast., 1, 113).
Obs. Como adverbio, empregava-se no port ardi.,
no sentido de: anles (—de preferencia}:
vossa morte qiierê [=qi(erej ante \ que por dona
Violante \ hua tal cousa se sayba (Nuno Pereyra, Canc.
G.«^ 7, 31).
b) O port. arch. médio empregava diante com as si-
gnificações de diante de:
E pos geollios deantte o Sacramento (Mil. de aS.*"
Ant.", 5).
b. após
§ 209. Após quer dizer: logo depois de, em se-
guimento de:
Este milagre fez tamanho espanto, \ Que o Rei se
banha logo | na agoa saneia \ E muitos após elle (Lus.
10, 116).
Em particular emprega-se depois de certos verbos,
em sentido translato, designando o objecto que se pre-
tende alcançar. (Com o mesmo sentido também se diz:
em pós de) :
160 SYNTAXE HISTOltICA PORTUGUESA.
Corro após este bem que não se alcança (Camões,
son. 48). Correi após o meu assass^ino! (Herc, Eur., 219).
c. trás
§ 210. Trás na accepção de: atrás de, e depois de, ó
prepos. quasi antiquada:
. . cuydo que padecer \ e trás padecer morrer | devo
suportar por ela (Joam Comez da Ylha, Cajic. G.''^
II, 44).
Na accepção primitiva de: além de (no espaço e no
tempo) só entra em compostos, v. g. : Trás os Montes,
trás ante ontem.
d. até (té), atá
§ 211. a). A prepos. composta até coraprehende os
sentidos de latim tenus, nsque ad (usque, ad).
Até o século xvfi sempre se disso <até^ e não (com a
prepos. a) <até a»; no século xvii principia a apparecer
«até a» com o art. feminino (até á, até ás) e só posterior-
mente também com o art. masculino (até os, até aos);
mas os escriptores mais aprimorados observam a prática
antiga. Na conversação, porem, hoje em dia toda a
gente, quando emprega o art. feminino, diz: ale n, atrás.
Obs. A adjnncção da propôs, o ao art. feminino
(para melhor se distinguir) v. g. : «ató a noite» [usque
ad morlem] de «até a noite» [nox ipsa] foi favorecida pela
circumstancia de tal facto se reduzir phoneticamente a
pronunciar-se aberto o a do art. feminino:
até a pia [baptismal] (Co)istit. Synodaes do bisp. de
Coimbra, de 1548, foi. I); dece a pique até o mar (D. João
8YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 161
de Castro, Roteiro, 12). Desde o palácio até a taberna
(Herc, Eur., 9); o sufficiente para viver até as primeiras
colheitas (Id., Op. I, 189).
A forma té no port. moderno costuma empregar-se
quasi que só no verso por necessidade métrica.
Até passa a funcionar como adverbio, com o sentido
de mesmo, exprimindo que um asserto chega a abranger
certa pessoa ou cousa ou circunstancia.
Também a prepos. latina ad se emprega adverbial-
mente com números, v. g. : ad duo milia et quingenti vivi
capiuntur (T. Liv., 4, 49).
b) A prepos., de origem arábica, atá pertence ao
port. archaico.
e. desde (dês)
§ 212. A prepos. composta desde designa a origem
de um movimento ou extensão (no espaço, no tempo,
em uma serie), com referencia especial á distancia:
Então desde o Nilo ao Ganges \ Cem povos armados
vi (Passos, Poesias, 57). Desde o alvor da manhã | Que
vos procuro (Garrett, Camões, 117). Desde o palácio até
a taberna . . todos os togares e todas as condições tem tido
o seu romancista (Herc, Eur., Prologo).
A forma dês é do port. archaico.
f. sobre
§ 213. Sobre reúne, geralmente fallando, os sentidos
de super e sujara.
a) Ora designa base de sustentação (em inglês on,
upon), ora equivale a: por cima de (=pela parte de cima
de) (em inglês over), tanto no sentido próprio, como em
11
162 SYNTAXE HlisTOHlCA PORTUGUESA
sentido translato. Tratando-se, porém, da base de susten-
tação, se não ha emphase, o usual é o emprego de em,
assim diz-se: o jantar está na (e não sobre a) mesa:
queria o Senhor que assentassem estas mercês e Gra-
ças que fazia sobre o merecimente da Fé, dos que as lo-
gravão (Vieira, /, 985). O reino christão da Palestina,
fundado sobre os ossos de milhares de martyres e de
guerreiros, deixara de existir (Cast., Q. Hist., 4, 112).
b) Emprega-se em particular:
1) equivalendo a: nas margetis de; nas costas, na^
praias de:
Sôbolos rios que vão \ Por Babylonia, me achei (Ca-
mões, Redondilhas) . . Bolonha sobelo mar em França
(Góes, D. Manoel, IV, 72).
2) na expressão archaica: fechar, cerrar a porta
sobre si:
e fechassem as portas sobre ssi a pressa (Fern. Lopes,
D. João I, 256).
3) designando o termo ou a direcção de um movi-
mento hostil em certas locuções: lançar-se, cahir sobre
alguém :
Jeremias propheta vei-dadeyro dizia que se sujeytas-
sem a Nebucodenosor, porque se assi o não fizessem., havia
de tornar segunda vez sobre Jerusalém (Vieira, /, 656).
4) como synonyrao de: em cima de [=em seguida
a] : dormir sobre o jantar.
. . qui alii super alios (rucidcntur (T. Liv., I, 50).
5) como synonymo de: alem de.
super solilos honores locus in Circo . . ad speclaculum
dcUus [est] (T. Liv., II, 31).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTCGDESA 163
6) como synonymo de: acerca de (fallando de um
assumpto).
[Eac super re scribam ad ie (Cie, ad AU., 16, 6).
7) designando superioridade, ou excesso, em certas
locuções: V. os exemplos no dicc. de Moraes.
supra Cocliles Muciosque . . id facinus esse (T. Liv.,
2, 13).
8) designando avizinhamento de uma qualidade
(fallando-se de cores ^ que tira para):
As palavras antes sobre o áspero que brandas e
affaveis (Queirós, Vida do irmão Basto, 483, ap. Blut.).
9) equivalendo a: muito perto de (fallando do
tempo ).
10) na loc. sobre si = independente, privativo:
tem rey sobre si (Castanh,, /, 27).
g. sôb (sô)
§ 214. Estes dois representantes do latim sub (de-
baixo de), na maioria das vezes, empregam-se em sentido
translato, v. g.: sob pretexto de, sob pena de:
eu non queria que so espeçia de bem fazer tu fezesses
mall aos meus filhos! {FabuL, fab,, 53). logo que a noticia
indubitável da nossa vinda retumbar sob os tectos doura-
dos dos paços de Toletum, elle convocará os seus nume-
rosos soldados (Herc, Eur., 67). rolos de pó .. se alevan-
tavam sob os pés dos ginetes (Id. Ibid., 111).
Sô fora da composição (v. g. em: sopé, soergtter) está
antiquado.
h. contra (escontra)
§ 215. a) Contra designa opposição, tanto em
164 SYNTAXE HISTÓRICA PORTCGUKSA
sentido material como em sentido moral: remar c. a
maré; votar c. alguém:
Porque se puserão a altercar contra elle (Vieira,
7, 825).
Contra aquam fluitare (Plin., n. fc., 29, 52); contra spem-
Esta prepos. está antiquada:
1) no sentido de: defronte de.
Insula trigueira . . cujus unum latua esl eonlra Galliam
(Caes., bell. galL, 5, 13).
2) no sentido de : na direcção de :
Eu non te faço emjuria, nem luxo o rrio, porque a
augua corre contra mym (Fabul, fab. 2). Lava-lhe os
muros o rio Adige . . que corre contra Itália (Sousa, V. do
Are, I, 195).
3) ' designando a quem se dirige a pessoa que falia
(com os verbos de dizer), ou para quem se olha:
e disse faltando comlra todos (Fern. Lopes, D. João 7,
18). O mestre estava aa janella, e todos olhavao comtra
elle dizemdo (Id., ibid., 23).
4) em sentido temporal.
Obs. í.a Emprega-se adverbialmente em locuções
cora os verbos ser, declarar-sc, fallar, etc.
Obs. 2.0. Égallicismo na acepção de: em troca de.
b) A forma escontra pertence ao port. arch. médio:
trabalhava por hir escõtra ho mar (Diego Aff., 101).
i. entre (antre)
§ 216. a) Entre designa posição intermédia no es-
paço, no tempo e em uma serie, e figuradamente.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 165
. . inter Padum atque Alpes (T. Liv., 5, 35).
Em particular equivale a: no numero, na conta, de.
Também se emprega antes de adjectivos e expres-
sões adjectivas :
Postura entre heróica e de inspirado (Herc, Len-
das^ I, 10). Doze guerreiros, e entre elles o fero Sancion,
alevantaram a dextra (Herc, Eur., 189).
No port. arch. médio dizia-se: entre dia, entre noite,
entre atino, etc, por: durante o dia, etc.
Frusinane inter noclem lux orta (T. Liv., 32, 29).
b) Também se emprega, fallando do que se dá em
um povo, em uma classe de pessoas, no sentido do fran-
cês chez.
c) E raro e antiquado o emprego de entre por:
dentro de (em latim : intra).
Obs. E' de notar a expressão entre sí=de si para si:
que Alvalor ha /"= a] estava ãtre si culpado de muito
cruel (B. Ribeiro, Men., 21). dizendo entre si (Camillo,
Amor de Perdição, 71).
d) A forma a?itre é do port. arch. médio, e ainda
se ouve na pronuncia popular, em algumas partes do
país.
j. sem
§ 217. Sem exprime carência, ausência, desacompa-
nhamento ; oppõe-se a com : estar sem dinheiro, sem cuida-
dos; subir uma escada sem dificuldades; púcaro sem asa.
sine tilla dúbitatione; canis sine coda (Varr., Menipp.,
518).
166 8YNTAXK HISTÓRICA I>OKTUO0ESA
Em particular emprega-se no sentido de : se tião fos-
se (ou for).
k. segundo (asegundo)
§ 218, Segundo 6 synonymo do:
a) conformemente a (v. g., á lei).
b) na proporção de (v. g., dos setis haveres), ou
conforme a qualidade, etc:
hfía spada corta desygualmente segundo a maão de
que he brandida (V. Bemf, 143).
c) equivale a: segundo o parecer ou a declaração (re-
lação, etc.) de. Não se lhe juntam os pron. pessoaes das
primeiras pessoas do singular.
Asegundo (a segundo) pertence ao port. arch. médio:
ha f=aj segundo o mundo vay (Chiado, Prat. dos
Compadres, 113).
1. conforme consoante
§ 219. a) O emprego de conforme como prepos. (ao
que parece, de Vieira em diante), resulta de um abrevia-
raento de expressão, sendo que a forma primordial era
conforme a, (funcionando conforme adverbialmente por:
conform emente) :
conforme ao que diz São Johão no Apocalypse (H.
R, //, 73).
b) Semelhante deve ter sido a origem de consoante
como preposição: consoante uma cousa por: consoante
(adverbialmente, em vez de consoantemente) a uma cousa.
Este vocábulo como prepos. (e partícula comparativa),
muito usual no norte do país, só modernamente entrou
na litteratura, segundo me parece, por meio das obras
de Camillo Castello Branco.
SYNTAXB HISTOUICA PORTUGUESA 167
C. Equivalentes de preposições
a. Participios que passaram a funecionar como preposições :
excepto, salvo; durante, mediante
§ 220. a) Excepto é na sua origem um participio
passivo empregado oracionalmente (á maneira do abla-
tivo absoluto latino), com uma palavra nominal, mas
sem concordar com ella.
Passando assim a ter o lugar de prepos. chegou a
ter o valor de puro adverbio de exclusão: Deu licença a
todos excepto (= menos) a mim. Dizer v. g.: exceptas as
cartas (Vieira) ô expressar-se na verdade com correcção
grammatical, mas de modo desusado.
Xo latim da ultima decadência occorre excepto pri-
meiramente como abl. absoluto sem concordar com o
seu sujeito, v. g. : excepto filiabus, em S. Gregório de
Tours — o que tem analogia com a construcção nobis
prasente (Plauto, Amph., 2, 2, 19-t)— , depois seguido de
accusativo, v. g.: excepto hos, na Regula Monachorum de
S. Bento — á maneira de praeter. V. Lôfst., Komm., pg.
298, sg).
c) Durante e mediante são na sua origem antigos
participios do presente empregados oracionalmente com
um sujeito, que passaram a ser tidos na conta de pre-
posições.
b) Salvo, que funcciona como participio passivo de
salvar, está no mesmo caso que excepto:
e mãdo que nõ valha, salvo esta que fiz seendo noviça
(Testamento de D. Leonor, de 1331, na Rev. Lus., IX, 137).
E isto costumava fazer todolos dias, salvo se algúa vez
vencido do sono repousava hú pouco (Diego Aff., 46).
168 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
Obs. 1." Em não obstante e não embargante ha tam-
bém um participio do presente empregado oracional-
mente com um sujeito, sem todavia haver concordância;
mas com estas expressões nunca se perdeu a consciên-
cia da sua funcção syntactica.
A respeito de não obstantes certas cousas ha-de di-
zer-se o mesmo que atrás se disse de exceptas as cartas:
Nam obstantes as diligencias de Pilatos (Ahna ins-
truída, 717).
Obs. 2,a Salvante e tirante são também participios
do presente empregados oracionalmente, com indeter-
minação do sujeito (como em: Esta falta se reparou ajun-
tando duas telhas com os vazios para dentro). (Freire, 146).
Passaram a empregar-se como puros advérbios de
exclusão :
salvante se vós soys macho (Dom Joam de Meneses,
Canc. G.°\ III, 76). tirante sias cousas [=tiranV estas c.J
(Foral de Torres Novas, trad. do sec. XIV, nos P. Mon.
Hist., 477).
Os participios salvando, tirando, exceptuando estão
no mesmo caso que salvante e tirante:
tirando [= menos] dous (Diego Aff., 88).
b. Locuções preposicionaes
§ 221. Algumas prepos. latinas foram substituídas,
ou absolutamente (v. gr.: intra) ou em certas significa-
ções (v. g.: secundum), por loc. preposicionaes, taes como:
aletn de, aquém de, ao longo de, a par de, a par com,
acerca de, através de, dentro de, dentro em. (arch.) ca 6o
de, junto de, junto a:
ela acordou-sse que o leixara cabo do fogo (Mil. de
jS'.'*' Ant., 17). emtrou dentro em na egreja (lá., 19). ao
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 169
longo do Mondego (H. P., /, 1). A par do Eypanis, rio
de Scilhia . . (Lá., I, 18, v.). a summa nobreza acerca de
f=perantej Deos lie ser claro em virtudes (Id., I, 139,
139 V.). Além do Indo jaz e àquem do Gange \ Hum
terreno mui grande e assaz famoso (Ltis., VII, 17).
c. Combinação de preposições
§ 222. De, para, por, combinam-se com entre, sobre
e sob (só, arch.); de, para, e por também com ante:
Resignae-vos, se podeis, á peregrinação, por sobre es-
pinhos (Cast., Chave, 42). Edificão-se os nobres seus
assentos | Por entre os arvoredos deleitosos (Lus., VII,
50). . . 710S cabellos que lhes ondeiavam pelos hombros,
saindo de sob os elmos (Herc, Eur., 173). san Nicolas
partiu-sse logo danteles (Fragm. de uma Vida de S. Ni-
colau, 4). sacudir-te | De sobre si (Herc, Pões., pg.
49-50).
Outrosim de, para, por, sobre, combinam-se com as
loc. preposicionaes que o sentido permite:
Passando acaso Alexandre Magno per junto a hum,
cemeterio (Vieira, XI, 262).
Ha também a combinação para com: os deveres para
com o próximo.
d. Repetição das preposições e loe. preposicionaes
§ 223. a) iSa coordenação não é de regra repetir as
prepos. senão quando a clareza, emphase, ou euphonia
o requerem; assim é mais frequente repetir a prepos.
antes dos pron. pessoaes monosyllabicos e do pron. re-
flexo :
Então desde o Nilo ao Ganges \ Cem povos armados
170 SYNTAXB HISTÓRICA PORTOOUBSA
vi I erguendo torvas phalanges \ contra mim e contra ti
(Passos, 57).
Com as loc. preposicionaes, a praxe ó a mesma;
mas só costuma repetir-se o ultimo elemento da locução,
V. g. : antes de mim e de ti.
Obs. As prepos. (a, por), quo se ligam ao art. defi-
nido, repetem-se quando se rei)etc o artigo, v.g.-.oppôr-
se aos projectos c aos desígnios d'aJguem.
b) Com os appostos pertencentes para termos re-
gidos de preposição, a prepos. só se repete, quando a
clareza, ou a emphase o requerem:
Cá estamos nhim dos mais lindos e deliciosos sítios
da terra: o valle de Santarém (Garrett, Viag., 63).
§ 224. a) Quando a um substantivo designativo de
tempo ou logar se liga uma or. relativa de que, pode
omittir-se a prepos. em antes do relativo:
Ca des aquel tempo, senhor, \ que vos vi e oi falar \
nom perdi coitas e pesar (Lang., 43). Tempo cedo virá,
que outras victorias | Estas que agora olhais, abaterão
(Lus., VII, 55). no ponto que o Infante espirou (Ceita,
14, V.).
Obs. Sobre outra interpretação do que, vid. § 395.
b) Quando a um* substantivo acompanhado do pron.
mesmo e precedido de prepos. se liga uma or. relativa
de que, que tem o mesmo sujeito, ou o mesmo predicado,
costuma omittir-se a prepos. antes do relativo:
a memoria das quaes . . perece . . na mesma hora que
sam lidas (Góes, Cal. M., 6).
Observação a este cap. Das prepos. (e equivalentes
de prepos.) com infinitivos e or. substantivas, trata-so
na 2.* parte da Syntaxe.
SYNTAXE HISTOKICA PORTUGUESA 171
CAPITULO V
Do adverbio
A. Advérbios empregados na gradação
a. Comparativo
§ 225. O comparativo de superioridade do adjectivo
e do adverbio forma-se com o adverbio mais (arch. chus):
mais prudente, mais prudeniemente :
dizede-lhis ca chus negr'e [=éj ca pez (Pêro Garcia
Burgales, Vai., 990). mais facilmente esquece hum bene-
ficio, que uma injúria (F'reire, 79).
É a generalização do processo usado em latim com
os adjectivos e advérbios que não tinham forma de
comparativo, e ainda, em certos casos, com os que
a tiniiam: 7nagis faceie, et magis mirís modis (Plaut., mil.
glor,, 2, 6, 58); neqne lac lacti magis est similc quam ille
ego est similis mei (Id., Arnph., 2, 1, 54).
De comparativo (de superioridade) de grande serve
maior; de bom e de bem, mellior; ÕlQ pequeno, menor (a
par de mais pequeno) ; de máo e de mal, pior :
E a saúde melhor he conhecida depois da doença que
primeyramente (V. Bemf., 222). mal entendida, e peor
praticada (Vieira, //, 108). ouçamos aquelle engenho
fOvidioJ que melhor que todos soube exprimir os affectos
da dor, e da natureza (Id. ibid., 877, 878).
No port. arch. também se dizia mais grande :
em outro mais grande (Gir., Alv., 14).
Pode dizer-se, v. g.: mais ou menos grande.
172 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Obs. Diz-so, V. g. : mais bem feito, m.ais mal feito, por-
que mais pertence para o conjuncto bem feito, mal feito.
Também quando se comparam qualidades do mesmo
sujeito, ou da mesma acção, naturalmente se diz, v. g.:
ele é mais máo do que irreflectido ; procedeu mais bem do
que mal.
De comparativo (de superioridade) de muito (adjecti-
vo e adverbio) serve mais; de pouco (adjectivo e adver-
bio), menos.
No port. arch. dizia-se mais (chus) muito ^ mais (chus)
pouco :
desta meezinha lhe deyta chus pouca (Gir., Alv., 22).
preguntou . . porque nom eram mais pesoas nem mais
poucas que três (Corte Imp., 96). mais poucas (Fern. de
Oliveira, Grammatica, cap. 20).
§ 226. O comparativo de inferioridade do adjectivo
e do adverbio forma-se com o adverbio menos:
menos prudente, menos prudentemente.
§ 227. O comparativo de igualdade do adjectivo e
do adverbio forma-se com o adverbio tão {tanto, quando
o adjectivo ou adverbio estiverem ocultos): tão prudente^
tão prudentemente.
De comparativo de igualdade de muito, serve tanto.
Obs. Tão também se emprega fora de comparação.
No port. arch. dizia-se tão muito.
§ 228. a) Com os comparativos de superioridade
e inferioridade, o segundo termo de comparação é de-
signado por que ou do que (e no port. arch. também
por ca):
E esta morte melhor me será \ ca de viver na coita
que non á | par . . (Rodrigo Eannes Redondo, ap. L. de
Vasconc. Tex. arch., 20). papel e tinta tem morto mais
SYNTAXE HlSTOniCA PORTUGUESA 173
homens em o mundo que ferro e aço (Barros, Ropica,
250, 251).
Com o segundo termo da comparação sempre se
forma or. comparativa á parte, v. g.: Quiseste dar conse-
lhos a um sujeito mais sensato do que tu.
Sempre se diz do que, quando se forma or. compa-
rativa com verbo que se construa com n. predicativo,
V. g. : torna-lo-hei mais manso do que tu és.
Sobre o emprego da prepos. de nesta funcção syn-
tactica, V. § 167.
Consoante ao que se lê no § 167, a, 2, dizia-se, e
diz-se, correctamente, v. g.: vi mais do que desejaria por
vi mais que o (=aquillo) que desejaria (cf. nos Lusíadas,
[II, 9]: .. notarão \ muito menos d'aquillo que querião).
D'ahi, por confusão, vem do que a tomar o lugar da
simples partícula comparativa que.
b) Com os comparativos de igualdade o segundo
termo de comparação é designado por como (e no port.
arch. médio também por que):
hunia miãher tão, ornada nos vestidos como desorde-
nada na vida (Vieira, XI, 209). Que alegria não pode
ser tamanha | Que achar gente vizinha em terra estranha
(Lus., 7, 27).
c) Quando o verbo, que pertence ao primeiro ter-
mo da comparação, não pode subentender-se junto do
segundo, forma-se oração comparativa com o verbo ser
(que só se põe claro, quando a perspicuidade o requer):
Torná-lo-hei tão manso como (ou: mais manso do que)
tu (és).
§ 229. Para significar que uma expressão não
corresponde cabalmente á ideia, antepõe -se -lhe mais
que:
174 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
passos mais que agigantados (Vieira, VII, 13).
Mais que substituo regularmente o latim plus quam.
§ 230. O simples superlativo periphrastico do adje-
ctivo e do adverbio forma-se com o adverbio muilo ou
(modernamente só na linguagem litteraria) mui: muito
prudente, muito prudente^nente.
Como superlativo de muito, só se emprega muitiss^i-
mo; no port. arch. porem, dizia-se mui (muito) muito:
E ajuntarom-sse muy muylos a este millagre tam
gramde {Mil. de S*^ Ant., 46). Chorareys por my muy
muito (Fernam da Silveira, Canc. G."^, II, 13). Dos mui
muitos ciúmes \ nace o mui muito amor íGil Vicente, ///,
278, ap. J. Moreira, Est., I, 59).
Obs. Antepor a um superlativo de sufixo, como se
fosso (adjectivo ou adverbio) positivo, um adverbio
quantitativo é incorrecção que por vezes ocorre nos
escriptores antigos:
E irão suas criadas \ . . Como selvagens pasmadas |
De ião altissimas vodas (Gil Vicente, //, 412, ap. J. Mo-
reira, Est., I, 58).
§ 231. a) De superlativo exclusivo serve o compa-
rativo de superioridade e o de inferioridade: as torres
mais (menos) altas, as mais (menos) altas torres.
valia [■-= valha] aquilo que mandarem os chus muitos
per nomhro (Test. de D. A ff. II, ap. Leite de Vasconc,
Lições de Phil. Port., 74). tragiam os melhores e mais
ligeiros cavallos que em toda a hoste avia (Fern. Lopes,
D. João I, 335). estava ho mais ledo homem do mundo
(Castanh., I, 34). sempre os que menos sabem mais re-
prendem (Bernardes, 98, v.). o mais amoroso e requin-
tado affecto (Vieira, //, 576). Affonso IV, um dos reis
SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA 175
mais sérios e de mais juizo que tivemos (Herc, Cas.
Civ., 43). a ingratidão é a mais horrenda de todas as
perversões humanas (Id., Op., I, 85).
Obs. É gallicismo repetir o artigo, dizendo, v. g.:
as torres as mais alias.
Os superlativos de suffixo: máximo e minimo regu-
larmente só se usam como superlativos exclusivos. Pelo
contrario, o emprego de óptimo e péssimo e dos super-
lativos em -issimo, como superlativos exclusivos, é lati-
nismo raro:
derruba morto a um dos Reis Sarracenos, e de todos
o bellicosissimo (Cast., Q. Hist., II, 48). a péssima entre
as nossas propensões (Her., Op., I, 173).
Obs. No port. arch. médio occorre ás vezes o com-
parativo sem artigo:
Todas de tal nobreza e tal valor \ Que qualquer d'ellas
cuida que é milhor (Lus., Ill, 18).
b) Para exprimir o maior ou menor gráo com res-
peito á possibilidade, diz-se, v. g.: o mais (ynenos) facil-
mente que elle pode {podia, etc), o mais (menos) facilmente
que pode ser (que é possivel), o mais (menos ) facilmente
possivel :
hordeney todo per linguagem, português o milhor que
pude (Gir., Alv., 2). o mais calladamente que seer podesse
(Fern. Lopes, D. João I, 254). Com as mais vasilhas que
pudesse (Barros, J, 104, cl, 4 ap. Biut.). [os negócios]. .
vão o peior possivel (R. da Silva, Mocidade, I, 167).
§ 232. As regras dos §§ antecedentes applicam-se
também a quaesquer expressões qualificativas equivalen-
tes a adjectivos e advérbios, e também a verbos (mas
176 8YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
com verbos — nas formas activas — diz-se tanto, em vez
de tão, e no port. arch. tão muito).
Em geral, os advérbios quantitativos podem juntar-
se a quaesquer expressões qualificativas equivalentes a
adjectivos e advérbios:
chorou tan muyte tan de coraçon \ que chorey eu con
doo dei enton (Fernão Gonsalves de Seavra, Vat., 338).
façanha muito de louvar (Fern. Lopes, D. João I, 50).
. . e aguardão tempo \ . . em que pudessem \ Entrar mais
a seu salvo, e sem perigo (Corte Real, Nauf., 211). He
muyto pêra sentir a miséria dos mortaes (H. P., /, 62.
Nunca houve Rey, que mais se prezasse de ter na cabeça
húa coroa real de fino ouro e rica pedraria do que se
prezava sam Paulo de ter nos pés hns ásperos grilhões
de ferro (Id., I, 286). menos para imitar (Vieira, XI,
253). Muy de pedra fora quetn se não movera com tal
obra e taes palavras (Sousa, V. do Are, I, 446).
b. Particularidades de alguns advérbios
§ 233. Quando se coordenam ou se ligam por par-
tículas comparativas advérbios em -mente, põe-se este
chamado suffixo, se não ha emphase, unicamente no
ultimo, supprimindo-se nos mais:
curadas mimosa e não radicalmente (Vieira, XI, 260).
tirou a consequência tão discreta como verdadeiramente
(Id., XI, 250). Isaías que foi de todos os Prophetas o que
mais própria e elegantemente soube faltar (Id., XI, 224).
não só intensiva 7nas extensivamente (Ceita, 72-1). O con-
cilio' não o diz, precisamente, claramente, como cumpria
(Herc, Cas. civ., 71).
§ 234. Precedidos das prepos. de, desde, para, por.
m
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 177
até, empregam-se substantivamente os advérbios de tempo
e logar:
Para sempre adeus, pois, ó Granada ! (Passos, 23).
Peírus atuem sequébalur euni a longe (S. Matt:, 26, 58).
§ 235. As formas átonas quão, tão e que (empre-
gado como adverbio de quantidade) precedem imediata-
mente a palavra para que pertencem:
Mas quão formosas já, quão sedudoras, \ Por entre
as graças da mimosa infância \ As graças juvenis lhe
tratisluziam! (Passos, 36).
Antes do comparativo sempre se empregam as for-
mulas tanto, quanto:
Quanto milhor nos fora, Prometheo, \ E quanto pêra
o mundo menos damno, \ Que a tua estatua illustre não
tivera \ Fogo de altos desejos que a movera! (Lus., IV, 103).
Mal sabiam elles quanto os alcantis do Calpe eram mais
ásperos (Herc, Eur.). Como te fora plácido o presente;
\ Quanto risonho o aspecto do futuro! (Herc, Pões.,
Pg. 74).
§ 236. a) O adverbio relativo onde pode ter antece-
dente elliptico: Pô-lo [no lugar] onde eu mandei:
Não ha grandes valles, senão onde ha grandes mon-
tes: não ha grandes funduras de humildade, senão onde
ha grandes alturas de virtude (H. P., 2, 218 v.). o cavai-
leiro negro não tardara a apparecer onde mais accesa
andava a briga (Herc, Eur., 118).
b) onde, precedido das prepos. de, desde, para, por,
até, significa o qual, fallando de coisas inanimadas, e no
port. arch. médio também de seres animados:
da mha Senhor ondeu [=de quem eu] bem averia
(Fernam Padrom, Vai, 563). Christo, que he a carta de
12
178 8YNTAXE HISTOKICA POUTDGCE8A
marear, per onde nos avemos de reger (H. P., /, 424-
424 V.). Este que vês, he Luso, d'onde a fama \ O nosso
Reino * Lusitânia* chama (Lus., VIII, 2).
c) No port. arch. médio também equivale a com o
que, designando com a causa, ou o meio:
pello grande inchamento do ventre vem-lhe fluxo
honde o cavalo torna /—se torna] fraco (Gir., Alv., 35).
muyto ha gratnde rrazom de profundamente gem^r e de sse
fundir em lagrimas a pessoa que assanha seu cryador, pe-
cando mortalmente honde peide Deos e o Paraiso (Castelo
Perigoso, ap. L. de Vasconc., Tex. Arch., 38).
d) por onde também equivale a pelo que referido a
um sentido (Vid. exemplo em Diego Aff., 53).
Obs. O que se diz de onde (em a)é valido a respeito
do arch. tt:
aia f=hajaj per u o pagar (Leis e posturas (Port.
Mon. Hist.), 269).
e) onde interrogativo, precedido das prepos. de, ou
por, pode significar que cousa?:
Por onde começará o sermão dos escrúpulos? (Vieira,
VII, 56).
f) O adverbio pronominal arch. ende e (em forma
apocopada) en, em, era empregado como prou. demons-
trativo com a significação de d'isso, d'elles, d'ellas. Prece-
dido da prepos, por (per) equivalia a por isso :
Muy mais uos amamos per en (Demanda do Santo
Graall, ap. L. de Vasconc, Textos arch., pg. 39). seerei
eu ende testemunha (Leis e posturas, pg. 309).
§ 237. O (a, os, as) mais de equivale a maior
parte de:
as mais [^a mor parte] das artes (Ceita, 134). Por-
que a gente de seu natural era inclinada ao bem, e dos
SYXTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 179
males que avia os mais procedião da falia de mestres,
poucos de malicia (Sousa, V. do Are., I, 406).
§ 238. a) Pode dizer-se assaz de com adjectivos:
assaz de endurecido devia ter ho coraçam (Bern. Rib.,
Me7i., 143 V.). minha fazenda que he assaz de pouca
(Carta de A ff. de Albuq., Torre do Tombo, gav. 15, m. 17,
n.^ 33).
b) assaz também se emprega como adjectivo:
ainda que a paz nam tivera outro bem, senam ser
couto e habilitaçam das musas, este era assaz (H, P,, 7,
Prologo).
§ 239. a como serve de perguntar o preço corres-
pondente a certa unidade:
nã sey a como foy vendido (Garcia de Orta, 14).
§ 240. a) assim também se emprega adjectivamente,
equivalendo a «tal » :
Essa gente . . não lê cousa nenhuma a não ser os pro-
fundos escriplos de Gaume, Donoso Cortez, Veuillot, e
outros sábios assim (Herc, Cas. Civ., 43).
b) Os adv. atrás e antes, por abreviação de expres-
são, empregam-se á maneira de adjectivos: 0.5 dias atrás.
CAPITULO VI
Da conjuncção
§ 241. Das conjuncções tratar-se-ha na Parte II.
CAPITULO VII
Da interjeição
§ 242. O que tem de dizer-se das interjeições na
syntaxe, vae no § 175.
180 8YNTAXE HISTÓRICA PORTUODESA
Additamentos á secção primeira
§ 243. Uma palavra ligada a outra, por uma expres-
são excepetiva, deve estar na forma correspondente á
funcção que exerce a palavra que se liga: sahiram todos
menos cu; fallou a todos menos a mim.
§ 244. Quando se coordenam dois termos que tem
construcção diíTerente (natural de, baptizado em), o re-
gular c dar a cada um dos termos a devida construcção:
natural da freguesia de Paranhos e nella baptizado, e
não unir os dois termos em uma só construcção : natural
e baptizado na freguesia de Paranhos:
não achando quem llies valha e os console (Arráez,
dial. V, ap. Barreto, 233).
É de notar, porem, não ser nada raro encontrar
neste ponto a correcção sacrificada á brevidade:
. . te hospedarei nà minha cabana, na qual podes
entrar sem temor, dormir sem perígo, e sair sem saudade
(Lobo, O Pastor Peregrino, 20, ap. Barreto, 235).
Em particular, pouco se extranha que se diga, v. g.:
tão bom, ou melhor que tu:
Sirva esta amplificação para mostrar como outros
Alexandres houve tão grandes, ou maiores que o Magno
(P. Man. Bernardes, Nov. Flor, 352, ap. Barreto, 244) (^).
§ 245. Na coordenação, os pron. átonos, quando
pospostos ao verbo, repetem-se junto de cada verbo:
depois de saudar-me e abraçar-me; quando antepostos,
podem subentender-se do primeiro verbo para o segun-
do e seguintes: depois de me saudar e abraçar:
t') Vid. mais exemplos om Barreto, 2U.
i
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 181
. . quando o vio, reçébeo-o e abraçou-o e beijou-o (Bar-
laão, 37). Achou nu irmitã e foi-o abraçar e beijar (Id.,
43). recebe-o e guarda-o (Garrett., Cam., 117).
§ 246. O plural de vários substantivos, que no sin-
gular designam um individuo do sexo" masculino, pode
designar os indivíduos de ambos os sexos, v. g.: pães
pode significar: o pae e a mãe:
Mas de Deos foi vingada em tempo breve; \ Tanta ve-
neração aos pais se deve! (Lus., III, 33).
§ 247. Quando duas prepos. pertencem para um
mesmo substantivo, por intermédio de uma conjuncção
copulativa, ou disjunctiva, diz-se, v. g.: vir com chapéu ou
sem chapéu, com chapéu ou sem elle, com ou sem chapéu.
§ 248. Os pron. e nom. numeraes uniformes do
plural, empregados para designar indivíduos de sexo dif-
ferente, consideram-se do género masculino:
O orgulho que a ambos [Eurico e Hermengarda] nos
fez desgraçados (Herc, Eur., 293).
§ 249. a) Quando se coordenam dois ou mais subs-
tantivos, os pron. e adjectivos biformes, ou nomes nume-
raes, e os artigos repetem-se normalmente junto de cada
substantivo; mas querendo dar-se rapidez ao discurso, e
quando os substantivos são proximamente synonymos,
podem subentender-se do primeiro substantivo para o
segundo, ou seguintes. Na coordenação com ou e nem
não se costumam repetir: todo o homem ou nmlher, ne-
nhum homem nem mulher:
Mas quem pode livrar-se por ventura \ Dos laços que
Amor arma brandamente \ Entre as rosas e a neve huma-
na pura, I O ouro e o alabastro transparente? (Lus., III,
142). levaram deante de si as varas e as segures (Vieira,
228, ap. Blut). O valle de Santarém é um doestes logares
privilegiados pela natureza. . em que as plantas, o ar, a
182 6YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
situação tudo está n'uma harmonia suavíssima e perfeita
(Garrett, Viag., 63). De um lado e de outro está a ambi-
ção e a cubica, de um lado e de outro a immoralidade, a
perdição e o desprezo da palavra de Deus (Id., 120). o si-
lencio, a magestade, a belleza toda da natureza era a mes-
ma (Id., 168). a vergonha, o despeito, a sede de vingança
estorciam -lhe o coração (Herc, Eur., 106). o silencio e es-
curidão de suas moitas mais fechadas, o abrigo solitário
de suas clareiras, tudo ó grandioso, sublime, inspirador
de elevados pensamentos (Garrett, Viag., 53). o fastio e
saciedade que o desencantaram depois (Id., 248).
Obs. 1." Quando ha hendiadys, nuo se repete o ar-
tigo no 2.^ substantivo:
Olha o muro e edifício nunca' crido | Que entre hum
impcrio e o outro se edifica (Lus., X, 130).
Obs. 2." Quando os substantivos são acompanha-
dos de predicados differentos, ou do circumstancias
differentos, ú necessária a repetição do artigo:
A assucena e o jasmim são brancos, a rosa vermelha,
o alecrim azid. . (Garrett, Viag., 152).
b) Quando se coordenam adjectivos attributos, o
artigo definido só se repete quando ha emphase e se
antepõe.
§ 250. Com respeito ú combinação de um e oídro,
deve notar-sc o seguinte:
Quando se falia só de dois seres (ou de dois con-
junctos de seres), diz-so:
a) um — (e) o outro, uma — (c) a outra; uns — (e) os
outros, umas — (e) as outras:
E esto se entende etn duas magneiras, a híia he que os
meMeiraaes e obreiros nom façam em 7ios dyas das feitas.
SYNTAXE HISTOKICA PORTUGUESA 183
E a outra magneira he que o homem ore e contempre
Deos nos dyas das festas (Corte Tmp., 254). Chamão,
segundo as leis que ali seguião, \ Huns Mafamede, e os
outros Sandic^go (Lus., Ill, 113).
b)- um, e outro, um e o otdro; uns e oídros, uns e os
outros; uma e outra, etc. :
As provindas que entre hum e o outro rio | Vês, com
varias nações, são infinitas (Lus., X, 108). Entre hum e
o outro rio em grande espaço \ Sai da larga terra hiia
longa ponta (Idem, VII, 19). Os dormitórios de híla, e
oídra casa são feitos por tal ordem que . . (Sousa, V. do
Are, 1, 203). De um lado e de otdro está a ambição e a
cubica (Garrett, Viag., 120). encontrámo-nos sem tecto
nem abrigo uns e otdros (Idem, 252). Uma e outra cousa
duraram apenas rápido instante (Herc, Eur., 218).
c) um ou oídro, uma ou oídra, uns ou oídros, etc.
d) nem um, nem otdro; 7iem uma, nem oídra; nem
uns, nem outros, etc:
[de Carlos e de Georgina] a nossa situação., não
é agradável nem para um. nem para outro (Garrett,
Viag., 208).
e) um contra o otdro, uma contra a oídra; um para
o outro, etc.:
n'uma noite ptira, serena e estreitada, aquelles dous
se despediram um do otdro no meio do valle (GaiTett,
Viag., 200). Nada a principio sabem nem presumem
uma da outra as duas rivaes (Cast., Outono, I, 124).
Fallando-se de um individuo do sexo masculino, e
de outro do sexo feminino, diz-se: um — o outro:
hum [BacchoJ pela infâmia que arrecea, \ E o outro
[VenusJ pelas honras que pretende, \ Debatem, e na per-
fia permanecem (Lus., I, 34). Repotisavam b&tn perto
um do outro a matéria e o espirito (Herc, Eur., 44).
184 8TNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
O port. arch. médio antepunha frequentemente a um
o artigo definido:
assy polia hunia parte conw pola outra (Foros da
Guarda, L. et Consuet, 332, P. Mon. Hisi.). o hu . . o outro
(H. R, 7, 126). os hiis . . hos outros (Diego Aff., 154).
Obs. Esta prática ainda se conserva na loc. fami-
liar: ú uma — á ouira (como observa J. Moreira, Est.,
1, 1-2).
PARTE II
Do emprego dos modos e tempos e da ligação
das orações
SECÇÃO I
Do emprego dos modos e tempos
CAPn'ULO I
Do indicatívo
§ 251. O indicativo emprega-se em todas as orações
para as quaes não ha regra que exija outro modo.
Tempos do indicativo
Do presente
§ 252. a) o presente serve, em primeiro lugar, de
designar o que se está dando no tempo presente (^).
Querendo-se designar explicitamente o que se está
dando no momento em que a pessoa faila, de modo que
não haja confusão com a designação do que costuma
acontecer, emprega-se a conjugação periphrastica, com-
(') Considera-se presente o período (século, anuo, etc.) dentro do qual está o
momento em que se falia.
186 SYNTAXE HISTÓRICA 1'ORTUGUESA
posta do verbo estar com o participio presente, ou com
o infinitivo presente precedido de a. (Assim, a alguém
que pergunte se pode agora fallar a um individuo, res-
ponder-se-lhe-ha, por cx.: «Agora não, porque está a
jantar» e não: porque janta).
Em segundo lugar, designa-so com o presente:
1) o que tendo começado em um momento do pas-
sado, continua ainda no tempo presente: Estou ha quatro
meses nesta casa (em inglês: I have been four months
in this housej:
vês o estado em que vives lia tantos annos (Vieira, /,
689-690).
Jamdhi ir/noro quid ugas (Cie, (id. faui., 7, D).
2) O que se repete e costuma acontecer (presente
iterativo): EUe janta habitualmente ás 5 horas.
3) o que se dá em todo o tempo (presente uni-
versal):
Beatos, c beatas são a peste da salvação e das cons-
ciências (Vieira, X, 91). Hmn bom modo doura hf/ não
(Brachyl. de Príncipes, 138).
4) o que tendo-se dado no passado, pode de algum
modo considerar-se presente:
São Bernardo . . [nas suas obras que actualm,ente
lemos] chama á ociosidade., madrasta das virtudes (H.,
R, I, 148).
Idemque [Chnjaipptis] disputai- aethera esse eum quem
homines Jovem appellarent (Cie, nat. deorum, 1, lõ).
b) Era narrações animadas e seguidas emprega-se
frequentemente o presente, em vez do pretérito definido,
como se o narrador estivesse naquelle momento a pre-
senciar os factos (presente histórico):
SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGUESA 187
Martim Moniz lhes tem roslo, os aperta, os rechaça,
os persegue; pela mesyna porta que os despejou, os recalca
para a praça, e, embevecido na niatança, se interna apoz
elles (Cast., Q. Hist., III, 71).
Obs. í." Imitando as liberdades da poesia latina
(v. Madv., 336, obs. l.*'), os nossos poetas antigos em-
pregam, ás vezos, o presente histórico com respeito a
factos avulsos, e até em orações relativas:
Nem o Peno, asperissimo contrario | Do Romano po-
der de nascimento, | Quando tantos matou da ilhistre
Roma, I Que alqueires três de anéis dos mortos toma
(Lus., III, 116).
Obs. 2." Para o emprego dos tempos das orações,
subordinadas a um presente histórico, deve este con-
siderar-se verdadeiro presente; todavia, os nossos es-
criptores, mormente os poetas, imitando a syntaxe la-
tina (v. Madv., § 382, obs. 1"), deixam ás vezes de seguir
esta praxe, e põem, v. g.: o pretérito imperfeito, em vez
do presente, como se na or. subordinante estivesse o
l^ret. perfeito:
Tirar Inês ao mundo determina (Lus., III, 123) O
velho pai sesudo, que respeita | O murmurar do povo e a
phantasia \ Do filho, que casar-se não queria (lá., III, 122).
c) 1) sobre o emprego do presente com o valor
de futuro imperfeito, v. § 258.
2) Era interrogações emprega-se o presente, quando
se pergunta o que ha-de fazer o sujeito do verbo, v. g.:
bato á porta ?
jam foris [^^fores] ferio (Plauto, Menech., 2, 2, 45).
188 SYNTAXE HISTÓRICA P0RTUGCE8A
Do imperfeito
§ 253. a) O pret. imperfeito emprega-se, em pri-
meiro lugar, quando, transportando-nos cora o pensa-
mento a uma época passada, descrevemos o que se es-
tava dando, quando uma cousa aconteceu:
O serviço militar tinha a natureza de eventual, por-
que não havia entre os visigodos exercito permanente (G.
Barros, ///, 807).
Mad., § 337.
Querendo-se designar explicitamente o que se estava
passando no momento em que uma cousa aconteceu, de
modo que não haja confusão com a designação do que
costumava acontecer, emprega-so a conjugação peri-
phrastica — composta do verbo estar com o participio
em -ndo, ou com o infinito presente precedido de a:
não lhe faltei, porque estava a jantar (estava jantando).
Em segundo lugar, designa-se com o imperfeito:
1) o que tendo começado anteriormente, continuava
ainda no tempo em que se deu um facto: Estava naquella
casa havia 4 meses (em inglês: I had been four months
in that house).
2) o que se repetia e continuava a acontecer no
passado :
Vinhão os estrangeiros a Roma, vião as Estatuas
daquelles varões famosos, e perguntavão pela de Catão.
Esta pergunta era a mayor estatua de todas (Vieira, /,
317). Antigaméte estavão os ministros ás portas das
cidades: agora estão as cidades ás portas dos ministros
(Id., /, 541, 542).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 189
Obs. Ainda fallando de faCtos insulados, emprega-
se, sobre tudo na conversação, o pret. imperfeito, em
vez do perfeito, para dar a entender que os aconteci-
mentos se representam tão vivamente na imaginação
de quem falia, como se naquelle momento se estives-
sem presenceando.
Em narrações animadas, pode empregar-se o pret.
imperfeito dos verbos de dizer em vez do pret. perfeito,
com o que se representa o ouvinte, ou o leitor, como
assistindo ao seguimento do discurso:
d'esia sorte o Gama respondia (Ltis., II, 103).
Cf. o imperfeito sàsy» etc, quando servem de in-
troduzir discursos directos.
Também se emprega o pret. imperfeito dos verbos
de dizer, em vez do pret. perfeito, quando uma pessoa
se reporta ao que aventou anteriormente, e quando reata
o fio do discurso:
Vede se mostra a experiência o que eu dizia, que
quando o nosso remédio mays se apressa, he por dili-
gêcia.. (Vieira, 285).
Obs. Fallando-se de um acto que está justamente
a effectuar-se, emprega-se.o pret. imperfeito, em vez
do presente, como expressão de modéstia: eu vinha
adverti-lo.
b) 1) Em orações, subordinadas a um tempo pre-
térito, pode empregar-se o imperfeito, em lugar do pre-
sente universal:
Euripedes dizia que a gloria do mundo nam durava
mais que hn dia (H. P., /, 18 v.).
Madv., § 383.
190 SYNTAXE inSTOKICA PORTUGUESA
2) Na indicação da naturalidade, genealogia, o qua-
lidades de um individuo, ainda quando tal indicação ó
apresentada absolutamente, sem se pôr em relação com al-
gum facto, a lingoa portuguesa emprega o imperfeito do
verbo ser (etc.) do preferencia ao pret. perfeito:
D. Duarte era de estatura mais que ordinária, ca-
bello castanho escuro, olhos pretos e vivos.
Em latim, porém, diz-se, de preferencia, v. g.:
slatura ftiil procera (Suet., Dom., 11).
3) Fallando de uma acção na qual só se deu o pri-
meiro passo, e que não foi por diante, emprega-se a
periphrase do imperfeito do verbo ir com infinito pre-
cedido de a, ou para, como correspondente do imperfeito
latino (v. Madv. § 337, obs. 1.'^):
e dizendo isto já hia a levantar-se para saJiir do
Senado (J. Liberato, Tácito, Annaes, 2, 34).
4) O que por pouco não aconteceu, também se ex-
prime com a periphrase do imperfeito de ir e o partici-
pio em -ndo do verbo respectivo: ia-me esquecendo de
fazer esta observação.
5) Também se emprega o pret. imperfeito, fallando
do que alguém se dispunha a fazer:
e oídro bacharel. . que cõ elle hia f= queria ir, dis-
punha-se a ir] endoudeceo de ver que. . (Garcia de Orta,
Col, 25).
c) Quando se falia de: <í dever alguém, cumprir a
alguém, ser dever de alguém, etc, fazer uma coisas, sub-
stitue-se normalmente o pret. perfeito pelo pret. im-
perfeito :
el ffcT o que non devia de ffazer (P. Mon. Hisi., Leis
e posturas de D. A ff. III, 280). Se servistes á Pátria que
SYNTAXE HISTÓRICA PORTCGUESA 191
VOS foy ingrata, vós fizestes o que devíeis, ella o que cos-
tuma (Vieira, J, 314). ele (Jesus Christo) deveu sobir aos
çeeos (C. Imperial, 218).
Ho pretérito perfeito deíiaido
§ 254. a) O pret. perfeito defÍDÍdo emprega-se, em
primeiro lugar, quando, transportando-nos mentalmente
ao passado, registamos acontecimentos que então se de-
ram, considerados como simples momentos históricos
(perfeito histórico):
^4 Hespanha romano -germânica iransformou-se na
Hespanha rigorosamente moderna no terrível cadinho da
conquista árabe (Herc, Eur., 314).
Obs. 1," Nas sentenças e ditos proverbiaes, que
encerram uma lição da experiência, pode exprimir-se
o que se considera appiicavel a todos os tempos, com
o pret. perf. definido, em lugar do presente:
Ca [= porquanto J diz a ve}'vo [^= o provérbio] ca
[=que] nõ semeou \ milho quê passarinhas receou
(Vat., D. João S. Coelho, 289). Armas alheyas, ainda
que sejam as de Achilles, a ninguém derão victoria (Viei-
ra, 7, 53).
b) Em segundo lugar, emprega-se, quando noticia-
mos o que no momento em que falíamos é facto con-
summado (pretérito absoluto):
Disse (formula empregada no fim de um discurso).
Na sentença: Quem morreu, morreu, concorrem os
dois pretéritos, o histórico e o absoluto (em grego:
-:cí>vã3iv oí 9-avcvTss: Euripides, Alceste, 541).
192 8YNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
Obs. í." Quando a enunciação de que um facto se
deu, so quer apresentar como simples negação de elle
ainda não se ter dado, a lingoa portuguesa, se o
contexto não deixa ver claramente a intenção de quem
falia, ajunta o adverbio já ao pret. definido (ao passo
qué outras lingoas, nomeadamente a inglesa, empre-
gam o pret. indefinido): Já foi a Sintra? (=já esteve em
Sintra?) (em inglês: Have you been at Sintra?).
Obs. 2." Sobre o pret. definido empregado em lugar
do m-q-perfeito, v. § 256 a.
Sobre o pret. definido com o valor de futuro perf.
emphatico, v. § 260.
Do pret. perfeito indefinido
§ 255. a) O pret. indefinido exprime a continuação
ou repetição d'uma acção desde certo momento até o
momento em que falíamos (^).
b) Também serve de exprimir que no momento em
que a pessoa falia, uma acção está consummada, com a
ideia accessoria de que não ha possibilidade, necessidade,
ou vontade de continuá-la (por outra, em contraposição
ao que seria mister, ou poderia ainda fazer-se):
Tenho acabado, Fieis, o meu discurso (Vieira, /, 950).
Obs. í." A significação que vae em 6) é a significa-
ção primitiva d'esta periphrase, que já existia com sen-
tido semelhante, mas com uso menos lato, no próprio
latim clássico, v. g.: Tu . . Ha censeo facias, ut si habes jam
stattitum, qtiid tibi agendum ptites . . sitpersedeas hoc labore
itineris (Cie, ad fam., 4, 12) (V. Madv., § 427).
0) Naa sandaçSes oure-se dizer frequentemente: Como pattmi? patsott htm?
qoando era natural dizer-se: como tem passado? Um passado bem? £ que a formula
pertence originariamente á saudação matutina: como passou (a noite)? passou bem'
(a noite) f e tornon-se impropriamente formula geral.
SYKTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 193
Obs. 2." A significação do pret. indefinido é, como
se vê, menos lata em português do que nas outras lin-
goas românicas. Diz-se por ex. em francês: Je vous ai
écrit (escrevi-vos) il y a une quinzaine de jours.
Obs. 5." Sobre o pret. indefinido com o valor de
fut. perf. emphatico v. § 260.
Do px*eterito mais que perfeito
§ 256. a) O pret. m-q-perfeito serve de exprimir
que uma acção já era passada, quando outra acção se
realizou, ou realizava:
Compararão o que Unhão sido com o que erão (Viei-
ra, 7, 310).
Todavia nas or. temporaes de logo que e seus syno-
nymos, emprega-se o pret. perfeito, em vez do m-q-per-
feito :
Logo que se retirou o inimigo, mandou D. João Mas-
carenhas enterrar os mortos (Freire, 255).
Pompejus, ut equitaium sutim pulsum vidif . , , acie ex-
cessit (César, 6. civ., 3, 94. (V. Madv., § 338, b).
Obs. 1.°- Em or. subordinadas pode o m-q-perfeito
estar em relação com um presente da or. subordinante,
quando este presente tem o sentido de pretérito.
Obs. 2." Só escriptores que se exprimem incorrecta-
mente, empregam o m-q-perfeito. em vez do pret. per-
feito.
Obs. 5." Do verbo dever determinado por um infi-
nito não se emprega o m-q-perfeito composto, mas
sim o simples.
b) O pret. m-q-perfeito simples também pode em-
pregar-se :
1) em lugar do presente condicional em or. condi-
cionadas :
13
194 SY.NTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Que fora a vida, se nella não houvera lagrymas?
(Herc, Eiir., 32).
2) Em lugar do imperfeito conjuntivo em or. opta-
tivas, condicionaes e concessivas, o no port. arclk. médio
ainda em outras:
Ainda que a paz nam tivera outro bem, senam ser
couto e habilaçam das musas, este era assaz (H. P., /,
Prologo). Se o desejo fizera a jornada, já lá estivera
(Chagas, Ca^-tas Esp., 236). Quisera eu desenganar-vos
tanto, que sahireys [=sahíreis] muyto descontentes de
vós (Vieira, I, 83). Nós para o futuro não temos palavra
alguma, e oxalá nem ideia tivéramos! (Cast, Q. Hist., I,
20-21). mil vezes dizendo suspirava, \ Que mais o seu
Zopyro são prezara \ Que vinte Babylonias que tomara
(Lus., 3, 41).
§ 257. Sobre tudo em or. temporaes, o port. arch.
médio emprega um tempo, composto do pret. definido
de ter ou haver, e do part. passivo de um verbo transi-
tivo, para exprimir que em certo momento do passado,
a acção estava consummada. (E o pret. anterior das
grammaticas francesas) :
Do que mliouve jurado (Pêro Garcia Burgalês, Vat.,
250). E quando ele houve começado o sermom (Mil. de
S.^° Ânt.°, 7). he de creer que algum angeo ouve levada
a carta de Samto António ao ministro (Id., 15). Despois
que Hercolles ouve feytas aquellas duas ymagées (Estoria
Geral, ap. L. de Vascon., Tex. Are, 45). el Rey teve de-
terminado de pelejar (Fern. Lopes, D. João I, 225). cu
depoys que tive feyta esta obra., vi-lhe tantas imperfei-
ções que.. (H. P., I, Prologo). Júlio César, depois que
teve superados quantos inimigos descobertos tinha (Eneida
port.''. Prologo).
SYNTAXE HISTÓRICA POUTCQUESA 195
Do futuro imperfaito
§ 258. a) O futuro imperfeito serve, era primeiro
lugar, de exprimir uma acção futura em relação ao tempo
presente (futuro imperfeito do presente):
Filho és, e peie serás: assim como fizeres, assim ha-
verás (Prov.),
b) De exprimir, em or. subordinadas — excepto
aquellas de que trata o § 279 — uma acção futura em
relação a um momento do passado serve o chamado
condicional presente (que, neste caso, vem a ser ver-
dadeiramente um futuro iníperfeito do pretérito):
Disse que voltaria, no dia seguinte:
promelteo-lhe [a JosiasJ o mesmo Deus em premio
destas boas obras, que morreria em paz (\''ieira, I, 1067).
Quando a acção, sendo futura em relação ao pas-
sado, o é também em relação ao presente, emprega-se
de ordinário o futuro imperfeito, em lugar do condicio-
nal presente: Disse que voltará amanhã.
Observações a este §. — 1.°- Sobre o conjunctivo, era lu-
gar do indicativo na designar-ão do futuro em certas es-
pécies de cr. subordinadas, v. adiante.
Obs. 2." Para exprimir a acção começada tem, em
geral, de empregar-se a periphrase do verbo estar com
o presente infinitivo precedido de a, ou com o partici-
pio em -ndo: Amanhã a estas horas estarei a jantar ou es-
tarei ja)itai'.do. Disse que no dia seguinte àquclla hora esta-
ria a jantar.
Obs. 3." O fut. imperfeito pode empregar-se com o
valor de imperativo (ou de conjunctivo que substituo
o imperativo negativo, v. adiante), de ordinário era pres-
cripções e recomendações moraes.
Noa occides. Non moechabcris. Non furtum fácies (Vulg,,
Êxodo, XX, 13-15).
196 SYNTAXK HISTOIUCA 1'ORTUGUESA
Também se emprega em sentido permissivo (na 2."
o S.*^ pess.): Farás o fjnc (iiiiseres.
Em or. interrogativas negativas serve de exprimir
uma ordem dada com impaciência: Não estarás calado?
Obs. 4." O presente indicativo também se emprega
como futuro imperfeito empliatico, e, na conversa^ilo,
como simples futuro imperfeito: Volto amanha:
SC no pHmeiro impelo não puderdes salvar as barreiras,
estaes perdido (Herc, Bobo, 180).
. . nisi id confestim facis, ego te tradam magistratui
(Corn. Nep., Epam., 4).
Semelliantemente nas orações em que o presente
condicional funcciona como futuro imperfeito do pre-
. terito, tambom se emprega o pret. imperfeito indicativo
{Disse que voltava no dia seguinte), e, se a acçào é futura
também em relação ao presente, o presente indicativo
{Disse que volta amanhã):
mandou lançar pregão por iodos os arrayaes, que no
dia seguinte se celebrava a festa do Senlior (Vieira, /, 468).
O port. arcli. médio substituia ás vezes o presente
condicional pelo imperfeito do conjunctivo em orarões
substantivas de que:
quem cuydasse . . . | certo que escolhesse ante \ cousa com
que SC matasse (Chiado, Pratica de oito figuras, 87, r.).
§ 259. Em segundo lugar, o futuro imperfeito serve,
fallando-se do presente, de representar a acção como
cousa simplesmente possível, ou simplesmente de suppor,
ou como affirmada com reserva: Que Jioras serão? (em
inglês: IVhat time may it be?):
a ilha de Baharem. . que estará cinco dias de nave-
gação da ilha de Ormuz (Aff. de Albuq., Comm., 26).
apenas haverá neste mesmo aiiditorio quem não possa
testemunhar nella [proposição] com a própria experiência
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 197
(Vieira, I, 335). Os soldados não serão pagos, vós sem-
pre sois pago (Id., ibid., 981). Haverá paz no tumulo?
(Herc, Eiir., 25). (Na tradução de David A. Cohen: Est-
il possible de trouver la paix dans le tomheau?).
Fallando-se do passado, emprega-se d'este modo,
correspondendo ao pret. imperfeito e ao pret. definido,
o condicional presente (Que horas serião, quando elle
chegou?); correspondendo ao pret. indefinido, o futuro
perfeito; correspondendo ao m-q-perfeito, o condicional
pretérito :
Mas qtial seria a causa doestes successos, e de duas
mudanças tão extranhas? (Vieira, I, 327). Que vos pa-
rece que responderia o Propheta neste caso? (Id. ibid.,
õOOJ. seria pela volta do meio dia, quando . . (Herc,
Lendas, II). Os doidos terão tido muytas soluções desta
grande duvida, mas eu cuydo que vos hey-de dar a
literal, e verdadeyra (Vieira, J, 569). Desta [preocupação]
é fácil possuirmo-nos, e nella terei eu caido mais de uma
vez (Herc, Op., III, 299).
Do futuro perfeito
§ 260. a) O fut. perfeito serve, em primeiro lugar,
de exprimir que uma acção futura em relação ao tempo
presente estará consumada antes de outra acção tam-
bém futura (futuro perfeito do presente): Quando
elle chegar, já eu terei jantado.
b) De exprimir, em or. subordinadas — excepto
aquellas de que trata o § 279 — que uma acção futura em
relação a um momento do passado estaria consummada
antes de outra acção também futura, serve o condicional
pretérito (que, neste caso, vem a ser verdadeiramente
um futuro perfeito do pretérito): Tinham dito
1S8 SYNTAXE HISTÓRICA POUTUOUESA
que no dia seguinte, quando eii chegasse, já elle teria
jantado.
Quando a acçào, sendo futura em relação ao pas-
sado, o ó também em relação ao presente, emprega-se o
futuro perfeito, em lugar do condicional pretérito: Dis-
seram que quando eu amanhã chegar, já elle terá jantado.
Observação 1." a este §. Sobre o conjunctivo, em lu-
gar do indicativo, relativamente ao fiit. perfeito, em cer-
tas espécies de orações, v. § 279.
Ohs. 2." O prct. perfeito também se emprega como
fiit. perfeito empliatico: Quando cIlc chegar, já eu tenho
jantado (e também: já eu jantei).
§ 261. Sobre o emprego do fut. perfeito, quando
serve de representar uma acção como simplesmente pos-
sível, ou simplesmente de suppor, ou como affirmada
com reserva, v. § 259.
§ 262. O fut. perfeito também serve de exprimir o
resultado seguro de uma acção futura : Se fizermos isto,
terevâos alcançado uma grande victoria (e emphatica-
mente: temos alcançado e alcançámos).
qui [Brutus] si conscrvaíus crit, vicimus (Cie, ad fam.,
12, G).
Do condicional
§ 263. O condicional presente e o condicional pre-
térito empregam-se em primeiro lugar, como tempos
propriamente do indicativo, o condic. presente como
futuro imperf. do pretérito, o condic. pretérito como fu-
turo perf. do pretérito; v. § 258, b, e 260, b.
§ 264. Em segundo lugar, o condicional emprega-se
nas orações condicionadas do período hypothetico do
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 199
irreal (^). Neste caso, fallando-se de uma cousa pre-
sente-ou futura, ou pertencente a todo o tempo, empre-
ga-se o condicional presente; fallando-se de uma cousa
passada, o condicional pretérito (-) :
Se não houvesse wgraiidoens, como haveria finezas?
(Vieira, I, 317).
Todavia também se emprega o condic. presente, em
vez do condic. pretérito, se o contexto deixa ver de que
tempo se trata.
Para exprimir segurança de que uma cousa aconte-
ceria pode o condicional presente ser substituído pelo
pretérito imperf-. do indicativo ; e o condicional pretérito
peio m-q-perfeito composto:
A perpétua, se cheirasse, \ Era a rainha das flores
(Leite de Vasconc, Pões. Amor., 97). Se a apanhasse,
esbofeieava-a (Herc, Monge, I, 279).
Obs. A condição multas vezes não se exprime com
uma or. condicional, mas sim de outra maneira, ou deduz-so
do contexto:
O' justiça, guia de nossa vida, o que seria do mundo
sem ti! (H. P., I, 23õ v.). N'esses campos de batalha. .
(') Os períodos bypotheticos constituem duas categorias. Em uma affirma-sa
simplesmente a relação entre a or. condicional e a or. condicionada, como quando
se diz: Se aquelle triangulo é eqiiilálero, nenhum dos seus ires angulas infernos é reclo.
Na outra nega-se implicitamente a realidade do enunciado condicional c do condi-
cionado; por ex., dizendo-se: Se um triangulo equilátero pudesse ter um angulo recto,
nem sempre a somma dos três ângulos internos d'um triangulo seria igual a dois rectos,
nega-se implicitamente que um triangulo equilátero possa ter um angulo recto, e
que a somma dos seus três ângulos internos deixe alguma vez de sor igual a dois
ângulos rectos. Esta segunda categoria costuma denominar-se a do irreal, e a pri-
meira, bem que impropriamente, a do real.
O É claro qii8 no poriodo hypothetico do real o condicional tem lugar como
futuro imperfeito do pretérito (§ 233, b), r. g. : Disse que sairia no dia 'seguinte, se
não chovesse.
200 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
I Das armas sob a mor talha, \ Porque exangue não fin-
dei ? I Entre os louros da victoria \ Morrera ao menos com
gloria (Passos, Poesias, 59).
Quando na or. condicionada se falia de uma cousa
como sendo possivel ou de dever, de conveniência, etc,
fazer-se, ou ter-so feito (com os verbos e locuções taes
como poder, dever, haver de), mas que não se faz, ou não
se fez, emprega-se o pret. imperfeito do indicativo (tanto
com respeito á actualidade como ao passado) :
Se soubéssemos o que nos está bem, ou mal: como
nos havíamos de dar muytas vezes por bem despachados
com aquelle mesmo, que chamamos máo despacho ! (Viei-
ra, I, 333).
omnibus eiim conhuneliis onerasli, quem palris loco, si
ulla in te pietas esset, colere dcbebas (Cie, Philipp., 3, 38).
V. Mad7. § 348, c.
Neste caso, o condicional (ou o m-q-perfeito simples)
só tem lugar, geralmente, como afflrraação modesta.
Obs. A mesma praxo se segue, quando, sem haver or.
condicional, se falia de uma cousa, como sendo possivel
ou de dever, de conveniência, etc, fazer-se ou ter-se feito,
mas que nSo se faz ou nío se fez:
Bem poderás, ó Sol, da vista doestes \ Tens 7'aios
apartar aquelle dia (Lus., III, 133).
[Chaldaei] oculorum fallacissimo sensu judicant ea, quae
rationc atqiie animo videre debebant (Cie, de divin, 2, 48).
V. Madv. § 348, c, obs.
§ 265. O 'condicional (e o m-q-perfeito simples)
também serve de exprimir uma aítirmaoào modesta.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 201
Do conjunctiro
Conjunctivo em orações prineipaes
§ 266. a) o conjunctivo emprega-se de modo inde-
pendente fazendo as vezes de l.'^ e 3. a pessoa do im-
perativo e nas prohibições:
Esternos quedas, e ajamos boa esperança (Fabul.,
fab. 57). Não saybas mais do necessário, porque não fi-
ques boto (H. P., II, 235 V., 236). Animo, animo, meus
filhos : não aja ninguém que desmaye (Sousa, V. do Are.,
I, 482). Gema embora a terra inteira | Acurvada a ini-
quas leis: \ Esta fronte sobranceira \ Jamais de rojo a ve-
reis (Passos, P., 69). Outros louvem teus paços sumptuosos,
I Teu ouro, teu poder : — sentina impura \ De corrupções,
teus não serão meus hymnos! (Herc., Pões., pg. 60).
Meminerimus eliam adversiis ínfimos jnslitiam esse ser-
randam (Cie, de off., I, 13). Aid bibat, aut abeat (Cie,
Tíísc, 5, 41). Vcriim ne post conferas culpam in me (Ter.,
Eun., 2, 3, 97-98).
Obs. Uma petição, recommendação instante também
se exprime ellipticamente com uma or. subordinada intro-
duzida por que:
Por Deus, que me ajudeis a salvar a minha pobre
Hermengarda (Herc, Eur., 185). Que se me permitia agora
apontar alguns factos (Id., Cas. Civ., 68).
b) Também tem sentido imperativo as orações do
pret. imperfeito, ou m-q-perf. do conjunctivo, coordena-
das a uma or. do condicional, correspondendo este con-
juncto a um período hypothetico do irreal (v. § 264),
v. g. : Fosses e verias (=Se tivesses ido, verias).
202 syntaxf; msToiacA portuguesa
Obs. Como corrospondentos a períodos hopotheticos
do real, ernpregam-se orações do imperativo (ou do con-
junctivo que substituo o imperativo) coordenadas a orações
do futuro indicativo, v. g.: Vete e verás ( = Se fores, verás).
c) Com sentido imperativo emprega-so o conjun-
ctivo, no m-q-perfeito, ou no pret. impcrf., servindo de
exprimir o que devora ter-se feito (em contraposição
ao que se fez) (jussivo do passado):
Mas quem ião fora estava da verdade, | Já que o
juizo humano tanto erra, \ Pêra que do mais certo se in-
formara, \ Ao Campo Damasceno o perguntara (Lus., 111,9).
Frumentum . . nc cmisses (Cie, Vcrr., 3, 84).
/ § 267. a) o conjunctivo serve de exprimir um de-
•■ sejo (conjunctivo optativo).
Gomo simples expressão optativa, porêra, não se usa
na 2.^ pessoa, e geralmente fatiando, na 3.* pessoa, só em
certas phrases cstereotypadas :
Queira Deos [Dcos queira] que — Praza aos céos —
O Diabo seja surdo. Deos seja nesta casa. E prouvesse
a Deos que tivessem todos os princlpes taes pagens (H. P., /,
42 V.) Senhor, seja bem chegado (Prestes, 63).
Obs. 1." No port. arei), mcdio também se empregava,
om fórmulas do saudaç.'lo, o presente conjunctivo da 2."
pessoa:
Natonio, tenhas prazer, \ Lhe disse, gram brado dando
(Crisfal, 35). Comadre [vocativo], venhaes embora (Chiado,
Regaieiras, 98 -y., — fórmula do saudação conservada no
provérbio: i^ Agora que tenho ovelha e borrego, todos me
dizem: venhaes embora Pedro»).
Obs. 2." Em algumas fórmulas usa-so uma or. subor-
dinada de que: Que lhe faça muilo bom proveUo.
SYNTAXE IirSTOUICA POUTUGUESA 203
b) O conjunctivo optativo tem lugar particularmente,
em todas as pessoas :
1) Nas assegiirações :
a) Combinado com uma or. condicional: Eu não
viva mais que ir.na hora, se isto não é verdade.
g) Formando o primeiro membro de um período
comparativo :
Assim eu tenha saiide, corno isto é verdade.
Fcream, nisi soriicHus sum (Cassio em Cie, ad fam.,
15, 19). Sic valeas, ut farina es {Phaed., 4, 2).
2) Eni orações, introduzidas por assim, e no port.
archr por se, que exprimem um voto formulado a favor
de alguém no caso de nos outorgar um pedido :
Amigo, se bem ajades, \ rogo-vos que mi digades
(Stevam Reymondo, Vat., 294).
Sic te diva pólens Cupri, \ Sic fratres Hehnae, Incida
sidera (Hor., 3).
c) A expressão do desejo reforça-se, em todas as
pessoas, antepondo a interjeição oxalá (que substituiu o
latim utinam (oxalá que):
Oxalá nujica saibas quão intenso e atroz é o meu tor-
mento (Herc, Eur., 48).' Oxalá que os meus tristes roubos
sejam desmentidos pelo esforço dos guerreiros godos (Id.
ibid,, 72). Oxalá que eu me enganasse (Id. ibid., 81}
d) Emphaticamente exprime-se um desejo:
a) Com a exclamação Quem (me, etc.) dera, com
uma or. de qiie, com infinito, ou com palavra substantiva:
Quem me dera morrer em algum souto sombrio
(Arraes, 7). Oh quem me dera ter neste auditório a todo
o mundo! (Vieira, I, 686). Quem me dera que me ouvira
204 SYNTAXR HISTOIUCA PORTUGUESA
agora Hespanha . . . ! (Id. ibid.). Quem dera cá utn bata-
lhão de poetas como aquelle (Garrett, Viagens, 41).
p) Com exclamações do tipo da seguinte:
Quem fosse tam ditoso que visse este dia (H. P., 7, 476,
476 V.).
y) Com a exclamação tomara :
Tomara que me respondêsseis a esta evidencia (Vieira,
7, 82). Tomára-me eu já lá (Garrett, Fr. Luiz de Sousa,
acto I). Tomáramos nós que todos os vigários geraes do
nosso tempo soubessem tanto do seu officio como sabia o
padre Lourenço Paes (Herc, Cas. Civ., 36).
5) (No port. moderno) com o presente conjunct.,
em todas as pessoas, do verbo poder com um infinito :
se é esta uma nova illusão que Morpheu me envia . .
possa eu não acordar jamais ! (Cast., Chave, 58).
e) Fallando do quo não pode realizar-se, empre-
ga-se (nas três pessoas), com respeito ao presente, o pret.
imperfeito; com respeito ao passado, o pret. imperfeito
e m-q-perfeito :
assim tivera eu vivido ! (Garrett, Viagens, 215). Nunca
eu fora ver tal! (Herc, Monge, II, 351).
>
Obs. O conjunctivo optativo tarabom pode eslar em
or. relativas:
Impressa tenJio na alma larga historia \ Deste j^as-
sado bem, que nunca fora {Cam. , Son. xviii). ..seu ma-
rido I que Deos haja (Prestes, 389).
§ 268. O conjunctivo emprega-so independentemente,
a par com o indicativo, nas orações de talvez o quiçá
(conjunctivo potencial):
no mundo todo talvez se não ache um paiz onde. . se
encontrem tam villans, tam ridiculas, e absurdas construc-
ções públicas como essas quasi todas que ha um século se
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 205
fazem em Portugal (Garrett, Viag., 180). Talvez foi elle
1 O primeiro cantor que.. \ Sonhe entoar melodioso um
hymno (Herc, Pões., pg. 23).
quae [res\ forsUan robis parvae esse videantur (Cie,
Verr., 4, 21).
§ 269. O conjunctivo emprega-se na enunciação
de casos que se pretende que se supponha darem-se, ca-
sos que formam uma disjuncção, ou asyndectica (queira,
não queira), ou com quer-qtier, ou-ou (quer queira-quer
não queira) :
Para os haver, fossem validos, fossem mdlos (Herc,
Cas. Civil, 66). Ou dissesse não, ou dissesse si, sempre
ficava no laço (Vieira, I, 777). Toan doze jiortas, em cada
Jma assiste guarda immortal armado de diamante, abertas
sempre, ou caya a noyle triste, ou rindo a bella Aurora se
levante (Mal. conquistada, 1, 49, ap. Blut.). A intolerân-
cia, quer venha da direita, quer venha da esquerda, é
sempre a intolerância (Herc, Cas. Civ., 101).
Era latim: relim, nolim; \. Madv., 442, b, obs.
Aquellas disjunctivas correspondem em latim s/re-síve;
mas as orações que ellas introduzem sSo rigorosamente
condicionaes (si-ve), v. g. : Mala et impia consueíudo est
contra deos dispittandi, sive ex animo id fit, sive simulate
(Cie, de nat. deor., 2, 67) ( = se se faz de veras, é má prá-
tica; se se faz a fingir, é-o também).
Obs. O mesmo sentido tem uma or. subordinada in-
troduzida por que:
Que chova, que não chova, meu amo me dará que
coma (Prov.).
20Ô SYNTAXE HtSTOUICA PORTUGUESA
Conjunctivo om orações subordinadas
§ 270. Tem o verbo no conjunctivo: as orações
substantivas introduzidas pela conjuncção que (ás vezes
occulta), dependentes :
1) dos verbos e locuções, substantivas e adjectivas,
que exprimem a ideia de, por qualquer modo, fazer ou
impedir, ou querer que urna cousa aconteça, v. g.:
fazer, conseguir ; pedir, p.ri./ir : (ico)iseJlt'(r, voUir; ordenar^
prohibir ; conceder, con^oiHr. desejar:
O' quanto deve o Bei qne bem goroma j De olhar
que os conselheiros ou privados \ De r vr-
iude interna \ E de sincero amor seja" nontiu-s: [Las.,
VIII, 54). não quer mays, nem põem orírn condição, se-
não que se lhe ajuelhem (Vieira, I, 1019). Lançou bando
que todos os súbditos do seu império . . IJie viessem offere-
cer sacrifício (lã., S. de -S7" Catli.. 7). Já que, Senhor,
não sois servido cpie eu sa^jl/a a - ■iitha morte
(Id., /, Í0S7).
Obs. Em: que o casligou Deos com ([hc não ryitrasse
na ferra de Promissão (Vieira, I, 713), pareço haver uma
construcçào elliptica; sendo que Vieira tinha na mente
castigou com f a>;er í/í/p )i'to rn> letra de Promissão.
Esto conjunctivo represeiitu u conjunctivo latino (com
;/, iic, qidu, quo miniis) depois dos verbos e locuções
da mesma significação quo a dos portugueses. V. Madv.
§ 3Õ4.
2) dos que exprimem a ideia de temer ou
esperar que uma cou.sa aconteça:
[Abrahão] tcmeo que como mulher, c mãe, [Sara]
não íivcspc valor para CG}i-'<c)il!r no sacriptcio (Vieira, 7,
603).
SYNTAXK HISTOUICA POUTCGUESA 207
V. Madv., § 351.
Obs. 1." Depois d'estes Verbos também se emprega,
mas é pouco usual, o indicativo fut. (e o condicional pre-
sente) :
temerõ que sseeryam descobertos (Fragmen. da vida
de S. Nicolau, 4). elle temia que descobrindo-lhe sua
tenção ella trabalharia por delia ho desviar (Diego Aff.,
10). ' espero da vossa piedade, e do vosso juízo, que
aceytareys este bom conselho (Vieira, I, 142).
Obs. 2." Depois de esperar que — = esperar até quo — ,
também se emprega o conjuuctivo :
Mas os Mouros que andavão pela praia \ . . Esperão
que a guerreira gente saia (Lus., I, 86).
3) dos que exprimem a ideia de admirarão, ou con-
tentamento, ou descontentamento :
Admirou-se [Izaac] de [que tão depressa pudesse [o
filho] ter achado a caça (Vieira, I, 534).
4) dos que exprimem a ideia de ser raro, ser pro-
vável, ser possível ; importar, ser necessário, ser justo, ser
difficíl, ser extranho, ou outro conceito semelhante, ou
contrario a estes ; e dos que, de qualquer modo, expri-
mem a ideia, de achar oa declarar uma cousa tal
como a representam as locuções precedentes :
Também será bem feito que tenhais j Da terra algum
refresco, e que o Regente \ Que esta terra governa, que vos
veja I E do mais necessário vos proveja (Lus., I, 55).
Que importa que as mãos de Pilatos estejão lavadas,
se a consciência não está limpa ? (Vieira^ I, 553). bastou
que fossem homens, para que tentassem mais fortemente
a Job, que o mesmo demónio (Id., I, 826). parece cousa
dura, que havendo necessariamente um homem de trattar
com os homens, se haja de guardar de todos os homens
208 SYNTAXE UISTOKltA iuiiiUHtSA
(Id. ibid,, 830). Não he melhor que faça desde logo a
razão, o que depois ha-de fazer a natureza ? (Id. ibid.,
1045). Ah sepodesses vêr, doce inimiga, \ O estrago que me
causa esta saudade, \ Pode ser que o impulso da piedade
I Te obrigasse ao que o Amor te não obriga (Quita, 135).
E' importante sempre que a legislação nova signifique an-
tes um aperfeiçoamento da antiga, do que uma douirina
ou recente, ou peregrina (Herc, Cas. Civ., 11). ^
Obs. É de notar o emprego elliptico de uma cr. do
conjanctivo introduzida por que (como se antes se hou-
vesse dicto: «É possível») em exclamações que represen-
tam uma cousa como difficil de admittir:
E que com esta carga ás costas andem tão leves como
andão? (Vieira, 494). Que tivesse resolução hu gentio
[Demócrito] , para arrancar os olhos por amor da pu-
reza; e que não tenha animo, nem valor, hum Christão
para os fechar! (Id. ibid., S91).
Egonc ut te inierpelkm (Cie, Tusc, 2, 18); v, Madv,
§ 353, obs.
5) dos que exprimem a ideia de acontecer, quan-
do a expressão subordinante é negativa ou não repre-
senta uma realidade.
Obs. A esta categoria pertence o conjunctivo na or.
de que, na loc. a não ser que, no caso que (ou simplesmente
caso que, caso (com ellipse de que), dado caso que.
6) do verbo duvidar, e do substant. dúvida e du-
vidoso, quando empregados afíirmativamente.
Obs. Empregados negativamente, ou interrogativa-
mente, podem ter o verbo da or. substantiva no indicativo.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 209
Observação a este §. Quando as or. substantivas, de
que trata efte §, exprimem uma realidade, os escriptores
do período arch. e médio, algumas vezes, empregam o indi-
cativo:
Senhor, pois que m' agora Bens guisou \ que vos vejo
e vos posso fallar, \ quero-vo-la mha fazenda mostrar
(Lang., 20). Como quer que seja, basta que he hum ani-
mal que vive no fogo (H. P., I, 270 v.). prouve a nosso
Senhor que virarão (^viraram) as costas (F. Mendes
Pinto, 10). He possível que eu me hey de apartar para
sempre deste mundo . . . ! (Vieira, J, 941). Conseguio [M.
P, Catão], como refere Plinio, que ninguém no seu Con-
sulado se atreveo a lhe pedir cousa, que não fosse justa
(Id., II, 104).
§ 271. a) As orações substantivas introduzidas pela
conjuncção qtie, dependentes: 1) dos verbos que expri-
mem a ideia de pensar ou saber, ou perceber;
2)* do verbo parecer (e synonymos); 3) das loc. ser
certo, ser evidente (e synonymos) ; 4) dos verbos que ex-
primem a ideia de provar ou declarar (represen-
tando a or. substantiva a cousa provada ou declarada) ;
5) dos substantivos e adjectivos correspondentes a estes
verbos e locuções, — podem ter o verbo no conjunctivo,
quando a or. siibordinante é negativa, ou interrogativa
de sentido negativo, e se pretende realçar a negação:
Não quer dizer o Apostolo que não fosse verdadeyra
historia (Vieira, I, 598).
Obs. O port. arch. médio emprega ás vezes o con-
junctivo (do presente e imperfeito) em lugar do indicativo
(do futuro) e condicional (do presente) nas orações sub-
^ stantivas dependentes dos verbos de declarar, particular-
mente, depois dos verbos de prometler e afiançar, ainda
quando estes pertencem a orações affirmativas :
14
210 8YNTAXK HISTÓRICA PORTUODE8A
Em quanto for o mundo rodeado \ Dos Apollineos
raios, eu te fico, | Que elle seja entre a gente illu^tre e cla-
ro, I E tu nisto culpado por avaro (Lus., X, 25). fico que
não ficasse pedra sobre pedra (Camões, Filodemo, III, 157).
A oração substantiva de que dependente de ignorar
também pode ter o verbo no conjunctivo.
b) As orações substantivas de que, dependentes dos
verbos de pensar (e das locuções synonymas), podem
ter o verbo no conjunctivo, quando se quer dar a enten-
der que o enunciado da or. substantiva não se verifica:
cuidava que elle estivesse [mas não estava] em casa.
c) As orações substantivas de que, dependentes de
um verbo do conjunctivo pertencente a uma or. adver-
bial ou relativa, podem ter o verbo no conjunctivo:
Se víssemos que hum cego andasse apregoando, e
vendendo olhos, não seria riso das gentes e da mesma na-
tureza ? (Vieira, I, 677).
d) Quando ás palavras único, tdtimo, primeiro, e os
outros ordinaes, se liga uma or. relativa, para explicar
em que sentido se hão-de tomar aquellas palavras, e o
relativo introduz ao ,mesmo tempo (§ 3õ6) uma or., cujo
verbo ó algum dos indicados em a), e a or. substantiva
de que, dependente d'este verbo, — pode a or. substantiva
ter o verbo no conjunctivo:
Esta foy a única vez, que sabemos da Historia Sa-
grada, que Christo escrevesse de seo punho (Vieira, /, 785).
e) As or. substantivas de qup, dependentes dos
verbos e locuções indicadas em a), quando precedem a
oração subordinante, podem ter o verbo no conjunctivo:
Que estas três cousas estivessem n'arca do testamento
di-lo São Paulo na epistola aos Hebreos (H. P., //, 399).
Que possa isto suceder, e que tenha já sucedido, o Proffta
Jeremias o affirma (Vieira, /, 515).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 211
f) Os escriptores do período arch. med. empregam,
mas raras vezes, orações conjunctivas de que, a servirem
de sujeito a verbos de provar (em lugar de or. infini-
tivas) :
Grande credito, e grande confiança argúe, que nes-
tas mãos, e nestas pétnas ponhão os reys a sua honra
(Vieira, /, 512).
§ 272. a) Quando em uma or. interrogativa subor-
dinada a uma expressão de incerteza ou irresolução, se
quer fallar do que ha ou havia de fazer-se em certo
caso, o conjunctivo (do presente e pret. imperfeito) serve
por si só de exprimir a ideia de haver-se de fazer uma
cousa:
Não sabia em que modo festejasse \ O Rei pagão os
fortes navegantes (Lus., VI, 1). não sabe se responda ou
cale (Mal. conquistada, 10, 17, ap. Blut.). Ho prior nã
sabendo que fizesse disse contra os monges (Diego Aff.,
297). Não sabia que respondesse o porteiro de embara-
çado em ouvir Ima cousa a seu parecer tão nova (Sousa,
V. do Are.,' 1, 187).
Neque satis Bruto., fel tribunis inilition.. constábat quid
agerent (Cie, bell. galL, 3, 14) (V, Madv., § 356, obs. 2.").
Outro tanto acontece nas or. rehitivas que, ligadas a
um substantivo ou pron. demonstrativo, substituem or.
interrogativas.
b) As orações interrogativas indirectas podem ter
o verbo ne conjunctivo:
1) quando a or. subordinante exprime directamente
ou envolve a ideia de desconhecimento:
Vio-se perplexo, e atalhado S. Pedro, porque não
sabia, qual fosse a tenção de seu Mestre neste ponto de
212 SYNTAXE HiSTOUICA PORTDODK8A
tanta consequência (Vieira, I, 783). não acabavam de
entender como já ali não apparecesse neM resto de ta-
manho espirito (Cast., Hist., /, 73).
2) quando a or. interrogativa precede a subordi-
nante :
Quam grandes e incomportáveis sejam os trabalhos
dos que bem governam, senlio bem Turbo (H. P., /, 193t).
Qual a matéria seja, não se enxerga (Lu^., X, 78).
Era latim o indicativo em or. interrogativas indirectas
era da fingoagem popular: [mathemalicus] mihi non dixcrat,
quid pridie cenavetam, diz Triraalcht&o em Petionio, 76.
V. Schmalz.
§ 273. a) Tem o verbo no conjunetivo as or. con-
junceionais seguintes:
1) as condicionaes de se pertencentes ao período
hypothetico do irreal (v. § 264) (no pret. imperfeito,
fallando-se do presente ou passado; no m-q-perfeito,
fallando-se do passado):
Se não houvesse ingratidoens, como haveria finezas?
(Vieira, I, 317).
Este conjunetivo pode ser emphaticamente substi-
tuído (sobre tudo no e.stilo familiar) pelo pret. indefi-
nido, e pelo presente do indicativo, v. g.: se Júlio tem
sido encarregado, não acontecia este desastre; se estou
agora em casa, assistia a um espectáculo muito triste.
2) as de contanto que e locuções synonimas (com
tal que [arch. médio], uma vez gtte = com tanto que):
Não podiam ser açoitados, e podiam ter os filhos em
seu poder, com tal que fossem liavidos de mulher romana
(Arráiz, 4, 9, ap. Barreto, 174).
3) as consecutivas, quando exprimem simplesmente
uma concepção (e nào uma realidade):
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 213
Não vedes que podeis cahir, e que pode ser tal a
queda, que funeste um dia tão alegre..? (Vieira, I, 672).
que segurança pode haver tão confiada, que entre os
abraços mais lisonjeiros da felicidade não tema os seus
revezes? (Id., XI, 12).
As orações de sem que e de: não {nunca, etc.) — que
não, tem sempre o verbo no conjunctivo:
Nunca comeo [Job] hna fatia de pão que não par-
tisse delia com os pobres (Vieira, 7, 1091). não podião
assomar-se, que os não pescassem as balas do inimigo
(Freire, 137). Duas vozes., uma d'aqui de dentro, otUra
lá de cima, as quaes me não consentirão nenhum des-
canço, sem que as haja obedecidas (Cast., O. Hist., III, 48),
No latim clássico, as or. consecutivas tem o verbo no
conjunctivo (Madv., § 3õ5); na decadência, occorrem com o
indicativo, quando representam uma realidade.
4) as finaes:
não sei como diga, para que a entendam, a verdade
que me abafa (Cast., Q. Hist., I, 25).
Madv., §§ 355, 363.
5) as causaes (de porque e que), quando se declara
que tal não é a causa verdadeira:
E não porque fossem olhos de tal maneyra cegos, que
não vissem, mas porque vião trocadamente húa cousa
por outra (Vieira, I, 655). Quantas cousas se negão aos
grandes sojeitos como David, não porque não sejão dignos
e dignissimos delias, mas porque não contentão aos do
Conselho dos Reys (Id., //, 125).
O emprego, menos regular, do indicativo é raro.
ai4
eVNTAXE HI8T0RI9A PORTUGUESA
Madv., § 357, b.
Também nas causaes de ou porque — ou porque, fal-
lando-se de cousas hypotheticas: ou porque fosse já
tarde, ou porque estivesse cansado, não quis ir.
6) as de como, quando (com o pret. imperf. e o
m-q-perf.) servem de expor a sucessão dos aconteci-
mentos.
Madv., § 3Õ8.
7) as de antes que e primeiro que:
primeiro refuta as razões contrayras, que confirme
os suas (H. P., /, 27). Coroemo-nos de 7'osas antes que
se murchem (Vieira, I, 1055). bem nos cançaremos nós
de escrever e de pintar, primeiro que esgotemos todas as
gloriosas memorias doeste mimoso, fecundo . . e bem inve-
jado, canto do mundo (Cast., Q. Hist., I, 31).
Madv., § 3G0.
8) as de até que e depois que, quando se quer ex-
primir propósito:
Mas com risonho e ledo fingimento \ Tratá-los bran-
damente determina, \ Até que mostrar possa o que imagina
(Lus., I, 69).
Madv., § 360.
9) as concessivas (de ainda que, posto que, bem
que, conquanto, etc), quando se falia de uma cousa sup-
posta; fallando-se de caso real, pode empregar-se o
conjunctivo; nas introduzidas por embora sempre se põe
o conjunctivo:
9YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 215
Ainda quando vos pusessem nesses officios, Unheis
obrigação de seguir os officios, e confessar os erros
(Vieira, I, 482). Ainda que [os homens] sejão amigos,
guardai-vos delles (Id., I, 823). A gente que esta terra
possuía, I Posto que todos Ethiopes erão, \ Mais humana
no trato parecia, \ Que os outros que tão mal nos rece-
berão (Lus., V, 62). E posto que semelhantes reserva-
ções são muyto justas (Vieira, 371, ap. Blut.). O despo-
tismo produz ás vezes o bem, ainda que em regra só
produza males (Herc, Op., II, 319). Embora o mundo
me impeça, | tenha eu tnares a vencer, \ nada fará que me
esqueça | do teu sepulchro, mulher (Thom. Rib., D. Jay-
me, 141).
b) Tem o verbo no indicativo ou no conjunctivo
as orações causaes de como e como quer que:
Como [os dois discipulos] Unhão livre a vista, vião
a Christo: como Unhão presa a advertência, não conhecião
que era elle (Vieira, I, 642).
c) As orações de : por mais — que, por muito— que, por
(v. g. grande) que, tem o verbo no conjunctivo, quando
88 falia d'uma simples concepção; no conjunctivo ou
no indicativo, quando se falia de uma realidade:
animosamente respondeo, que de informações, por boas
que fossem, não avia que fiar, nem fazer caso (Sousa, V.
do Are, I, 49).
§ 274. a) Tem o verbo no conjunctivo as or. rela-
tivas que exprimem uma simples concepção (v. g., as
finaes) :
Nam vistes nunca nenhum verdadeiro humilde, que
fosse cubiçoso (H. P., /, 59). Que medico ha, que repare
no gosto do enfermo, quando tratta de lhe dar saúde?
(Vieira, I, 80). Não he Saul homem que queyra junto a
si tamanho homem [como David] (Id., /, 822). Um bordão
2i6 SYNTAXE HI8T0UI0A PORTUGUESA
único I A que me arrime na escabrosa senda \ Me não
ficou (Garrett, Cam., II). Aqui será o tribunal para onde
de todos os outros se appclle, e d'onde se não appelle para
nenhum (Cast., Q. Hist., /, 82). O alvará . . deroga as leis
posteriores que o contradissessem (Herc, Cas. Civ., 109).
Obs. 1." A esta categoria pertence o conjunctivo
nas periphrases relativas indefinidas como: ^uem guer
que seja:
Não podia obstar a que o preso escrevesse a quem
quer que fosse (Camillo, A. de perdição, 214).
Obs. 2* Nas or, relativas que exprimem a desti-
nação d'uma cousa, pôde, não sendo o relativo sujeito,
empregar-se, em lugar do conjunctivo, o infinitivo (que
em rigor depeíide do presente ou pret. imperf. do verbo
poder subentendido):
dizia elle [Christo], que as raposas tinhão choças, onde
se recolhessem, e as avezinhas onde repousassem, e que elle
não tinha onde reclinar a cabeça (H. P., //, 47, v.). fez-
vos Deos mercê de vos dar abundância de bens, com que
sustentar húa casa miiyio honrada (Vieira, I, 713).
Non inueni7ntts lapides peregrinos qtios ponere (Groma-
tici, 3õ0, 3; Lachm; ap. LOfstedt, Komm, 2õl).
Quando era uma or. d'estas se falia de uma cousa
como havendo de fazer-se, e a or. se liga ao comple-
mento directo de ter ou haver, o uso ordinário é empre-
gar (ellipticamente) o infinitivo, em lugar do conjunctivo:
eora [=e ora] já non ey ren que temer (Pêro Mendes
da Fonseca, Vat.'^, 717). Estas cousas tive, que vos dizer
SYNTAXE HISTÓRICA PORTCOUKSA 217
da velhice (Góes, C. Ai., 113, tradução de: Haec habui, de
senectiite quae dicerem). temos niuyto que andar (H. P., /,
145). daquella Senhora, que não teve peccados que chorar
(Vieira, /, 849). Não tenho já que esperar, tenho só de
que chorar, e de que me arrepender (R. da Silva, Moci-
dade, 3, 315).
De quo nos nihil amplius habemus qnod dicere (Jul.
Capitol., Maxim, duo, no coU. Bambergense e no Pala-
tino).
b) Tem o verbo no conjunctivo as or. introduzidas
pelo relativo que (e cujo), quando, á maneira de paren-
these, restringem a generalidade d'um asserto:
neste longo período nem uma voz, que eu saiba, se
ergueu para dizer que . . (Herc., Op., II, 27). Nas cartas
de foral dadas por Ordens Militares só apparece, que sai-
bamos, um exemplo de se estabelecer percentagem sobre a
venda (G. Barros, III, 585).
Em latim: quod sciam, quod meminerimus ; v. Madv.,
§ 364, obs. 2.".
c) As or. relativas de quem equivalente a: pessoa
que, pessoas que, tem o verbo no conjunctivo, quando
a or. subordinante é ha, apparece, ejicontra-se, não falta,
ou outra expressão semelhante:
Muitas leijs, sem haver quem as guarde, são grandes
livrarias sem leitores, grandes arcas de dinheiro sem gasto,
e boticas de drogas sem uso (Bluteau, Vocab.^ na pai. lei).
Ha quem dê por falsa a historia que referimos da tomada
de Lamego' {Cast. Q. Hist., I, 65). ha quem pense que a
historia serve só para pasto de uma curiosidade van (Herc,
Op., II, 256).
2t8
Obs. O empregar-80 o indicativo é irregularidade
rara:
houve quem louvou, houve quem condennou, e houve
quem admirou (Vieira, /, 462). ouve quem lhe ouvio dizer,
que averia por muito hem vinda a pwrte (Sousa, F. do
Are, /, 6õ).
Sunt qui Ha dicuni imperia ejtis . . bárbaros ncquivisse
pati (Sall., Cat., 19).
Obs. O conjunctivo nas or. refativas que determi-
nam um superlativo exclusivo, 6 prática rara que per.
tenco ao port. archaico:
A pobreza é a mays ssegura cousa que no mundo
sseja (FabuL, fab. 13).
d) As or. relativas que determinam o adjectivo
pouco, ainda quando indicam uma realidade, podem ter
o verbo no conjunctivo:
Poucos forão os Reinos do Oriente, que no Governo
de D. João de Castro não alterassem aquelle Estado com
diversos movimentos de Guerra (Freire, 2õõ).
§ 275. Em certas orações subordinadas, na desi-
gnação do futuro, não se emprega o indicativo (nem o
condicional), mas sim o conjunctivo; assim diz-se, v. g.:
venho quando posso, vim quando pude, mas: virei quando
puder (em francês: quand je pourrai), sairei quando elle
tiver chegado (em francês: quand il será arrivé)', declarei
que sairia quando elle tivesse chegado (em francês: quand
il serait arrivé); declarei que sairia quando pudesse (em
francês: quand je pourr ais).
As orações em que se dá esta praxe, são:
1) as condicionaes do período hypothetico do real
(V. § 264);
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 219
2) as temporaes de quando, emquantOj depois (pois)
que, como;
3) as comparativas que exprimem uma simples con-
cepção ;
4) as relativas que determinam o termo para que o
relativo pertence:
ca, se eu seu mandado \ non vir, trisfe coitado \ serei
(D. Gil Sanchez, ap. L. de Vasc, Tx. arcli., 18). Quem po-
derá do mal aparelhado \ Livrar-se sem peiigo, sabiamente
I Se lá de cima a guarda soberana \ Não acudir á fraca
força humana? (Lus., II, 30). . . Como a luz mostrar por
onde I Vá sem perigo a frota, não temendo, \ Comprirá sem
receio seu mandado (Lus., II, õ). depões que tiver acabafLo
com ellas, então tomarey esse conselho (Vieira, I, 1106).
Antes de David entrar no desafio com o Gigante per-
guntou, que premio se havia de dar a quem tirasse do
mundo aquele opprobio de Jsrael (Vieira, 967). enquanto
Chrimhilde reger o mosteiro da Virgem Dolorosa, nunca
a hospitalidade será refusada nelle ao que a implorar
(Herc, Eur., 135).
Tempos do conjunctiro
§ 276. No conjunctivo, o tempo designa-se, em geral,
da mesma maneira que no indicativo; por isso nos §§
seguintes vae dizer-se unicamente o que é particular do
conjunctivo.
§ 277. O que é contemporâneo da acção do condi-
cional empregado em or. condicionadas (§ 264), exprime-
se com o pret. imperf. ; o que lhe é anterior, com o mais
que perfeito e também, não resultando ambiguidade,
com o prei imperf. V. ex.^® no § 264.
§ 278. O conjunctivo não tem pret. perf. def., mas
rOIUCA VOUTUaUESA
só pret. indef. (v. g.: elle tem estado doente; não creio
que elle tenha estado doente). Esta falta é supprida pelo
pret, imperf., que portanto vem a corresponder ao indi-
cativo, não só do pret. imperf. senão também do pret.
perf. definido (v. gr.: elle esteve hontem doente; não
creio que estivesse hontem doente Q):
E como o amor arcou com elle, estando com as mãos
atadas, que muito he, que prevalecesse (Vieira, IV, 383, ap.
Blut.). 7ião houve diligencias que não fizésseis (Id., 7, 733).
§ 279. a) O futuro (imperfeito e perf.)^ do conjun-
ctivo tem lugar unicamente nas or. indicadas no § 275,
e só como futuro relativo ao presente.
Obs. Não resultando ambiguidade, pode empre-
gar-se o futuro imperf., cm lugar do fut. perf.:
Os olhos que chorarem na terra, rirão no Cêo (Vieira,
I, 892).
b) Nos demais casos a futuridade é designada no
conjunctivo da maneira seguinte:
1) De fut. imperf. do presente (§ 258) serve o pre-
sente: Mando que saias ainda que chova.
2) De fut. perf. do presente (§ 260) serve o pret.
perf.: Mando que saias ainda que tenha chovido.
3) De fut. imperf. do pretérito (§ 258, b) serve o
pret. imperf.: Mandei que saisses ainda que (se não)
chovesse.
4) De fut. perf. do pret. (§ 260, b) serve o pret.
m-q-perf.: mandei que saisses ainda que (se não) tivesse
chovido:
(') Empregar o pret. perf. do conjunctivo como correspondeute do pret. per-
feito def. do indicativo 6 d'aquelle3 a quem as praxes da lingoa francesa fazem
esquecer as regras da syntaxe portuguesa.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 221
Nisto Phebo nas agoas encerrou \ Co carro de crystal
o claro dia, \ Bando cargo d Irmã, que alumiasse \ O largo
mundo, em quanto repousasse (Las., I, 56). Jeremias Pro-
feta verdadeyro dizia, que se sugeytassem a Nabucodono-
sor, por que se assi o não fizessem, havia de tornar se-
gunda vez sobre Jerusalém (Vieira, I, 656). perdoamos lhe
a nossa Justiça . . contanto que elle paguasse qujnhentos
Reaaes brancos pêra as obras do moesteiro de santa Orara
da Cidade do Porto (Doe. de 1439, Docum. das Chancel.
Reaes, 94).
§ 280. Para a determinação dos tempos do con-
junctivo (e do indicativo) em or. subordinadas ao pre-
sente histórico, este é tido na conta de presente; todavia
os escriptores do periodo arch. médio, mormente os
poetas, também o consideram pretérito, imitando a syn-
taxe latina fv. Madv., § 382, obs. 1.^):
. . manda rogar muito que saissem \ Pera-que de seus
reinos se servissem {Lus., II, 76).
Do imperativo
§ 281. o imperativo serve de exprimir uma ordem,
preceito, exhortação, petição, desejo, permissão e uma
concessão:
Se quereis ver o futuro, lede as historias, e olhae para
o passado (Vieira, I, 122). passeia, caça, monta a cavallo,
faze o que quizeres (Garrett, Viag., 107). exhala em in-
jurias a tua dôr orgulhosa : sê, até, blasphema ; irias não
digas que detestas Abdelaziz (Herc, Eur., 201). Se vindes
ferido, \ Vinde muito embora; \ Porque a minha porta \ Não
se abre agora {Romanceiro Geral, pag. 147).
Não se emprega em orações negativas; é substituido
então pelo presente do conjunctivo.
222 8YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Do infinitivo
§ 282. a) Primeiramente o infinito pode significar
a acção de modo inteiramente geral, sem referencia a
nenhum determinado sujeito:
Grande mal he não sarar com os remédios : mas adoe-
cer dos remédios ainda he mal matjor (Vieira, /, õõl). E
ver as cousas como são, isso he ver: mas velas, como não
são, não he ver, he estar cego (Id., /> 648 e 649).
Bane sentire redeque facere saiis est ad bene bealeque
vivendmn (Cie, ad fam., 6, 1, 3).
Era segundo lugar pode:
1) não ter sujeito próprio, mas comtudo rcferir-se
a uma pessoa ou cousa expressamente indicada:
Conseguio [M. P. Catão], como refere Plínio, que nin-
guém no seu Consulado se atreveo a lhe pedir cousa, que
não fosse justa (Vieira, II, 104).
Sócrates qni parens philosophiac jure dici potest (Cic,
fin., 2, 1).
2) ter sujeito próprio, claro ou subentendido:
He certo ser a fortuna vidrenta (Atclegr., 1,5).
Representa as or. infinitivas do latim, v. g.: Diciitir
eo tempore matrem Pausaniae vixisse (Nep., Paus., 5).
Em terceiro lugar pode (no presente) ser substan-
tivado:
Este não achar hfm alma fora de Deos cousa em que
se possa empregar mostra o quam cativa e rendida lhe está
(Ceita, 253 v.). Que mudanças traz o rodear dos annos
(Sousa, V. do Are, 223, cl. 2, ap. Blut.). ás vezes pode jnais,
que a força grave j Hum pedir brando^ e hum rogar suave
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 223
(Ulyss., I, 47). Era solemne e tremendo o espectáculo que
apresentava a gruta naquelle alçar repentino de tantos ho-
mens (Herc, Eur., 183). Se és o anjo que preside ao fado
da Hespa?iha, mais submisso ainda será o nosso obedecer
(Id. ibid., 188). Em breve, não se ouviu nas tendas do Is-
Iam mais que o respirar lento de tantos milhares dliomens
adormecidos nos braços do gozo (Id. ibid., 193). através
das telas mal vindas de uma tenda . . ouve-se o rir alegre,
o altercar, tinir argentino das taças (Id. ibid,, 194).
Um pequeno numero de infinitivos substantivados
podem ter plural: ter dares e tomares com alguém.
Em latim podem ligar-se adjectivamente pron. de-
monstrativos ao infinitivo (quando sujeito): Quibusdam
totum hoc displicet philosophari (Cie, fin., 1, 1). Ipsum
[em si] perire non esí magnum (Sen., tiat. quaest., 6, 32).
Um dos factos mais notáveis relativos á syntaxe do
infinitivo, nas lingoas românicas, é a construcção de pre-
posições com o infinitivo. Semelhante prática em latim
só se dá com interest ( = ha differença) v. g. : Aristo et
Pyrrho inter ojHime valera et gravissime aegrotare nihil
prorsus dicebant interesse (Cie, de fin., 2, 13; Madv.,
§ 391, obs.). (Em nil—praeter plorare [Hor., Sat., 2, 5, 69],
praeter está adverbialmente, por praeterquam, do mesmo
modo que em ceterae mulitudini — praeter [excepto] reruni
capitalium damnatis [SalL, Cat., 36]. Em port. as pre-
posições construem-se não só com o simples infinitivo,
senão até com or. infinitivas (v. g.: por tu saberes). A
construcção de preposições com o infinitivo tornou-se
tão familiar, que, em português, e em outras lingoas ro-
mânicas (v. M. Lúbke, § 340), chegam a antepôr-se a
infinitivos que exercitam as funções de sujeito, facto
224 SYNTAXK HISTORIO A POKTUQUESA
de que não se deu ainda explicação satisfatória. Do em-
preg;o de preposivõos com o infinitivo no baixo latim
cita Diez (Gr., Syiit., IV, 8, 2) textos que ascendem ás pri-
meiras décadas do sec. viii.
§ 283. a) O infinitivo emprega-se como sujeito (so-
bretudo de verbos intiansitivos e passivos), nome predi-
cativo, apposto, segundo teimo da comparação, e depois
das particulas exoeptivas:
acomteçeo huum noviço partirsse da ordem de noite (Mil.
de SJ" Ant.", 16). Resistir graves x)ciixões \ vem de esforço
e imlentia (Bern Ribeiro, écloga I). He cousa maravilhosa
hHa dona tnm hella como a verdade parir hu filho tão feo
como o ódio [Veritas odium paritj (H. P., /, 111). O pre-
gar é entrar em batalha com os vicios (Vieira, 7, 53). Vir
mais tardia a noite, a aurora vir tnais cedo, que me apro-
veita ? (Cast., Chave, 102). Seos viços e prazeres som does-
tar e morar com os ffilhos dos homêes (Castello perigoso,
ap. L. de Vasc, Tex. arch,, 37). a summa nobreza acerca
de Deos he ser claro em virtudes (H. P., /, 139, 139 v.).
Ca isto só ba^ta pêra fugir do mundo, serem os homens
julgados pelos homens (H. P., I, 326). Nom ha em o mun-
do cousa mais doce que teer amigo com que homem ouse de
f aliar todallas cousas assy como consigo (V. Bemf., 93).
render vontades endurecidas he mais que render brutos
(M. Bernardes, Pão partido, II, § 7). Ainda que a paz
nam tivera outro bem, senam ser couto e habitaçam das
musas, este era assaz (H. P., Prologo).
Obs. !•] piopriMmontc como sujeito de um partícipio
absoluto CjUH o iiifliiitt^ so junta a não obstante, visto, etc.
apud quou frei'snsj snmma latis esset forliter fienari
(Nep., Alcib., II). Non cuiris homhii continyit adirc Corin-
Ihum (Hor., Epid., I, 17, 36) quos omnis eadem cupere,
eadein adisse, eadem mcluere in ununi coegit (Sall., Juy., 3i).
I
SYNTAXE HISTOItlCA PORTUGUESA 225
b) No port. arch. médio este infinitivo é ás vezes
precedido da prep. de:
nõ era cousa convinhavil de tu morreres agora (Bar-
laão, 4o).
Antepõe-se-lhe a prepos. a na loc. convém a saber, e
com o verbo ciisíar=^SQT difficil:
Convém a ssaber {Direito Consuetudinário Municipal^
ap. L. de Vasconc, Tex. arch., 29).
§ 284. Aos verbos que suppõem outra acção do
mesmo sujeito, junta -se um simples infinitivo que designa
esta acção (ora sem preposição, ora com de ou a ou em).
Assim construem-se com infinitivo :
1) sem preposição :
parecer, poder, querer; costumar, soer, saber (fazer
uma cousa), ousar, (arch. médio) ser ousado [= ousar];
tencionar, propor-se {fazer algo); ser servido, servir-se;
(arch.) punhar :
-' Os Portugueses sabem melhor pelejar que grangear
antiguidades (Castanh., cap. 38). Podem-se pôr em longo
esquecimento \ As cruezas mortais que Roma vio (Liis.,
IV, 6). E a pobreza dos mesteres \ Que nem faltar são ou-
sados [=ousão] 1 Diante os mores poderes (Sá de ]\Iir.,
sat. I, 61, ap. Blut.j. Não ha quem resistir de alguma sorte
i Ao furor dos Troyanos seja ousado (Eneida Portug.,
11, 213). nem menos seja ousado sair da obediência do
Papa (Diego Aff., 176, 277). as crianças nam sabem enco-
brir segredo (Id., 295). Quem semèa misturas, mal pode
colher trigo (Vieira, /, 66). ouçamos aquelle engenho [Oví-
dio] que melhor que todos soube exprimir os affectos da
dor, e da natureza (Id. ibid., 877, 878). Valera entendia
que se deviam exigir outras condições mais (G. Barros,
Historia, I, 154).
15
226 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Obs. Parecer construe-se ou pessoalmente com o
simples infinitivo {parecem ter razão), ou impessoal-
mente com uma or. infinitiva (parece terem razão), ou
com uma or. de que (parece que tem razão). Juntando as
duas construções, Camões disso : Os cabellos . . | bem pa-
recem I Que nunca brando pêtUem conhecerão, Lus., VI, 17).
2) sem prep. ou com de:
dever, dignar-se; desejar.
3) com de:
acertar; acabar, cessar e synon.; deixar, deixar-se;
lembrar-se, esquecer-se e synon.; haver, ter, (arch.) ser
teúdo (anteriormente têúdo) ( = ter obrigação de) e os
verbos que também se podem construir com um nome
abstracto regido da prepos. de, v. g.: arrepender-se:
he hum senhor que todos somos teudos de servir {F em.
Lopes, D. João I, 115). os que eram indispensáveis para
não deixarem de se rezar os officios divinos (Gama Bar-
ros, Historia, I, 171). •
4) com a:
antecipar-se; apressar-se; começar, entrar ( = come-
çar); pôr-se, (arch.) filhar-se; continuar; tornar; valer;
atrever-se; chegar; aprender:
filharõ-ss'a chorar [=puserão-se a chorar] (João
Servando, Vat., 736). O conde de Septum não tardava a
vir ajuntar-se com Tarik (Herc, Eur., 88).
5) com em:
hesitar; insistir, teimar:
não hesitou em acompanhar o seu audaz e mysterioso
salvador (Herc, Eur., 209).
6) com em ou com a:
tardar.
No port. arch. médio dizia-se também:
1) sem preposição:
SYNTAXE HISTÓRICA POKTUGUESA 227
começar, atrevet^-se (também, mas raras vezes, no
port. moderno):
e começou per aravigo perguntar que gente era e o
que buscavão (Barros, /, 4, 3). lhe começou responder
(Bern. Ribeiro, écloga 2) . (comecei falar latim (H. P., J,
298). airevo-me eu descobrir (Ceita, 18 v.).
2) com de:
entrar ( = começar), começar (ambos estes também
raras vezes no port. moderno); ousar, punhar, atrever-se:
Sempr'eu punhey de servir mha senhor (Vasco Peres,
Yat. 58). Começarom todas de fugir (Fabul., fabul. 57).
. . em todos aquelles treze Mouros fdo zambucoj, não avia
algum que se atrevesse de o levar á índia (Barros, 7, 4, 5).
nem ousam ainda de atravessar (H. P., /, 85). Começão de
enxergar subitamente \ Por entre vei-des ramos varias co-
res (Lus., IX, 68).
3) com a:
ousar, soer, ser ousado; dever ; ser teúdo ; desejar:
mais nom ous'oj'eu comvosc'a falar (Lang., 88). no
[leia-se nõj odevedes a desemparar (Pae Gomez, Vat.,
430). deseja a morrer (João Ayras de Santiago,. Vat.,
537). tenpo em que o devem a filhar (Gir., Alv., 2). so-
mos theudos a servir nossos padres em três modos {V.
Bemf. 112). soia elle a dizer (H. P., I, 345 v.). ousar ey
a dizer (Corte na Aldeia, 134 ap. Blut.). També ouso a di-
zer (D. Franc. Man. de Melo, Epan., 5).
4) com em:
assentar :
Assentou em desabrir mão de mim pêra nunca mays
(Aulegrafia, 1, 8).
Salvo o emprego de prepos., o port. continua a
praxe do latim : possutn scire. soles dicere. bello exercitati
228 SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGCK8A
esse dcbenl. ille . . non cessai de nobis delraherc. — ut aegre . .
evadere in palalium valiieril (Suet., Cland., 19).
§ 285. Na qualidade de compl. directo, liga-so o
infinitivo :
1) em geral, aos verbos áensitivos o declarativos:
E declarou serem vãas e nehúas as ditas sentenças
(F. Bemf., 58). Por patamares, que são grandes cami-
nheiros de terras, tinha já sabido serem mortas mais de
trezentas pessoas (Barros, 1, 142, cl. 3, ap. Blut.).
Diz-se porem:
«espero fazer algo; que outrem faça algo; prometo,
juro, fazer, ou, que farei algo; que outrem fará algo;
ameaço, fazer algo».
Desesperar fazer alga está fora de uso:
A que ver fim ditoso desespero (M. conquistada, 6,
89, ap, Blut.).
duceiúis Philippis . . quos dare promisi milUi (Plaut.,
Bacch., 4, 8, 78-79). promisil regem renenis necare (A.
Gellio, 3, 8). juranml inter se bárbaros necare omnes
(Catão, ap. Plinio, n. hisl., 29, 14).
Comprehendem-se nesta regra os verbos de julgar e
declarar, que se construem com n. predicativo {ou equi-
valente do n. predicativo, v. g.: ha ver por bem) do
compl. directo, e também haver mister:
. . lhe pedia ouvesse por bem de sair em terra (Barros,
7, 4,6). Que mister ha dizer muytas cousas (Góes, C. M.,
105).
Mori nemo sapiens miserum duxit (Cie, divin., 6, 3).
Hieronymus dolorc vacare summum bouum dixit (Id., Tusc,
2, 6).
2) aos verbos que exprimem sentimentos e mani-
SYNTAXK HISTOniCA PORTUGUESA 229
festação de sentimentos, approvação e desapprovação :
admirar, estranhar, sentir, lastimar, levar a maly
temer, recear, etc.
ut otnnes admirarenhir in uno homine iantam esse diê-
similUudincm (Xep., Alcib., 1).
3) aos verbos de obter; diligenciar; evitar; deter-
minar; ajustar e prezar:
Vendo Egas que ficava fementido, \ O que d'elle Cos-
tella não cuidava, \ Determina de dar a doce vida | A
troco da palavra mal comprida (Lus., III, 37).
4) aos verbos antes querer, preferir, desejar, abor-
recer, merecer, referindo-se as duas acções ao mesmo su-
jeito:
. . antes querem ao mar aventurar-se j Que nas mãos
inimigas entregar-se (Lus., u, 26). Quantos mais são os
degráos, mais deseja de achar um mainel, em que des-
cance (C. de Guia de Casados, 4, ap. Blut.).
5) aos verbos conceder, consentir, tolerar; prohibir,
impedir e synon.:
Porque razão lhe impede e lhe differe \ A fazenda
trazer de Portugal ? (Lus., viu, 82).
serv^is quoqtie pueros hujtis aelaíis verberare concedimus
(Qu. Cure, 8, 8). ridentem dicere verum \ qiiid veiai ? (Hor.,
sat. I, 1, 24-2Õ).
Sobre o verbo deixar, v. § 289, a.
6) ao verbo aconselhar, e aos de significação seme-
lhante:
7) ás loc. ter por origem, ter por consequência, dar
em resultado; ter por officio; ter por galardão; pôr no
numero das venturas, e locuções semelhantes:
8YNTAXE HISTÓRICA POKTUGUESA
7i6s que temos por officio vigiar (Vieira, /, 667).
Obs. o emprego de uma or. de que portenco quasi
exclusivamente ao port. archaico.
Beaii vivcre ciHi in alio, Epicunis in voluptate ponií
(Ciro., de fin., 2,27).
8) ao verbo impessoal (não) haver, quando equi-
vale a: (não) ser possível (conseguir algo), e (oonstruc-
ção rara), quando liaver é empregado na accepção usual ;
e a não haver senão = não se poder fazer outra coisa,
não haver outro remédio, senão:
Aqui não ha senão dar um ponto na boca (Vieira,
»S. de SJ" Cath., 6). Era uma co7isideração a que não
havia resistir (Herc, Monge, 2, 327). Se não houver a
sentir frios, acabaram [=acabariamj os alfaiates (Prov.).
9) aos verbos agradecer, perdoar.
10) a ajuntar e synonymos.
Observação a esle §. Depois da maior parto d'este8
verbos, pode antepôr-se ao infinitivo a prepos, de, mas
tal pratica é pouco usual no port. moderno.
§ 286. Liga-se um simples infinitivo a não fazer
senão, ouanao se declara a única acção que se pratica:
não fazeis mays que trazè-la [a gente de guerra] ao
talho (Memorial das proezas, 1, 29).
§ 287. Com antes ou mais depressa — que ou do que,
pode no segundo termo empregar-se o infinitivo, em vez
do modo em que o verbo está no primeiro termo:
O cobiçoso e avaro antes perderá a vida, que resga-
talla com o ouro a que quer mais que a rUa (Lobo,
Corte na Aid., 6, 133, ap. Blut.).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 231
§ 288. Ao verbo ensinar, e aos de acostumar, liga-
se um simples infinitivo precedido da prepos. a attri-
buido ao compL directo d'aquelles verbos:
fez enssynar suas filhas a fiar, e a tecer {V. Bemf.,
124).
Obs. No port. arch. médio, depois de ensinar, tam-
bém não se empregava a prepos. a :
quero emssinar a todos e a todas fundar de seos co-
raçoões huu castello {Castello Perigoso, ap. L. de Vasconc,
T. arch., 36). estes lugares que alleguey não somente nos
ensinam lemhrarmo-nos da morte, mas ainda desprezar-
mos o mundo (H. P., I, 432).
§ 289. a) Aos verbos deixar (ou leixar arch.), man-
dar, fazer (causar, arch.), liga-se um simples infinitivo
attribuido ao compl. directo d'aquelles verbos:
. . acabar Bido seus dias \ Com teus enganos causaste
(João Roiz de Saa, Canc. G."^ 406). fariam chover sobre
os infiéis as armas de arremesso (Herc, Eur., 273).
Quando o Senhor envia j O trovador ao inundo, \ Faz de-
vorar a essa alma \ Fel amargoso e immundo (Herc.,
Paes., 215).
A construcção activa mando alguém fazer mna coisa
corresponde a passiva alguém é mandado fazer uma cousa:
E depois da Beata Varonica ver indo isto, foi mãda-
da deixar aquelle lugar (Alma instruida, 1, 351).
Obs. 1." Diz-so também deixar, mandar, que alguém
faça uma cousa, e mandar a alguém que faça uma cousa,
fazer na accepção de: «diligenciar e conseguir que
uma cousa aconteça », e na de : « dar em resultado acon-
tecer uma cousa» construe-se com uma or. infinitiva
ou introduzida por que, ou com que:
232 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
fizera com que lhe ccdesscvi voluntariamente o mando
supremo os mais velhos e experimeniados guerreiros (Herc,
Eur., 272).
01)8. 2." Depois d'este8 três verbos o infinitivo activo
podo ser tomado em sentido passivo, e neste caso o
agente da acção do infinitivo é designado pela prepos.
por ou de:
D. João de Castro, sem deixar-se vencer do amor do
filho, nem dos medos do tempo, resolveo enviar o soccorro
(Freire, 133). não a quereis deixar ver de alguém (Ceita,
2912). foy forçado . . inandarem-se fazer as carias poios
Secretários (Sousa, V. do Are, 1, 523).
b) A mesma construcção tem os verbos ver, ouvir,
sentir e (no port. arch.) achar:
. . entre os dentes se sentião \ Ranger os duros ossos
( Ulyss., III, 69). Ao expirar, foi vista sair-lhe pela
boca uma formosíssima rosa (Man. Bernardes. N. Flor,
2, 279, ap. Barreto, pg. 212).
Obs. E' obvio que, com sentido differente, ver e
ouvir (=ouvir dizer) se construem com uma or. de que
ou infinitiva.
Observação a csle §. Em vez de ligar-se um compl.
directo aos verbos mandar, deixar, fazer, ver, ouvir, sen-
tir, acompanliados de um infinito attribuido a esse
complemento (v. g.: mandei-o ler a corta), pode, no caso
do infinitivo trazer compl. direto (que não seja pron. pes-
soal), ligar-se-lhes um compl. indirecto {mandei-lhe ler a
carta), vindo assim o infinitivo a servir de compl. dire-
cto. (Tal construcção pode ás vezes causar ambigui-
dade) :
O snr. Visconde faz-lhe dizer uma cousa que ella não
diz (Herc., Cos. Civ., 33). seja-me licito por emquanto sus-
SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGUESA 233
peitar que fiz fazer um progresso d historia da Península
(Id., Op., Ill, 259). fui o primeiro que tentei^fazer sentir
aos escriptores hespanhoes a importância . . (Id. ib,, 288).
§ 290. Eraprega-se o infinito precedido da prepos.
de com os verbos prezar-se, gahar-se, e os synon. d'estes:
Nas forças, e valor cada hum se preza | De ser maior
que o mesmo Deos da Guerra (Ulyss.^ VI, 43).
§ 291. É rara a construcção: ^ estar em fazer uma
coiísa = est?ir para, pensar em fazer algo» :
esteve em se meter no meo (Bern. Ribeiro, Meu., 31).
§ 292. O simples infinitivo (sem prepos.) liga -se,
exprimindo fira, aos verbos ir, vir, acudir, correr (port.
arcií. médio).
Non nos aul ferro Libycos populare Penates \ venimus..
(Verg., Ae7i., I, 527-8). venit a finibiis terrae audire Salo-
monem (Siilp. Sev., Dial., II, 6).
Depois d'estes verbos também se emprega a prepos.
a, e com os mais verbos de movimento sempre se em-
prega :
Ho corvo . . foy-sse a buscar e achou muylas penas de
pãaos [=pavõesj (Fabul., fab. 12). Conhecendo o muyto
que padece, venho a libertá-lo (Vieira, I, 684). Cheguei a
Sam Bernardino, porto onde venho a reparar-nie dos
meus naufrágios. (Chagas, Cartas esp., 231).
Depois de ir e vir põe-se precedido da prepos. a o
infinitivo em sentido (apparentemente) passivo:
Cala-te, filha traidora, \ Não te queiras deshonrar, \
Antes que o dia amanheça \ Vê-lo-has ir a degolar (Garrett,
Romanceiro, III, 20, ap. J. Moreira, Est., II, 18).
Também exprime fim o infinitivo dizer, depois de
mandar e (no port. arch. médio) enviar:
por que m^envyou dizer (Gonçalo Eanes de Vinhal,
234 SYNTAXE HISTOniCA POUTOOURSA
VaL, 307). Oulrossi dAllegrete . . lhe emviaram dizer que
mandasse rreçeher aquell logar pêra o Mestre (F. Lopes,
162).
§ 293. a) Servindo de exprimir fim, liga-se o sim-
ples infinitivo precedido da prepos. a:
1) ao verbo dar, para designar a acção que o
compl, indirecto ha-de praticar: dar a alguém algo a
beber.
2) aos verbos levar e ter, trazer, ajudar, etc.
3) ao verbo pôr, para designar a acção que o
compl. directo ha-de praticar (v. g.: pôr os filhos a es-
tudar), ou de que ha-de ser objecto:
Vairão era de antigos tempos uma das casas religio-
sas . . uma das poucas em que as famílias piedosas e dis-
cretas punham confiadamente suas filhas a educar (Cast.,
Chave, 71).
b) Também servem de exprimir fim, precedidos da
prepos. de, os infinitivos comer, beber, almoçar, vestir,
calçar, etc, ligados aos verbos buscar, pedir, querer,
dar, pôr, trazer, levar, fazer, preparar, comprar e syno-
nymos. (Estes verbos empregam-se iutransitivamente ou
então com um compl. de significação geral, como algumu
cousa, nada, muito, pouco):
dá-me de comer e de beber quanto me faz mester.
(FabuL, fab. 40). do Arcebispo que lhes mandou dar de
cear (Diego Aff., 75). . . Vou comprar | de cear pêra meu
amo (Prestes, 177). Chegado Chrisfo á fonte de Sichar,
mandou todos os Apóstolos que fossem á Cidade buscar
de comer (Vieira, /, 837). mandou Christo d Cidade os
Apóstolos . . para trazer de comer (lá. ibid.V
Em Intim diz-so do alicui bibere (dou de beber a al-
guém) (Ter., Audr., 3, 2, 4; T. Liv., 40, 47).
SYXTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 235
§ 294. Emprega-se qualificativamente o infinitivo
precedido da prepos. de:
1) servindo de exprimir, ligado a substantivos, a
destinação: casa de jantar, criado de servir:
Tambê hay nesta cidade dons fornos de fazer vidro
(Ms. da Bibl. de Lx.^-^ de 1552, 11 v.).
2) em sentido consecutivo, para exprimir o effeito
que a natureza de uma pessoa ou cousa é capaz de pro-
duzir: fructos de enlevar olhos.
3) equivalendo a um adjectivo em -vel, como attri-
buto ou n. predicativo: acção muito de louvar, ser menos
de temer.
§ 295. Aos adjectivos fácil, difficil, bom, máo, duro,
áspero, raro, e outros de significação semelhante, e a
longo, gostoso, iiga-se o simples infinitivo precedido da
prepos. de em sentido limitativo (v. § 169) e, apparente-
mente, passivo: pessoa má de aturar:
leve lhe foy isto de creer (Bern. Ribeiro, Men., 9). fa-
çanhas ásperas de cometer (H. P., I, 140). Antigualhas
gostosas de ver (Id., 1, 288 v.). sam ellas longas de contar
(Id., I, 290). Resões que seriam largas de contar (Espe-'
lho de Casados, 18 v.). Cousa medonha de ver, e em todo
o tempo lastimosa de contar (Hist. Trag. mariiima, M. de
Perestrello, 59). Não ha cabeças mais duras de penetrar
e converter que as coroadas (Vieira, S. de S.'^ Cath., S).
desconterdadiço e máo de servir (Sousa, Hist. de S. Do-
mingos, 2, f. 2, ap. Blat.). difficiddades miiylo duras de
vencer (Id., I, 417).
Em latim: cqrrtanpi facilis (Tácito, hist., 4, 39).
§ 296. O simples infinitivo precedido de em junta-
se a fazer bem, acidar mal, e locuções de sentido seme-
lhante :
236 SYNTAXE HISTÓRICA POUTUOCESA
Em vos dar conta de mym \ nam erro, mas faço bem
(Manuel de Goyos, Canc. G."', III, 545). grande parvoíce
fiz I em me casar (Prestes, 414). fazeis mal em não per-
doar (Man. Bernardes, Pão Partido, 2, § 8).
Obs. K pouco vulgar o emprego da prepos. de de-
pois d'estcs verbos o locuções:
vos fariees bem de vos hir todos pêra o Meestre (Fern.
Lopes, D. João I, 130). fazem bem de não descer (Ceita,
190).
§ 297. a) Exprime fim o infinito precedido de por,
depois de esforçar-se, e os outros verbos de significação
semelhante:
trabalhava polia cõsollar (Bern. Ribeiro, Men., 53).
b) No port. arch. médio era frequentissimo o em-
prego da prepos. por com infinitivo, para designar, como
complemento geral, o fim (na qualidade de synonimo de
para); no porl. moderno pode dizer-se que tal emprego
só se dá em por assim dizer, e locuções semelhantes.
por me servir de uma phrase do padre . . (Herc, Op.
III, 13).
Obs. É pouco vulgar o emprego da prepos. de de-
pois d'estes verbos:
trabalha de se soltar (Duarte de Brito, Ca}ic. G."',
/, 296).
§ 298. São de notar as três construcções seguintes:
a) ha muito que fazer, onde que ô compl. directo
de fazer.
b) não ha que duvidar, onde que 6 conj. causal:
não ha que fazer caso de hfia dirivação que anda- tio
povo do nome de Viena (Sousa, V. do Are, I, 158).
SYNTAXE IIISTOIUCA PORTUGUESA 237
V. Madv. § 372, b, o, 6: Non est qiiod invideas isiis,
qitos magnos felicesqiie populus vocat (Sen., Ep,, 94).
c) nisso pouco ha que duvidar, onde que é pron.
relativo, e ó determinação (aceusativo), da amplitude da
acção (v. § adiante):
Nisso pouco ha que disputar (Arraes, 2." ed., fl. 105).
§ 299. Em substituição de uma or. relativa de sen-
tido limitativo, liga-se aos adjectivos único, ultimo, der-
radeiro, primeiro, e aos outros numeraes ordinaes o in-
finitivo precedido da prepos, a ou em-:
O quingentario . . fora o primeiro a atravessar a
ponte (Herc, Eur., Iõ2). sou o primeiro em reconhecer
que (Id., Op. II, 143) O primeiro em fugir foi aquelle
que nunca fugiu (Id., Eur., 229).
prior ad dandum est (Ter., Phorm., 3, 2, 48).
§ 300. a) O infinitivo precedido da prepos. a, refe-
rido ao sujeito de um verbo, ou empregado attributiva-
mente, pode exprimir modo: iamos a correr:
O lago quedo a refietir a lua (Herc, Pões., 176).
b) Referido ao compl. directo dos verbos ver, en-
contrar e synon.: encontrei-o a chorar.
§ 301. Serve de exprimir a que cousa se applica a
acção do verbo subordinante o infinitivo precedido de a:
1) referido ao sujeito de levar (e gastar) tanto tempo,
2) referido ao compl. directo de demorar, empregar
e synonymos:
Obs. E' pouco vulgar uma cousa pouco (etc.) faltou
de acontecer:
pouco faltou de ser morto (Bern. Ribeiro, Men., 26).
238 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
§ 302. a) o infinitivo precedido de para, empre-
gado predicativa ou attributivamente, na passiva ou na
activa, em sentido apparentemente passivo, exprime
aquillo, de que uma cousa é digna ou aquillo qne lhe
ha-de ou deve acontecer:
he muyto pêra sentir (H. P.. I, 62). Não ha cousa
pêra ouvir como Reclamações de amantes agravados
(Aulegr., 1, 8). mais era eu pêra guardada (Bern. Ri-
beiro, écloga 2).
b) Outrosim emprega-se, predicativa ou attributi-
vamente para exprimir capacidade:
Mas tu, de quem ficou tão mal pagado i Hum tal vas-
salo, ô Rei, só nisto inico, \ Se não és pêra dar-lhe honroso
estado, \ He elle pêra dar-te hum reino rico. (Lus., X, 25).
§ 303. Junta-se o infinitivo precedido das prepos.
a, de, ás locuções que se construem com os substanti-
vos abstractos precedidos das mesmas preposições (v. g.:
dar causa a):
Foram estes e oídros excessos que deram causa a ser
o concilio rejeitado em França (Herc, Ca^. Civ., 141).
§ 304. Ligar qualificativamente a substantivos o in-
finito precedido de a (v. g.: livros a constatar) em vez
de uma or. relativa (v. g.: livros que se hão-de consultar),
ou de um infinitivo precedido áe para (v. g.: roupa para
concertar), é imitação moderna da syntaxe francesa, imi-
tação que só por descuido se encontra nos que melhor
faliam a lingoa pátria:
Qual é a relação a deduzir doestas considerações e
d'estes factos? (Herc, Op. iv, 177).
§ 305. Uma or. infinitiva introduzida por a serve
de exprimir uma pura hypothese:
a serem mais cautelosos, teriam desconfiado delle
(Herc, Monge, I, 168).
SYNTAXE HISTOIÍICA PORTUGUESA 239
§ 306. a) A prepos. por com um infinitivo emprega-
se na qualidade de attributo, n. predicativo ou apposto,
quando se falia do que ainda não está feito, do que
ainda não se realizou (v. g.: enigma por decifrar):
d'estes morabitinos non remacce ende nè úú pur dar
(Dociim. em português, ap. L. de Vascon., Tx. arch., lõ).
tudo o que temos ditto, e nos resta por dizer (Vieira, /, 990).
b) Note-se a loc. estar em fazer algo:
Se os lisongeyros . . louvassem somête o bom, estou em
dizer, que lhe perdoaria (H. P., II, 309 v.).
§ 307. Nas or. interrogativas (de como, qual, etc.)
pode empregar- se o infinito, subentendendo -se antes
d'elle Jiei-de, havia de, etc:
e elas non saben quaes creer (Johan Baveca, Vat.,
699). n.è ssey que fazer (Lopo Jograr, Vat. 703). nem
eu sey como ir por diante (Vieira, /, 1095). nam sabia
que dizer (Bern. Ribeiro, Men., 1, 21). não sabia que fa-
zer (Idem, ibd., 7, 47). hos embargadores nam souberam
que responder a el-rey (Diego Aff., 114). Nen os omées
boõs da terra non ssabyam que fazer {Fragmen. da Vida
S. Nicolau, pg. 6).
§ 308. Todas as relações que podem ser designadas
pelas prepos. (e loc. preposicionaes) com um nome de
acção, podem também sê-lo pelas mesmas prepos. (e loc.
preposicionaes) com ura infinitivo:
era . . apto a despertar a ambição do Turco contra
suas riquezas (Freire, 80). Foi justamente ao tingir -se o
céu da faixa avermelhada que precede o surgir do sol, que
dons cavalleiros galgaram a galope a ladeira (Herc, Eur.,
243). Com o sol obedecer a Josué, alcançou elle perfeyta
victoria (H. P., I, 78 v.). Esta alcançou David cõ se vécer
a si (Id. 7, 259). cá entre nós, com ser a terra já tam cul-
tivada e possuida de tanta gente, ainda se criam em bre-
240 SYNTAXB HISTOUICA P0UTUGUE8A
nhãs cobras niiiy grandes (P. do M. Gandavo, Hist. da
Prov. de Sancta Cruz, 20). quando se levantou uma tal
tem2)estade, que eUes, com serem creados no mar, se derão
por perdidos (Vieira, XI, 187). a mesma terra se não via,
com estarmos dous tiros de canhão distantes d'ella (M. Go-
dinho, Relação do N. Caminho, 9, 49). Meu corazom nõ
sse partiu \ poijs vos vyu de muyVamar (Joham de Gayo,
Vat., 1044). vivem de buscar riquezas, e urdir enganos
(H. P., //, õ3 v.). isto de ter inimigos, he uma semrazão,
ou injustiça tão honrada, que ninguém se deve doer, ou
offender delia (Vieira, S. da i .« s. f. da Quar., 3). Mão
attonitos de ver tornar tão cordeiro quem tão leão viera
(Sousa, V. do Are, I, 465). O orador Ílhavo não era ho-
mem de se dar assim por derrotado (Garrett, Viagens, 14).
Aquillo de poder um homem dizer que tem a sua cama, a
sua meza, a sua lareira . . deve ser umas delicias muito
grandes (Cast., Chave, 131). Em dizerem os Judeos que
Christo se fez Bey, fallão verdade : em dizerem que se fez
Rey como César, aqui he que mentirão (Vieira, //, 21).
Bem andastes em tomar 2)rimeyro carta de seguro, para o
que haveis de dizer (F. R. Lobo, Corte na Aldeia, d. 5, 103,
ap. Blut.). a fortuna do mundo estava em serem elles tão
poucos (Freire, 165). Para vir o mal ha innumeraveis ca-
minhos (M. Bernardes, Luz e Calor, 5, cl. 2). por 7ni mi-
gerar [=malquistarj cõ vosco que faley (Roy Martins,
Vat., 629). Pelo rio ser estreito e abafado com arvoredo
(Barros, /, 190, cl. 2, ap. Blut.). e por ser de madeira
(=apesar de ser de m.) era tão forte e fermosa, como podia
ser outra de ]}edra e cal (Castanh., I, 58). a menos de
passarem (P. Mon. Hist., Leges et Consuet., Leis e Posturas
do Reinado de D. Aff. III, 235). Antes de estarem explo-
radas as mais terras e mares do Sul (Queiroz, vida do Ir.
Basto, 375, cl. 2, ap. Blut.).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 241
Infinitivo independente
§ 309. O infinitivo funciona independentemente:
1) com sentido imperativo, exprimindo uma ordem,
recomendação instante:
Companheiros, despedir esta noite da montanha e das
tristezas, e aparelhar para amanha?! me segiiirdes (Cast.,
Q. Hist., IV, 14).
A esta categoria parece pertencer o infinitivo em
expressões como: Dizem? Deixá-los dizer:
Lá isso não me importa; deixál-os dizer! (Garrett,
Viagens, 135). Collidem as infallihilidades papaes? Dei-
xá-las collidir (Herc, Op. I, 290).
2) em exclamações que signifiquem extranheza de
que um facto se dê:
E haver quem deplore a vida como breve, quando n'ella
cabem d'estas immensidades ! (Cast., Chave, 92), Tu, Her-
mengarda, recordares-te? ! (Herc, Eur., 47).
me méis civibus famem, vastitatem inferre Italiae ! (Cie,
ad. AU., 9, 10, 3).
3) nas construcções como:
Chovido tormentos nos martyres, e elles a viver e zom-
bar (Ceita, 191 V.). Os Santos a pregar pobreza, e seguilla
em tudo: e eu que me meta em faustos? (Sousa, V. do Are, /,
142).
Obs. Nas phrases da conversação do typo temer,
não teme, Meyer Liibke (Gramm., III, § 135) inclina-se
a ter o infinitivo por originariamente interrogativo. Eu,
achando improvável que o infinitivo, sendo originaria-
mente interrogativo, viesse a deixar de o ser, julgo
mais provável que o infinitivo seja elliptico, subenten-
dendo-se antes d'elle quanto a.
16
242 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
Tempos do inãnitiro
§ 310, O infinitivo tem só presente e pretérito.
§ 311. O presente infinitivo correspondo ao pre-
sente e ao pret. imporf. dos modos finitos; o pretérito
corresponde ao pret. perfeito, ao mais-que-perf., e ao fu-
turo dos modos finitos.
Não causando ambiguidade, pode empregar-se o pre-
sente em vez do pretérito :
Agora faço esta romaria nam tanto por me Deos tirar
do cativeyro dos Turcos, como por me livrar do cativeyro
dos peccados (H. P., 7, 144).
Com os verbos dever, haver de, etc, diz-se, fallando
do que ainda existe, v. g.: esta senhora, quando nova, deve
ter sido, ou devia ser gentilissima ;
fallando do que já não existe: aquella senhora, quan-
do nova, devia ser, ou devia ter sido gentilissima.
§ 312. Para fazer sobresair a acção significada por
um infinitivo, appõe-se ao infinitivo o artigo o, quando o
infinitivo é sujeito, n. predicativo ou compl. directo, ou
está ligado por partícula exclusiva ou comparativa. Não
é usual appôr-se o art. quando o infinitivo ó regido de
propôs., mas sempre se appõe, quando a prepos. a de-
signa o tempo em que (v. g. : ao romper da manhã):
sempre ganhais o ir-vos conhecendo a vós mesmo (Man.
Bernardes, Pão partido, § 14). o tocar em-se os extremos
é uma das grandes verdades do mundo moral (Herc, Mon-
ge, 1, 164).
§ 313. a) Quando o infinitivo tem sujeito próprio
e este se acha expresso junto do infinitivo, empregam-
se, no port. moderno, as formas pessoaes; no port. arch.
médio, tanto as formas pessoaes como as impessoaes:
viu-se ao longe . . resplandecerem as cumiadas das
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 243
montanhas (Herc, Eur., 86). Nunca vy antre privados \
verdadeyra amizade \ nem fallar muyta verdade \ os en
tratos enfrascados \ nem serem muy agoardados \ dos ga-
lantes seus senhores \ . . nem ser humas mesmas leys \ a
grandes e ha pequenos (Dom Joham Manuel, Canc. (?."',
J, 394). Em meus males ter sahyda \ cuydando, tenho des-
cansso (Coiidel Mór, Ca7ic. G."'^ I, 42). Tamanho o ódio
foi, e a má vontade j Que aos estrangeiros súbito tomou, |
Sabendo ser sequaces da verdade (Lus., /, 71). sendo im-
possível e forçoso tão poucos defensores . . reparar em pou-
cas horas o estrago de huma fortaleza (Freire, 111).
Obs. No port. moderno o emprego das formas im-
pessoaes é affoctação de archaismo (a não ser na poe-
sia popular, por causa da metrificação):
Não sabes que significa \ A arruda pelos vallados? \
Significa durar pouco \ Arrufos de namorados (Cant. pop.,
ap. L. de Vasconcellos, Lições de Phil. Port., 278). Á
Missa da festa \ primeiro nos vimos, \ ao beijar-se os pa-
dres I olhou-me . . e sorrimos. (Cast., Outono, II, 71).
b) Ainda quando o sujeito d'um infinitivo se tem
de subentender, se esse infinitivo, ou um simples infini-
tivo a elle subordinado (v. g.: para chegardes a ser feli-
zes), traz n. predicativo, empregam-se as formas pessoaes:
As proposições medicas, para serem aphorismos, hão
de ser de Hippocrates (Vieira, 5, 141, ap. Blut.).
c) Emprega-se a 3.^ pessoa do plural no caso de
que falia o § 5 :
Que mayor maravilha, e que mayor facilidade, que
hum homem carregado de peccaãos . . purificar-se de toda a
culpa, . . só cõ se lavar, ou o lavarem com húa pouca de
agua? (Vieira, /, 1029).
244 8YNTAXE HlSTOniCA PORTUGUESA
d) Empregara-se as formas pessoaes na indicação
da reciprocidade:
davão-se os parabéns huns aos outros de se vereiti sal-
vos (Sousa, V. do Are, /, 409).
§ 314 O infinitivo usa-se nas formas impessoaes:
1) quando é empregado inteiramente como substan-
tivo (§ 282);
2) quando é empregado de modo inteiramente
geral sem referencia a nenlium determinado sujeito
(§ 282)
3) quando tem sentido de imperativo (§ 309);
4) quando, estando na voz activa, 6 tomado em
sentido passivo (ainda que apparentemente) (§§ 289 a,
obs. 2.a, 295, 294, 3);
5) nos casos de que tratam os §§ 292, 294, 1, 300 a);
6) quando referido ao compl. directo de deixar, fa-
zer, mandar (§ 289).
Quando, porem, o infinitiv'o está longe do verbo su-
bordinante, também se empregam as formas pessoaes.
7) quando está referido ao sujeito dos seguintes
verbos: acabar de, cessar de e synon. ; andar a, estar a;
começar a e synon. ; vir a, haver de, ter de; ousar e synon.;
poder, querer, saber, recusar, tratar de; tornar a:
desfechavão os ouvintes a rir (Ceita, 145).
Estando, porém, o infinitivo longe do verbo subor-
dinante, também se empregam as formas pessoaes, par-
ticularmente:
1) quando ó um novo infinitivo que vem coorde-
nar-se a outro, de que está separado:
Parecia me a mim, que se avião de levantar todos, e
irem-se lançar todos aos j)ês de Cliristo (Vieira, //, 181).
2) quando o verbo subordinante tem de subenten-
der-se de outra oração coordenada:
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 245
bem lhe pode o Princepe negar o que pedirem e elles
prezarem-se muito dessas negaçoens (Vieií-a, 77, 101).
Obs. No port. arch. médio occori-em as formas pes-
soaes, ainda quando o infinitivo está ao pé do verbo
subordinaníe:
Assy tristes caminhando \ pola gram estrelidade \ de
morrermos desejando (Duarte de Brito, Canc. G."\ 7, 293).
costuma todos arrancarem a barda (P. de M. Gandavo,
Hist. da Prov. de S}^ Cruz, 30). Costumavão no dia da
sua festa levarem-na [a cabeça de S. Domingos] em procis-
são pola cidade (Sousa, V. do Are, 1, 281).
§ 315. Nos casos não comprehendidos nos §§ 313
6 314 empregam-se tanto as formas pessoaes, como as
impessoaes, tendo comtudo ás vezes a escolha de ser de-
terminada pela clareza, pela emphase, ou pela euphonia;
Nem tomem jjor esto occasiom alguns de nom satisfa-
zerem pollos serviços que lhes som feitos (V. Bemf., 127).
nom filhedes tristeza . . ca tempo averedes pêra filhardes
vingança (Livro de Linhagens, 188). desejão as mulheres
serè mais (Barros, Esp. de casados, õ2, v.). que buscassem
todos os modos possíveis para sumir os nossos navios no
fundo do mar (Barros, 7, 77, cl. 3, ap. Blut.). receou que
os mouros farião aquilo pêra verem . . (Castanh., 7, 43). as
nãos corrido risco de se perderem (Id., 7, lo), esperando.,
poderem descançar vingados (Freire, 94). temerosos de
poderem cahir sobre suas minas (Id., 204). estiveram em
risco de se perderem (Aff, de Albuquerque, Comm., 2õ).
quiz que seus filhos não possuíssem nada., pêra saberem
dar tudo, e ser senhores de tiulo (Sousa, V. do Are, I, 333).
E não se contentavão de o verem húa vez (Id., 7, 411). A
raiva suffocava e tolhia a falia ao conde de Trava, cujos
olhos banhados de fel pareciam não lhe caberem nas orbi-
246 SYNTAXE HISTOKICA POHTU0UE8A
tas (Herc, Bobo, 234-23S). As aves aquáticas., pareciam,
nos seus voos incertos, ora vagarosos, ora rápidos, folga'
rem com os primeiros dias da estação dos amores (Id.,
Eur., 43). Os godos., porem, tinham a vantagcvi de cami-
nharem ordenados (Id., 0]). incapazes de conhecerem a
vantagem da ordem e da disciplina (Id., 97). as grossas
portas não tardaram a ábrir-se para recolherem mais esses
pobres fugitivos (Id., 134). viam-se lampejar as armas . .
e agitarem-se ojidas de vultos humanos (Id. ibid., 222).
Não vos tem acontecido algiia vez ter os olhos postos, e
fixos em hna parte, e porque no mesmo tempo estais com
o pensamento divertido, ou na conversação, ou cm algum
cuydado, não dar fé das mesmas cousas, que esfaes vendo?
(Vieira, 1, 640). Costumei tanto os meus olhos \ A. namo-
rarem os teus, I Que, de tanto confundidos \ Nem já sei
quaes são os meus (li. do Vascon., Pões. Amor, 99). pra-
za-vos de me ouvyrdes algãas rrazoões (V. Bemf, 101).
Mas caso que todo o mundo vos tenha a mal o perdoardes
(Man. Bernardes, Pão partido, 2, § 8). Se na amada gen-
til ha tácitos amavios, \ que até mil vezes força os preten-
sores bellos \ a travarem por ella aspérrimos duellos (Cast.,
Georg., 169). o moço guerreiro vira submergir todas as
suas esperanças (líerc, Eur., 10). Quem te deu, pois, o
direito de correres a morte certa? (Id. ibid., 186). Para
nós, habituados a descer precipícios e a salvar torrentes,
aquella ponte estreita e selvática é fácil de transpor (Id.
ibid., 246, 247). Para os constranger a acompanharem-no
(Id., Op., III, 249). Tendes dois olhos na cara | Que pa-
recem dois ladrões: \ Elles andam pelo mundo \ Para rou-
bar corações (L. de Vascon., Pões. Amor., 98). Bemaven-
turados sam os que sam perseguidos por fazerem justiça
(H. P., J, 262). Os Neros e Dioclccianos nam atormenta-
vam os Christãos, para lhes tirarc a vida, senão para lhes
SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUKSA 247
viatar a fé (Vieira, XI, 528). Que pudeste acabar, cruel^
contigo I Ires-te sem me ver, e só deixar-me! (En. Port.,
IX, 116). Vendo el-rey de Inglaterra como os embaixado-
res . . tornara a elle sem lhe trazerem resposta (Diego Aff.,
133). Peccão alguns em falarem demasiado, sem quererem
ouvir (Macedo, Dom. sobre a fort., 129, ap. Blut.). mentes
sem saberes que mentes (Garrett, Viagens, 14). Dez vezes
que tenhamos lido o Dante, ao chegarmos á descripção da
torre de Ugolino erriçam- se-nos sempre os cabellos (Herc,
Op., I, 193). um dia formoso d'ínverno, em que os raios
do sol resvalam pela face da terra sem a aquecerem (Id.,
Eur., 8). Senhores vãos, e ambiciosos de serem- endeosados
(F. R Lobo, Corte na Aldeia, 27õ, ap. Blut.). incapazes
de comprehenderem a sua nobre arte (Herc, Op., I, 123).
as consequências que d'ahi se deduzem estão longe de serem
incontestáveis (Id. ibid., IV, 39). viu alvejar os turbantes,
e, depois, surgirem rostos tostados, e, depois, reluzirem
armas (Herc, Eur., 257). Os pastores viram os nossos
cavalleiros transporem o Sallia (Id. ibid., 267).
Participios
Participio (activo) em -ndo
§ 316. A forma verbal em -ndo representa etymolo-
gicamente o ablativo do gerúndio latino; herdou, porém,
em parte, os empregos syntacticos não só do ablat. do
gerúndio, senão também, e principalmente, do participio
presente latino.
Além de entrar na conjugação periphrastica, o partic.
em -ndo, ou se liga, como apposto, já ao sujeito, já a ou-
tra palavra substantiva da or., ou se junta a sujeito pró-
prio, correspondendo com elle ao abl. absoluto latino.
248 8TNTAXB HISTÓRICA P0RTU0DE8A
Assim :
a) ou equivale:
1) a uma or. causal de como :
Vendo Egas que ficava fementido, \ O que d'elle Cas-
tella não cuidava, \ Determina de dar a doce vida | A troco
da palavra mal comprida (Lus., III, 37).
2) a uma or. condicional :
Nunca homem he louvado, nem doestado por obra que
faça nom teendo entençom de a fazer. {V. Bemf, 23). E
seendo yguaaes o serviço e o erro, ou mayor o bem que o
mal, em tall guisa ordenaremos o feyto que per huu dei-
tes nom se perca o outro (Ibid., 2SG). Em que hú homem
seja no corpo mais feo que Thersites, sendo virtuoso he mais
bello que Nireu (H. P., II, 568 v.),
3) a uma or. concessiva de comquanto:
não quizerão, sendo letrados, resolver o seu escrúpulo
por si juesmos (Vieira, IX, 86, ap. Blut.).
4) a uma or. temporal de quando, ou de como (quan-
do se supõe a sucessão dos acontecimentos), ou a uma
or. de quando na expressão de em contraste:
. . quem me manda ser triste \ podendo viver contente ?
(Prestes, 324 e 325). Dizião contra o eleyto que era moço,
sendo de quarenta e quatro annos vividos em estreita obser-
vância: que lhe faltava experiência, sendo a juyzo de todos
hum dos mais famosos letrados de que então se sábia (Sou-
sa, V. do Are, I, 6ò).
b) ou exprime:
1) modo ou um facto acessório da acção principal:
rrogou-lhe aficadamente que lhe tirasse o dicto osso,
prometendo-lhe que, sse ho desse ssaão, que lhe faria muyto
alguo {Fabul., fab. 8). que cousa mais abominável qus o
calumniar das línguas, declarando-as sem o sabor, doçura
e doctrina que nellas ha? (Góes, Cat. M., 7), Dentro fda
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 249
fonte] parece assentado hum grande, e hem propoixionado
satyro, imitando com propriedade os que finge a poesia
(Sousa, Hist de S. Dom., ap. L. de Vasconc, Religiões III,
243). As portas, os pátios, as ruas rebentando de gente, e
o ministro encantado (Vieira, I, 542). Morto lastimosa-
mente o Principe Abner, mãdoii David, que todo o exercito
vestido de lutto, e arrastando as armas, o acompanhasse
até a sepultura (Id., I, 876). Cai vomitando fumarada e
sangue (Cast., Fast., 61). a pobre menina, não podendo já
com a oppressão do peito, lançou-se nos braços de Cecilio
e de sua irman, pedindo alguns íuomentos para desafogar
o espirito livremente (R. da Silva, Mocidade, 2, 114). Um
homem agigantado e de fera catadura saiu da choupana
murmurando sons mal articulados (Herc, Eur., 17o).
2) meio :
o carneyro . . defendia-sse o inilhor que podia, di-
zemdo que lhe nom prestara cousa (Fabul, fab. 4). E não
os fdestinosj podia realizar senão ceifando cidades em
logar de farragiaes, e enfeixando com mão robusta povos
(Cast., Fast., Prol., 23).
No port. arch. médio occorrem ás vezes construcções
em que só entra um sujeito com um adjectivo, como se se
subentendessem os particip. estando ou sendo :
hii delles enfermo (D. Catherina, 8 v., cl. 2). Prestes
tudo (Aff. de Albuquerque, Comm., 15).
Obs. 1." E' mero gallicismo o emprego do partici-
pio em -ndo como equivalente de uma simples or. qua-
lificativa (relativa), v. g.: «Recjuereu para ser anulada a
lei promovendo-o ao posto imediato».
Em francês, onde o participio em -aní representa o
participio presente latino, uma phrase como : ses petites
mains chargées de bagues, ses yeux gris large ouverís et
granais par les bizarrcs ornements de fer lui totnbant (que
í
260 STNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
lhe caiam) âu fronl, composaient un ensemble harmonieux
(A. Daudet, Sapho) 6 perfeitamente correcta.
Obs. 2." Quando o partic. em -ndo designa tempo,
hypothese ou condição, pode ser precedido da prepos.
cm, se com o verbo subordinante se exprime o que cos-
tuma acontecer, ou uma acção futura (sem esta restri-
cção no port. arch. modio, no moderno só por affecta-
ção de archaismo):
OS Turcos, em se fazendo senhores de hum Reyno, es-
hulhão toda a nobreza de suas /Vt^endas (Godinho, cap. 21).
De ordinário em se fazendo sinal nas Igrejas ás Ave Ma-
rias se recolhia e fechava em sua camará (Sousa, V. do Are,
I, 76). em deixando de estar alerta, e com o olho aberto,
vem logo o lobo, e leva-me a ovelha (Sousa, V. do Are, I, 96).
em apparecendo [=quando appareceu] Isabel na praya,
abre-se o Rio de repete (Vieira, II, 19). A semelhança
entre as filhas de Philippe da Gama reduzia-se a isto :
mas era tão grande, que em as duas conversando, a falia
confundia-se, e o ouvinte mais attento não era capaz de
as distinguir (R. da Silva, Mocidade, 2, 122).
No port. arch. também occorre a prepos. sem com
este partic, em vez do infinitivo :
sem fazendo (Azurara, Chron. da- Guiné, 59). sem
temdo elle dito (Ord. Aff., I, 47, 7, ap. Gama Barros, Hist.
da Adm. pub., III, 754).
Obs. 3." Um simples partic. absoluto substitue-se
emphaticamente por uma or. de qtte ligada como su-
jeito ao partic. sendo:
Estava no mundo, e sendo que o mundo foy feito por
elle, nam o conheceo o mundo (Vieira, //, 171).
8YNTAIE HISTÓRICA POUTUGCESA 251
Obs. 4." Um partic. absoluto pode não trazer su-
jeito, ou por pertencer ao verbo impessoal, ou por o
sujeito se subentender facilmente da or. a que o partic.
está subordinado, ou por o sujeito ser indeterminado:
na Capella . . que está entrando pela porta principal
á mão direita (Diogo do Couto, Hist. Tragico-maritima,
212). oje prazendo ao senhor Deos avemos de hir pousar
cõ hús homês caridosos e de muyta piedade (Diogo Aff.,
113). esse nume foi Iam caleficado e ajustado á rezão
que abstrahindo ainda do amor, não convinha buscar-lhe
moderação (Ceita, 261 v.). (a mentira) he prima de viola
que querendo levantá-la, quebra (Tempo d'Agora, 1,1).
Esta falta se reparou, ajuntando duas telhas com os va-
zios para dentro (Freire, 146). Ao outro dia amanhe-
cendo tornou a benção ao Prelado (Sousa, V. do Are, 7,
185). São de Trento a Veneza vinte e húa legoas, contando
nellas o que ha de mar entre a terra e a cidade (Id. ibid.,
I, 200). foy esta a primeira Sessão delle das do tempo
do Papa Pio Quarto : mas decima septima contando as
que precederão em vida dos Papas Paulo, e Pio tercios
(Id. ibid., I, 215). a provisão de 2 de Março não podia
ter as consequências que, absolutamente faltando, deviam
derivar da sua doutrina (Herc, Cas. Civ., 145).
Neste caso estão, originariamente, os particip. exce-
ptuando, tirando, ete., que passaram a funecionar como
particulas exclusivas:
elle deve seer feyto com aquellas condiçoões que em o
postumeyro capitullo do livro primeyro forom scriptas,
tirando que o agradecimento nom será feyto rraramente
{V. Bemf., 266).
Obs. 5." O partic. absoluto emprega-se ainda quan-
do o seu sujeito se encontra exercendo uma funeção
252 6YNTAXF. iiibTOUiCA PORTUGUESA
na or. subordinante. (Esta prática em latim ó restricta;
V. Madv., § 428, obs. 1.»):
Vendo Egas que ficava fementido, \ O que d^elle Cas-
tella não cuidava, \ Determina de dar a doce vida \ A tro-
co da palavra mal comprida {Lus., III, 37) Como vós,
sendo Judeo, me pedis de beber a mim, sendo eu Samari-
tana? (Vieira, Serm., VII, 75).
§ 317. a) O presente do partic. em -ndo designa o
que é contemporâneo da acção do verbo subordinante.
Todavia, não resultando ambiguidade, também se empre-
ga fallando do que antecede a acção do verbo subordi-
nante :
Mu^a, o amir d' Africa, desembarcando nas costcLs da
Hespanha com um novo exercito, rendia Hispalis e, atra-
vessando o Ana, submettia ao jugo do Khalifa todo o occi-
dente da peninsida ibérica (Herc, Eur., 167).
Outrosim pode designar uma acção subsequente á
do verbo subordinante.
b) O pretérito do partic. designa o que é anterior
á acção do verbo subordinante.
Participio em -nte
§ 318. A forma verbal em -nte, representante do
partic. do presente latino, empregava-se, no port. arch.,
como partic. do presente — até com corapl. directo — , na
qualidade de attributo, apposto, ou partic. absoluto:
temête o dia de mia morte . . fiz mia mãda [=te^ta-
mento] {Test. de D. Aff. II, ap. L. de Vasc, Lições de Phil.
Port., 70). ou [=ao] sol levante . . ou sol poente (Doe.
de 1309 de Alcoentre, na Rev. Lus., VII, 74). caso acae-
cente (Port. Mon. Hist., F. de Lisboa, 413). rompente o
alvor {Livro de Linhagens, 259).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 253
temente conserva-se, com compl. directo, na expres-
são temente a Deus.
durante, mediante, não obstante, não einhargante con-
servam-se como partic. absolutos invariáveis, ligados a
um sujeito da 3.^ pessoa:
Quando algum caso for trazido em practica . . e tal
que por direito se deva guardar, seja por elles julgado,
não embargante que as leis imperiaes acerca do dito caso
disponham em outra maneira {Código man.^ liv. 2°, tit. 5°,
preamb., ap. Herc, Cas. Civ., 132-133).
Obs. Alguns escritores, por amor excessivo da exa-
ctidão grammatical, concordam mediante e não obstante
com os respectivos sujeitos:
não obstantes suas razões (Mon. Ltis., 3, 163, cl. 2, ap.
Blut).
salvante e tirante, propriamente partic. absolutos,
com sujeito indeterminado, aos quaes se junta um compl.
directo, conservam-se com o valor de partículas exclu-
sivas.
No mais (e além dos termos de brasão, v. g. : ca-
çante, levantante), as formas em -nte conservadas no port.
moderno só funccionam como simples adjectivos ou como
adjectivos substantivados, v. g.: amante, tirante (de car-
ruagem), nascente, escrevente, pedinte, ouvinte.
Partieipio passivo (simples)
§ 319. O partic. passivo simples, além de entrar na
formação da voz passiva e na dos tempos compostos da
activa, eraprega-se, ou como simples qualificação, servin-
do já de attributo, já de n. predicativo, ou ligado, em
forma de apposto, a uma palavra substantiva d'uma or.,
254 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUKSA
OU com sujeito próprio, servindo nestes dois últimos ca-
sos do exprimir causa, hypothese, etc. :
Mostrado claramente que nunca foi certo que dona
Enes fosse molher delRei dom Pedro (Fern. Lopes, D.
João /, 337). deo a galé á cosia, onde feita pedaços,
morrerão todos desastradamente (Cam,, Filodemo, V, 4).
Entramos em hwna batalha, onde vencidos, honraremos
nosso Deos com o sangue, vencedores, nosso Rei com a vi-
ctoria (Freire, 221).
Obs. 1." Quando o partic. tem sujeito próprio, ob-
servam-se as regras de concordância do verbo nos mo-
dos finitos :
tomada agoa e mantimentos pêra sua viagem (Aff.
de Albuquerque, Comm., €).
Obs. 2." Não é vulgar o emprego d'um partic. pas-
sivo concordado com um substantivo (v. g.: de sol nado
a sol posto) em vez do nome d'acção correspondente ao
partic. seguido da prepos. de com o dicto substantivo
{do nascer ao pôr do sol) :
. . na cidade Beja vai tomar \ Vingança de Trancoso
destruida | Affonso . . {Lus., Ill, 64). era quasi sol posto
quando chegámos (Garrett, Viagens, 237).
Rcgnaium Rontae ab condita urbe ad liberatam annoa
ducenios quadraginia quatiuor (T. Liv., I, 60) (v. Madv. § 426).
Obs. 3." Vários partic, comquanto passivos na for-
ma, tem ou podem ter significação activa, v. g.: ido
(=que foi), vindo (=que veio), homem lido (=que tem
muita leitura); fiquei muito bem janiado. Isto dá-se par-
ticularmente com os partic. dos verbos, que, sempre ou
em certas significações, só se empregam como reflexos,
V. g.: arrependido, de arrepender-se; lembrado, de lembrar-»e:
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 255
O Diabo do Meiodia era um diabo com garras com-
pridas e um pouco atraiçoado (Herc, Cas. Civ., 151).
Em latira: cenatus (tendo jantado) (Cie), pransus
(tendo almoçado) (Hor.), potus (tendo bebido bem) (Cie.),
obitus (fallecido) (Liv. Andronico, Apuleio, inscripções).
§ 320. O partic. passivo designa uma acção preté-
rita, ou um estado resultante de uma acção pretérita em
relação ao verbo subordinante.
Todavia, juntando-se uma designação temporal apro-
priada, pode signiflcar-se que a acção é pretérita em re-
lação ao tempo de quem está fallando.
Empregado como atributo ou apposto, pode tam-
bém, não havendo ambiguidade, ter a significação de
presente.
Conjugação periphrastioa
§ 321. Com o verbo andar e o partic. presente ou
o infinito precedido da prepos. a, representa-se a acção
como objecto de occupação prolongada:
htia vez a águia, andando buscando caça (FabuL,
fab. 13). dizend'anda mui gran traiçom \ de mim e de
vós . . (Lang, 98). E também as memorias gloriosas | D'a'
quelles Reis que forão dilatando \ A Fe, O Império, e as
terras viciosas | De Africa e de Ásia andarão devastando
(Lus., I, 2). Passando acaso Alexandre Magno por jun-
to a hum cemeterio, vio nelle a Diógenes : e como lhe per-
guntasse que fazia naqu£lle lugar, respondeo o Filosofo :
Atido aqui buscando os ossos de Filippe de Macedónia,
mas não os posso distinguir (Vieira, XI, 262).
§ 322. a) Com o verbo ir e o partic. presente, ex-
prime-se a realização gradual da acção:
256 8YNTAXE HISTOKICA PORTUGUESA
Então se forão retirando huns apoz outros (Vieira,
7, 801).
b) Com o mesmo verbo ir e o infinito (também pre-
cedido da prepos. á), exprime-se um futuro imediato:
he tempo, vamos a fazer nossa obra (Barros, 5, 220,
cl. 3, ap. l^lut.). Telmo vai a sahir (Garrett, Fr. Luiz de
Sousa, V).
Com esta periphrase, exprime-se também estranheza
de que um facto se dê (v. g.: Que foste tu dizer !).
c) Com o pret. imperfeito do mesmo verbo e o par-
tic. presente, significa-se que a acção esteve quasi a rea-
lizar-se (v. g.: ia-me esquecendo, ia caindo) :
ia caindo . . estatelado no chão (Garrett, Viag., 34).
O doente vai melhor, mas ia matando o medico ! (R. da
Silva, Mocidade, 260).
d) Com o presente, pret. imperfeito e futuro imper-
feito do mesmo verbo e o infinito precedido de a ou para,
representa-se a acção, como tendo só o primeiro princi-
pio:
e dizendo isto, já hia a levantar-se para sahir do Se-
nado (J. Liberato F. de Carvalho, Tr. de Tácito, Annaes,
2, 34).
§ 323. a) Com o verbo vir e o partic. presente, ex-
prime-se a realização gradual da acção :
Quando Tobias ouvio que vinha chegando seo filho
(Vieira, I, 672).
Obs. A differença entre esta periphrase e a for-
mada com o verbo ir (§ 322, o) é só a que resulta da
diversa significação de vir e de ir.
b) A combinação do verbo vir com o infinito de
alguns verbos ajunta á significação d'estes verbos a ideia
SYNTAXE HISTÓRICA POUTUOUESA 257
de *por íiin» (v. g.: Isto vem a significar . . equivale a :
Isto, por fim, significa . .):
preparar estes pós de modo, que venhão a ter Mia
ião grande virtude (Vieira, I, 1044). vem isto a significar
(Ceita, 216 x.).
§ 324. a) Com estar e o partic. presente, ou o infini-
tivo precedido da prepos. a, representa-se, de modo pre-
ciso, a acção como estando começada.
b) Com este mesmo verbo e o infinitivo precedido
da prepos. para, exprime-se que está imminente a reali-
zação da acção, ou que um ser está disposto a praticar a
acção, ou, o que actualmente é raro, o que não aconte-
ceu por pouco :
esteve pêra cahir (Bern. Rib., Men., 57). estive para
lhe mandar por obediência que me considerasse morto
(Chagas, Cartas esp., 19).
§ 325. a) Com o verbo ter, e também haver (nos
tempos simples) e o infinitivo precedido da prepos. de,
exprime-se que o praticar a acção é necessidade imposta
pelas leis da natureza (ou da lógica), ou pelas circunstan-
cias, ou conveniências, ou pela lei moral:
Os bons amigos hão-de ser ancoras e amarra na tê-
pestade desta vida (H. P., I, 3C5 y.). Quando Alarico si-
tiou a Roma, virão-se os Romanos tão apertados, que hou-
verão de remir a dinheiro o levantar-se o sitio (Vieira,
S. de St.^ Cath., 10). De todos os homês nos havemos de
guardar; porque todos tentão (Vieira, /, 829).
Obs. 1." É incorrecção (em que os bons escripto-
res raras vezes caem) dizer: ter que e ter a por íer de, fa-
zer uma coisa.
008.2." É de notar, em particular, a expressão:
aígo houvera de acontecer = teria, acontecido infallivel-
mente :
17
258 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
. . e houvera de ho malar, se não fora ho capacete
(Castanh., III, 42).
Obs. 3." No port. arcli. médio supprimia-se ás ve-
zes de, depois do haver :
OU haveis deixar entrar a todos, ou vos hão de ter por
villão ruim (Cam., Seleuco, Prologo).
ipsam ergo vallem nos iransversare habebamus (Pe-
regr. Aethaer., 2, 1).
Outrosiin no port. arch, também se dizia haver a,
em vez de haver de :
ssi . . meu filio ou mia filia que no meu lugar ouver a
reinar (Test. de D. Aff. II, ap. L. de Vaso., Lições de Phil.
Port., 14).
b) A periphrase, com haver, exprime que alguém é
levado, por certas considerações, a crer que se dá ou se
dava um facto (v. g.: elle ha-de estar agora em casa).
Obs. Com o mesmo sentido, se emprega o verbo
dever :
Elle não deve tardar (Prestes, 312).
c) Também se emprega (no presente e pret. imperf.)
em interrogações:
1) em que se pergunta o que é (ou era) de razão
fazer-se, ou se é (ou era) de razão fazer-se uma cousa,
ou 2) em que se quer significar que custa a compreen-
der que uma cousa aconteça (agora ou de futuro) ou acon-
tecesse (v. g.: Pois eu havia de esquecer-me de ti?) (o
latim emprega o conjunctivo, v. Madv. § 353; o allemào
serve-se de sollen).
d) O presente indicativo d'esta conjugação empre-
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 259
ga-se em lugar do futuro imperfeito (e o pret. imperfeito
em lugar do presente condicional, v. § 263) da conjuga-
ção ordinária, para exprimir a resolução assente de pra-
ticar uma acção ou a certeza de que uma cousa aconte-
cerá:
Por que sei que ey tal coyia sofrer (João Vasques,
Faí., 42, 7). he certo que Deos lhe tinha promettido que
havia de morrer em paz (Vieira, I, 1068 e 1069). Hei de
obrigar-vos a fechar na gaveta, ao menos uma vez, as pa-
ginas blasphemas do jesuíta Perrone (Herc, Cas. Civ., 48).
Appendice
§ 326. De alguns verbos (intransitivos ou tomados
em sentido intransitivo) pode empregar-se o partic. pas-
sivo combinado com o verbo ser, para exprimir um acto
consumado (v. g.: somos chegados, correspondente a che-
gámos.). Assim:
O presente do verbo ser, com o partic. passivo d'es-
tes verbos, corresponde ao pret. perfeito dos mesmos
verbos.
O pret. imperf. do verbo ser, com o partic. passivo
d'estes verbos, corresponde ao pret. m-q-perfeito dos
mesmos verbos.
O pret. perfeito do verbo ser, cora o partic. passivo
d'estes verbos, corresponde ao pret. perfeito dos mesmos
verbos.
O futuro imperf. do verbo ser, com o partic. passivo
d'estes verbos, corresponde ao fut. perf. dos mesmos ver-
bos.
Neste tempo não era ainda nacido Elias (Vieira, 7,
1111).
Estas combinações representam litteralmente os
tempos compostos dos depoentes latinos.
260 BYNTAXK IIISTOIUCA PORTUGUESA
SECÇÃO n
Da ligação das orações
CAPITULO I
Da coordenação (')
§ 327, a) Para haver coordenação basta que o va-
lor syntactico dos membros, que se coordenam, soja o
mesmo. Assim podem, por ex., coordenar-se entre si
attributos constituídos por um adjectivo, uma prepos.
com substantivo, uma or. relativa:
Por um caminho tão áspero e de tão mãos passos
(M. Lusit., I, 372, cl. 2, ap. Blut.). Um homem agiganta-
do e de fera catadura saiu da choupana murmurando
sons mal articidados (Herc, Eur., 175).
b) Duas orações podem estar coordenadas asynde-
cticamonte, deixando-so, comtudo, deprehender do con-
texto que a segunda é consequência da primeira:
Vão-se os gatos, estendem-se os ratos (Prov.).
bellum . . magniim et alrox tmriaquc vidoria (Sall.,
Jug.). stiavissimum et hominem el summi offUni (Cie, ad
fam., 16, 4). praedatum atquc in expediiiones (T. Liv., I, 54).
seu ila rali, sen quia . . (T. Liv., I, 4).
É, porem, insólita a coordenação de um pron. rela-
tivo com palavra substantiva:
o qual fJayme o conquistador] e seu filho El-Rey
Í'J Para maior brevidade, trata-se aqui da coordcnaç3o dos membros de uma
or. juntaincnto com a coordonaçío das orações.
SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGUESA 261
D. Pedro, pay de Izahel, forão os que conquistarão, em
Hespanha, o Reyno de Valença, em Itália o Reyno de
Sicília (Vieira, II, § 5).
§ 328. a) A conjuncção copulativa (positiva) é e.
Com e podem concorrer: 1) expressões correspondentes
ao latim tamem, 2) expressões conclusivas:
S. Pedro sabia de certo, que Deos lhe tinha perdoado,
e comtudo não cessava de chorar continuamente (Vieira, /,
895-896). Não o experimentou assi David e mays /"= e
todavia] servia a hã Rey injusto e inimigo (Id. ibid., 634).
Note-se o modo de dizer: esquadrões e esquadrões
(=grandissimo numero de esquadrões) (Herc, Eur., 228).
b) Por imitação do latim, occorre na litteratura e,
equivalendo a «inclusivamente -:
..poios doze Pares dar-vos quero \ Os doze de Ingla-
terra e o seu Magriço (Lus., I, 12).
§ 329. a) Duas orações podem estar ligadas simples-
mente por e, depreliendendo-se, todavia, do contexto,
que a 2.» oração:
1) forma antithese com a 1.^ (vindo e a equivaler a
e comtudo, e todavia):
Não era Christão Platão, e [=e todavia] mandava
na sua Republica que nenhum official pudesse apprender
duas artes (Vieira, I, 480). Miguel, Miguel, não tens
abelhas, e vendes mel (Prov.).
Ingrata es, inquU, ore quae noslro capiU | incólume abs-
iuleris et mercedeni postules (Phodro, I, 8, 10-11).
2) ou exprime uma consequência do que se enun-
cia na l.** oração (que, neste caso, é as mais das vezes
imperativa ou optativa).
Huic similiter — impinge lapidem, et dignum accipies
praemium (Phedro, III, 5, 67).
262 SYNTAXE HISTÓRICA POKTUGUESA
b) Ligando clausulas, pode estar e onde, para maior
precisão, havia de estar uma partícula adversativa:
A verdade fica, e as preoccupações passam (Herc,
Op. Ill, 5).
c) Quando dois membros coordenados se excluem
um ao outro, se ao primeiro se dá a forma attirmativa e
ao segundo a negativa, costumam ligar-se com a conjun-
cção e (que podo ser substituída pela anaphora).
d) A uma or. introduzida por conjuncção adversa-
tiva ou circunistancial pode coordonar-se copulativa-
monte outra or., tendo, todavia, a primeira or. de ser
logicamente considerada circumsíancia da segunda:
Vinde bemditlos de meo Padre, porque tive fome, e
me destes de comer (Vieira, I, 976). Pareceu-me que este
lhe ordenava o que quer que fosse; mas falava na sua
linguagem barbara, e não o pude entender (Herc, Eur., 69).
§ 330. Na enumeração do vários termos, o ordiná-
rio é pôr a copulativa antes do ultimo; émphaticamente
também se põe antes do segundo e dos seguintes, e, no
estilo oratório — o que todavia ó raro — até antes do pri-
meiro :
qualquer observador não vulgar . . quer estudar os
homens e as nações e as edades (Garrett, Viag., 195). esse
povo . . I Que ri, e chora, e folga, e geme, e morre (Herc,
Pões., pg. 59).
§ 331. No estilo animado pode:
1) omittir-se a conjuncção copulativa:
Picão de esporas, largão rédeas logo, \ Abaxão Inn-
ças, fere a terra fogo (Lu^., VI, 63).
2) substitui-la pela anaphora :
Doesta arte o Malabar, doesta arte o Luso \ Caminhão
lá pêra onde o Rei o espera (Lus., VII, 45). Era de ver
aquella grande moderação e humildade tão profunda do
STNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 263
Arcebispo em todo outro vegocio, qual se tornava em tra-
tando dos de Deos: era fogo, era rayo, era corisco (Sou-
sa, V. do Are, I, 242).
§ 332. São de notar as expressões, com numeraes,
V. g.: três, quatro, no sentido de três e até, quatro:
tem três quatro molheres (Magalhães Gandavo, Hist.
da prov. de S.*^ Cruz, 3õ, v.).
§ 333. De dar realce á pluridade dos objectos ser-
ve (entre membros de uma oração) tanto [assim] — como
(que substituiu o latim et-et):
offeyro . . todo hu herdamento de Crexemil, assi us
das sestas como todo u outro herdamento (Doe. de 1193,
ap. L. de Vasconc, Tx. arch., 14). assi per mar come per
terra (Fern. Lopes, D. João I, 247). Isto nos cotaram
assi aquelle peregrino como ha [=aj dona honrrada
(Dlego Aff., 279).
§ 334. A conjuncção ou tem lugar em todas as dis-
juncções :
Quando o Archiiriclino, ou regente da mesa, provou
o vinho milagroso, diz o Evangelista S. João, que gostou
a agua feyta vinho (Vieira, /, 182). Pouco fez, ou bai-
xamente avalia suas acçoens, quem cuyda que lhas podião
pagar os homens (Vieira, I, 314). Os dias de minha vida
(diz Job) ou eu queyra, ou não queyra, hão-se de acabar
brevemente (Id. ibid., 1088). Ao cabo da existência, os
applausos ou as censuras do mundo fazem mediocre im-
pressão em quem está costumado a reflectir (Herc, Op.
I, 296). na batalha do rio Chryssus ou Guadalete (Herc,
Eur., 4).
Obs. A conjunc. ou ás vezes equivaio a ou até :
As portas, os pátios, as ruas rebentando de gente, e
264 SYNTAXE HISTÓRICA POKTUQUESA
O ministro encãtado, sem se saber se eslá em casa ou se o
ha no mundo (Vieira, I, 543).
§ 335. a) Na coordenação de dois ou mais membros
pode antepor-se ou também ao primeiro.
b) Depois de uma expressão de sentido imperativo,
na or. que se juntar para declarar o que de contrario
acontecerá, pode substituir-se ou [ou então] por aliáSy
quando não, e locuções semelhantes.
c) Em membros disjunctivos diz-se: ou seja (ou
fosse)— ou seja (ou fosse), e: ou seja (ou fosse) — ou, para
significar emphaticamento a indiferença dos casos pro-
postos, o quando se apresentar uma expressão equiva-
lente, ou se deixa indecisa a classificação que uma cousa
deve ter:
De lá . . onde iUuslraes o Mundo com vossas vidorias,
ou seja no circulo do Astro, ou no frio Setentrião (Vieira,
//, § 38). Se alguém me replicar, que este, ou seja conhe-
cimento, ou modéstia, não he tão decente (Id. ibid., 132).
Também se diz simplesmente : seja (fosse) — seja
(fosse) :
tudo quanto sentia, fossem tristezas, fossem alegrias
(Diniz, Pup., 40, ap. M. Liibke).
§ 336. Quer-quer indica uma distincção de casos que
é indiferente em relação ao pensamento que se enuncia :
u f=ondeJ quer que eu moira, quer en meu reino
quer fora de meu regno: fazam aduzer meu corpo por
mias custas a Alcohaza (Test. de D. Aff. 11, ap. L. do Vas-
conc. Lições de Phil. Port., 72).
Da mesma maneira que a conjuncçào ou, também
quer-quer se reforça com seja (fosse).
§ 337. a) nem repetido (nem-nem), ou empregado
uma vez só, mas depois do termos negativos (v. g.: não,
nunca, sem), é conjuncção copula ti va negativa:
SYNTAXE HISTÓRICA POKTUGUESA 265
O avaro nom faz bem a ssy nem a outrem {Fabul.,
fab. 42).
Obs. l.<^ Na coordenaçãe de termos d'uma or., o
port. arch. médio, em vez do nem-nem, ás vezes omittia
o pi*imeiro nem :
Codro, nem Curcio, ouvido por espanto \ Nem os De-
dos leais fízerão tanto (Lus., IV, 53). . . saber humano
nem prudência j Enganos tão fingidos não alcança (Id.,
II, 31).
Obs. 2." Está em desuso o emprego de «cot por om,
V. g., quando o predicado é acompanhado de difficil-
mente, mal, apenas, etc, e quando a phrase envolve a
ideia da ncão existência de uma cousa, particularmente
nas interrogações oratórias de sentido negativo :
E se verdade leixardes de dezer por sanha, nem por
ira, nem por cobiça nem por prol . . (Port. Mon. Hist., Or-
denações de D. Duarte, 299). Apenas tem havido purpu-
ra antiga, nem moderna, que por leves sospeitas neste gé-
nero, se não tingisse em sangue (Vieira, //, 37). E quem
poderia crer nem imaginar que . . ? (Id., YII, 35). Mas
para que são versoens nem exposiçoens, se temos o mes-
mo author do texto ? (Id., II, 76). quem poderá bastan-
temente considerar, nem comprehender as infelicidades . .
que em sy contem a desgraça geral de húa peste? (Id.
ibid., 193).
b) Introduzindo clausulas e parentheses, pode em-
pregar-se nem por porem não :
Sou eu o primeiro que não sei classificar este livro;
nem isso me aflige demasiado (Herc., Eur., 311).
§ 338. A omissão de conjuncção disjunctiva só é
licita, quando d'ai não resulta obscuridade, por ex., em
antitheses breves, como: queira, não queira.
velim, nolim.
266 SYNTAXE HI8T0UICA P0RTU0CJE8A
§ 339. Mas (arch. mais) serve de ordinário de desi-
gnar o quo so contrapõe ao que se disse precedente-
mente ou o restringe :
E um sonho the sorriu \ Fugaz, mas amoroso (Horc,
Pões., pg. .104).
§ 340, a) Quando se contrapõe a um membro nega-
tivo, mas reforça-se com o adverbio sim.
b) mas pode omittir-se, quando a antithese já se
acha suftlcientemente demonstrada por outro modo :
[»S.'"] Izahcl não buscava coroas, antes as coroas a
buscavão a ella (Vieira, //, 20).
§ 341. porem é adversativa mais frouxa do que mas.
Obs. porém no port. arcli. médio também so em-
pregava advorbialmonte cora o sentido do: todavia, com-
indo; no port. arch. (por ende), significava por isso, pot'
tanto.
§ 342. ora, como adversativa, liga orações e intro-
duz um pensamento que ó só diverso do que se enun-
ciou precedentemente.
§ 343. senão, na qualidade de adversativa, só tem
lugar como synonyma de mas, quando a ura membro ne-
gativo se contrapõe ura afflrraativo :
a santidade nam consiste em muito contemplar, se-
nam em muito obrar (Chagas, /, 2).
Excepto na locução: não só — senão também, quando
o segundo membro é constituído por uma or. com pre-
dicado diferente, não se diz simplesmente: senão, mas
sim : senão que :
não tomou para sij essas novas glorias, senão que to-
dus as quiz para elle (Vieira, II, 50).
§ 344. pois, como adversativa, emprega-se nas repli-
cas, se se quer representar, como cousa de estranhar o
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 267
serem ao mesmo tempo verdadeiros os enunciados que
se contrapõem:
. . Pompilio, ouvindo que a possança I Dos imtnigos a
terra lhe corria, | A quem lhe a dura nova estava dando,
I *iPois eu* responde restou sacrificando^ (Lus., VIII, 31).
CAPITULO II
Da subordinação
A. Orações substantivas
§ 345. As orações substantivas são ou orações in-
troduzidas pela conjuneção que (e ás vezes também por
como) (no port. arch. ca), ou interrogativas ou infinitivas
§ 346. a) Uma or. de que pode ser sujeito de ver-
bos intransitivos e da passiva de verbos transitivos, que
na activa possam ter uma or. de que por compl. directo:
semelhava que todos os fundamentos da terra se mo-
viam (Vis. de Tundalo). acertou assi que aquella hora
chegava hã cavalleiro (Bern. Rib,, Men., 38). Que muito
[é que] vos chame o inundo, quando o mesmo Deos em
trajes de Seraphim vos imprimio suas chagas? (Ceita, 26,
V. 2). Não vos parece que he terrível cousa ser a
morte momentânea? (Vieira, /, 1082). Foy sua ventura
que andava o Arcebispo na mesma conjunção visitando . .
(Sousa, V. do Are, I, 513). Sem concórdia, inevitável é
que o edifício social desabe (Herc, Op., I, 46).
Obs. 1." Parece pertencer a esta categoria a or. de
qtie junta a ainda mal, ainda bem, felizmente, etc:
ainda bem que viestes (Garrett, Fr. Luiz de Souza,
acto I).
268 8YNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA
Obs. 2." Em visto que, posto qitc, excepto que, salvo que,
não obstante que, não embargante que, otc, que propria-
mente introduz uma or. que é sujeito do partic. abso-
luto:
E nom embargante que estas declarações sejam am-
bas pertencentes (V. Bemf., 17). não obstante que não tinha
bõs pés (Ceita, 125). salvo que ahi . . a injuria de godos
respondia d injuria proferida por bocas de godos (Herc,
Eur., 103).
Obs. 3." Junta-se uma or. de que á obscura loc. elli-
ptica a niodo :
E a modo que procura reconhecer feições (Garrett.,
Cam., 3).
Obs. 4." Em alguns lugares do país (v. g.: no Alan-
droal) diz-se: pode que — por: pode ser que~{v. Rcv. Lus.^
IV, pg. 48).
b) Também pode servii' de n. predicativo :
As razoens que davão para arribar, forão que a Nao
era muito grande (Hist. Tragico-Maritima, I, 6). Um
pensamento horrivel passou a ambos pelo espirito: era
que os árabes podiam chegar! (Herc, Eur., 251).
Outrosim, pode ser apposto epexegetico de pronome
e ainda de substantivo :
Todos naçemos com este concerto j Que, quem tiver
vida, tem certo perde-la (Diogo Brandão, Canc. Ger., 11,
191). este mal tem os príncipes, que nam tem quem lhe
ouze dizer a verdade descuberta (H. P., /, 364 \.).
E' apposto epexegetico em varias loc. conjunccionaes,
V. g.: no caso que, por isso que, coinlanto que, (archaico)
com. tal que.
§ 347. Na qualidade de compl. dii'ecto liga-se uma
or. de que:
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 269
1) aos verbos sensitivos e declarativos, e locuções
correspondentes :
E eles diserõ ca erõ da casa do rey Artur (Demanda
do S.*° Graall, ap. L. de Vasconc, Tx. arch., 39). Eu sem-
pre tive pêra mim, e tenho inda agora, que híta das gran-
des perdas, que he no inundo, he a do tempo (H. P., /,
146 V.).
2) aos que exprimem a ideia de, por qualquer mo-
do, ser causa ou impedimento de uma acção ;
Aias a deosa em Cythera celebrada \ . . Não consente
que em terra tão remota | Se perca a gente d'eUa tão ama-
da (Lus., I, 100). Mandou Christo a S. Pedro, que pa-
gasse o tributo a César, e disse-lhe que fosse pescar, e que
na bocca do primeiro peixe acharia huma moeda de prata
com que pagasse (Vieira, »S. S.^° Anto.).
3) aos de: desejar e querer.
4) aos de: temer, ou: esperar.
5) aos de: sentir (=:ter pena), ou: estimar, e appro-
var, ou: desapprovar.
6) á maior parte dos que, em certas combinações
(v. g.: dar por desculpa), podem ter por compl. directo
um substantivo abstracto :
tomastes por salva [substantivo] que a cidade, que
descrevíeis, era decida do céo á terra (Vieira, IV, 195,
ap. Blut.).
Obs. Alguns dos verbos de que trata este §, também
tera outra syntaxe, v. g. :
1) pedir também se construe intransitivamente se-
guido de para que, ou de para (com infinitivo).
Também em latim a or. de ut que se junta ao verbo
peto, é originariamente uma or. final.
2) Em lugar de fazer que — , também se diz fazer
com que —:
270 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
E O amor faz, com que esla [memoria] se despeje, e
fique totalmente solitária de lembranças de crealuras
(Chagas, 194).
§ 348. Liga-se uma or. de que a ser servido :
he Deos servido que não trabalhem debalde (Godinho,
169). E foi Deos servido, que se achasse este padre em
sua morte (Sousa, V. do Are, I, 16).
§ 349. Precedida da prepos. a, junta-se uma or. de
que aos verbos, loc. verbaes, adjectivos e substantivos,
que possam ser determinados por um substantivo abstra-
cto, precedido da prepos. a :
No meio das difficuldades que surgiam de todos os
lados, não se attendeu a que, alteradas as disposições do
decreto, era necessário pôr em harmonia com ellas a ex-
posição dos motivos (Herc, Cas. Civ., 87). attentos sem-
pre a que não nos illuda a cada momento um fabricante
de mentiras ou um faUificador de documentos e textos
(Id., Op. Ill, 133).
No port. arch. médio suprimia-se, ás vezes, a prepos.
depois de alguns verbos:
nom o poderom constranger que se apartasse (Azura-
ra, Chron. da Guiné, cap. 5).
§ 350. a) Precedida da prepos. de, junta-se uma or.
de que aos verbos, loc. verbaes, adjectivos e substantivos,
que podem ser determinados por substantivos abstractos
precedidos da prepos. de:
O cataléptico, fechado no seu caixão, ouve, sente, tem,
a consciência de que foi sepultado vivo (Herc, Op., I, 196).
Obs. 1." A prepos. de pode omittir-se depois dos
verbos e locuções pertencentes a esta cathegoría :
ela tinha esperamça que se elle esto fezesse que seu
filho averia perfeita saúde (Mil. de S.*'* António, 22).
SYNTAXE HISTOUICA POUTOQUESA 271
ella movia a cabeça a huua parte e aa outra, a maneira
de homeem que faz sinal, que nega algua coiissa (Id., 49).
eu folgaria muyto . . que nos assentássemos (H. P., /,
421 V.). folgará que em nossos dias \ Outro Hercules vivo
fora (Prestes, 303). hiam outros queixar-se que ho Arce-
bispo . . hos deserdava e lhe tomava suas fazendas (Diego
Aff., 77). com condição que ho Arcebispo não fosse pre-
sente (Id., 137). mandou fee que tal visse nê ouvisse (Id.,
206). AdmiraS'te, Jacob, que eu podendo-te vencer, me
deixasse vencer de ti? (Vieira, VII, 4). Pregador que pe-
leja com as arenas alheyas, não hajais medo que derrube
gigante (Id., /, 54). estou certo, que tienhum entendimento,
que tenha Fé, lhe pode achar reposta (Id., 1038). envergo-
nho-me, sendo pensamento tão Christão, que o dissesse pri-
meyro um Gentio (Id., 1045). não ha duvida, que os ho-
més são peyores inimigos que os Demónios (Id., 768).
Fez conta que tinha dous mezes do Outono vagos, deter-
minou aproveitallos (Sousa, V. do Are, 1, 275). despedio
aquella manhã dous criados a cavallo com ordem que sa-
hissem pela porta e catninho de Siena hmn bom espaço
(Id. ibid., 7, 294-295). quando madeiro verde começa a
estilar agoa na chaminé, signal he que se vay tomando
do fogo (Sousa, V. do Are, 1, 468).
Obs. 2." Duvidar como, em vez de duvidar de que, é
archaico :
Eu . . I Nenhfia cousa duvido \ Como ella he azo de
danos (Bern. Ribeiro, Men., cap. 21).
Obs. 3.C É também antiquado e raro construir não
duvidar, não haver duvida, não ha que debater, com or.
introduzida por senão que :
nam ha hi duvida senam que sam ellas [leis] muito
272 8YNTAXB HISTOttlCA POKTUOUESA
mays substanciaes e necessárias ao príncipe que a mathe-
matica (H. P., 7, 227). Se nós bem considerássemos que
somos, e em que nos avemos de tornar, nam ha hi duvida
senam que milhorariamos nossas consciências (Id., 7, 426,
426 V.). Nê ha hi que debater^ senão que estes animosos
varões preferiam a honra de Deos d própria vida (Id., 7,
461). não tenho duvida se não que este Sínodo assi como
foy o primeiro despois dos antigos, será também o derra-
deiro (Sousa, V. do Are, 1, 493).
Cf. em inglês: there is no doubt but — (não lia duvida
de que—).
b) Precedida da mesma prepos. em sentido defini-
tivo, junta-se uma or. de que a substantivo:
A lei representava o principio de que o casamento é
em si um contracto natural e civil (Herc, Cas. cív., 114).
§ 351. Precedida da prepos. em, junta-se uma or.
de que aos verbos e locuções verbaes que se construem
com a prepos. em, e aos substantivos correspondentes:
Que te vae a ti em que quem te deo, t'a pida [=peça]
(Man. d'Epicteto, 47).
Obs. Depois de vários verbos e locuções podesup-
primir-se a prepos. em:
todos concordão que . . (Vieira, S. do b. Estanislao),
§ 352. Liga-se uma or. de que ás prepos. sem, sobre
[=alem de], e a varias lòc. preposicionaes, v. g.: alem de.
§353. Observações ao emprego das or. -substanti-
vas de que:
Obs. 1." Geralmente fallando, uma or. substantiva
de que não se emprega, excepto depois dos verbos sen-
sitivos e declarativos, quando o predicado da or. sub-
stantiva, e o da or. subordinante hajam de referir-se ao
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 273
mesmo sujeito: em tal caso emprega-se o infinitivo,
V. g.: Consegues ser feliz, e não: Consegues que sejas feliz.
Obs. 2." Depois da particula comparativa que (e do
que), não se põe or. de que, mas ou se simplifica a ex-
pressão, supprimindo a simples subordinativa que (ha-
plologia syntactica) v. g.: é melhor que elle morra do que
esteja a padecer tal tormento, ou a or. de que é substituída
pelo infinitivo : é melhor que elle morra que estar a padecer
tal tormento :
Sabe que mais quero que me des a Çesar, que me tra-
eeres em aqueste tormento (V. Bemf., 283).
§ 354. O port. arch. médio empregava frequente-
mente o adverbio como pela conjuncção que. Todavia,
esta prática (hoje quasi antiquada) é mui restricta e quasi
só se dá depois de verbos sensitivos e declarativos, e em
summarios de capítulos;
quãdo souberou como Hercolles era viindo em Espanha,
prougue-lhes enãe muyto (Lenda da Vinda de Hercules a
Lisboa, ap. L. de Vasconc, Tx. arch., 46). visto como elle
fora citado perentoriamente (Diego Aff., 78).
Em summarios também se diz : de como, em como, e
também depois dos verbos declarativos (no port. arch.
também depois dos verbos sensitivos), e dos substantivos
correspondentes: em como:
Em quanto isto assi passava foy dito a elrey em como
ho Arcebispo recusava fazer o que tinha prometido (Diego
Aff., 71).
§ 355. As or. interrogativas subordinadas são intro-
duzidas :
1) pelos pron. e advérbios interrogativos :
cõsirãdo quãmanho prejuizo do tal feyto a todos podia
recrecer (Diego Aff., 119),
2) pela particula interrogativa se;
18
274 BTNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Mestre: quel-o assi? — Cavalleiro : Mestre, se quero!
(se quero! dependo do ainda perguntas, que se subenten-
de) (Prestes, 31).
§ 356. a) Uraa or. interrogativa subordinada serve
d© sujeito dos vorbos passivos, o dos predicados equiva-
lentes a verbos passivos, ou de compl. directo dos ver-
bos transitivos:
Abri aquellas sepulturas . . e vede qual he alli o se-
nhor, e qual o servo, qual he alli o pobre, e qual o rico
(Vieira, /, llõ).
b) Tambom pode ligar-se como apposto epexegotico :
1) aos substantivos duvida, disputa, pergunta, pro-
blema, e seus synonymos . .
2) a um pron. interrogativo:
eu não sei resolver qual besta-féra é mais damninha,
se um assassino do corpo, se um envenenador do espirito
(Herc, Op. I, 133).
c) No port. arch. médio tambom se construía ser
alguém perguntado com uma or. interrogativa :
O corpo morto manda ser trazido, \ Que resucite e seja
perguntado \ Quem foi seu matador, e será crido \ Por tes-
temunho, o seu, mais approvado (Lus., X, 115).
Outrosim, pode ser precedida das propôs, sobre, de,
em, para :
corrido até certa baliza, ou meta, incertos de quem ha-
via chegar primeyro, ou depois (Vieira, /, 1072). conten-
dendo sobre qual fLaria com o primado da Grécia (Mon.
Lus., I, 126, cl. 2, ap. Blut.). foges de te lembrar de quem
sou (Man. Bernardes, Pão partido, 2, § 9). E isto se fará . .
cuidando algum tempo antes, em quem he o Senhor, que
vou receber (Id. ibid., § 14). informando-sc de como vivião
(Sousa, V. do Are, I, 117). o habito pedia muytos perdões
de qual se imaginava (Id. ibid., I, 278). mais se espantará
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 275
de como podia soffrer cargo tão pesado que da anda que
tinha polo lançar de sy (Id. ibid., /, 429). Hesita . . sobre
se conviria (Herc, Eur., 315).
Também pode ser precedida da prepos. a, quando se
diz que uma coisa se faz á compita.
se não quando levantando os olhos vem cobrir se os ro-
chedos de húa e outra parte de homens e molheres que se
vinhão arremessando polias costas ahaijxo a quem mais
podia correr contra a Igreja (Sousa, Vida do Arceh., 1, 483).
Debatendo a qual mais com anciã forte (Eneida Portug.,
77, 106).
O port. arch. médio ligava frequentemente a prepos.
por, de ordinário em sentido causal, a orações introduzi-
das pelos interrogativos quanto, quão, qual, como :
rogo-vos ora que por qual amor | vos ei, Ihi queirades
tanto rogar \ que se doia ja do meu mal /Lang., 31). Per
quaes novas ofeu aprendi \ eras me verra meu amigo veer
(Martira de Caldas, Vat., 800). lhe fizera de contino mui-
tas mercês, por quam lealmente o servira {A&. de Albuq.,
Comm., 35).
§ 357. E imitação rara da syntaxe latina o emprego
de duas palavras interrogativas nào coordenadas na mes-
ma oração :
. . e descuberto \ Qual a qual tem caido das consortes,
I Cada húa escreve ao seu por vários modos \ E todas a
seu Bei, e o Buque a todos {Lus., VI, 50).
Considera . . , quis quem fraudasse dicatur (Cie, pro
Rose. Com., V. Madv., § 492).
§ 358. No port. arch. era frequente antepor ás pa-
lavras interrogativas das or. subordinadas a palavra que :
per g untar om-lhe as vezinhas que adomde leixara ela o
filho {Mil. de àS.'° Ant., 17). E pensava antre ssy que
276
SYNTAXE HISTÓRICA POnXUGUESA
domde 'avería aquelle moço que era tam fermosso (Id., 1&).
preguntou aos servidores do moesteiro com que emcontrava
queixosamente que adomde estava frey António (Id., 28).
. . dizendo que pêra que era aquilo bom, que porque lhe não
mandava ezcarlata (Castanh., J, 6). Perguntei-lhes que por
onde tinham sabido . . (Roteiro de D. João de Castro^ 201).
Obs. Sou informado do que é pratica popular ©m
algumas partes do Algarve.
§ à59. Em interrogações disjunctivas diz- se : se —ou :
se — ou se ; se — se:
vendo se velarão, ou se dormido (Mon. Lusit., I, 159,
cl. 2, ap. Blut.). Pela voz se conhece se os sinos estão sãos,
ou quebrados (Melo, Carta de Guia de Cas., 85, ap. Blut.).
e comtudo não sabe o homem se é digno d'amor, ou de ódio
(P.^ do Fig., tr. da Vulgata, Eccles., O, 1).
§ 360. Os pronomes e advérbios pronominaes inter-
rogativos podem introduzir, ao mesmo tempo, duas ora-
ções, uma subordinada á outra, dando o caracter de in-
terrogativa (directa ou indirecta) á subordinante, mas
pertencendo, como sujeito ou determinação á subordi-
nada: Que livro lhe aconselhaste que comprasse? (Que li-
vro dá o caracter de interrogativa á or. de aconselhaste,
mas é compl. directo de comprasse, verbo da or. subor-
dinada a aconselhaste) :
Quando lhe heide eu dizer que estás aqui? (Garrett,
Viagens, 161).
Cf. § 367.
§ 361. Quando a um verbo sensitivo se liga uma or.
interrogativa do como, pode juntar-se emphaticamento ao
verbo subordinante, como compl. directo, o nome ou
pronome que havia de ser sujeito da or. interrogativa:
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 277
à solta, é vê-los \ como vem pelas ruas bordejando
(Cast., Fastos, II, 61).
§ 362. Ás or. interrogativas indirectas de co7no, por-
que e quão pode antepôr-se o art. definido :
e perguntando elle mesmo em occasiões o como se avião
(Sousa, V. do Are, I, 52o). se está deixando ver o como
em him alma entra a heresia (Ceita, 251, v.).
§ 363. Sobre as or. infinitivas, só é necessário accres-
centar ao que vae dicto no capitulo do emprego do infi-
nitivo o seguinte:
No port. moderno, em lugar de se dizer simples-
mente, v. g. : O estar todo o estrangeiro exposto a ser pre-
so, hasta para provar que — , é corrente empregar-se uma
periphrase com facto, circumstancia, e dizer-se: O facto
de estar todo o estrangeiro, etc. (em francês, onde não ha
orações infinitivas, tem de ser necessariamente: Le fait
que tout étranger était exposé à être arrete suffit à prouver
que). Tal prática, bem que possa ser taxada de gallicis-
mo, serve ás vezes de evitar durezas de estilo.
B, Orações adjecíiras (relativas)
§ 364. Uma or, relativa:
1) ou é simplesmente qualificativa:
Boca que sempre fala he bolsa sem cerraes (H. P., /,
370). a poesia he pintu7'a, que fala (Id., II, 488, v.). Hoje
a heráldica e os hrazões são dixes com que se entretém as
creanças barbadas (Herc., Op. Ill, 171).
2) ou exprime simultaneamente outra relação a
saber:
fim ; consequência ; causa ; condição ; concessão :
Põe-me em perpetuo e misero desterro, \ Na Scythia
278 SYNTAXK HISTÓRICA P0UTUGUE8A
fria ou lá na Libya ardente, | Onde em lagrimas viva eter-
namente (Ltis., II, 128).
§ 36Õ. Aos numeraes ordinaes, a ultimo e seus
synon. (e a penúltimo e antepenúltimo), e aos superlati-
vos exclusivos liga-se uma or. relativa de que, para de-
terminar em que sentido são tomados aquelles adjectivos:
e soes a moor mentyrosa \ que vy, e mais sem ver-
gonha (Francisco da Sylveyra, Canc. G."^, II, 162). como
quizesse eu ser a primeira que vadeasse a levada (Man.
Godinho, 116).
Veja-se o § 299.
§ 366. Em vez de ligar aos verbos sensitivos uma
or. substantiva de que, ou um infinitivo, pode fazer-se
do que havia de ser sujeito da or. substantiva compl.
directo d'aquelles verbos, e ligar-lhe uma or. relativa
de que. E construcção pouco vulgar, e que pertence só
á litteratura:
Vereis a inexpugnahil Bio forte \ Que dous cercos terá . .
(Ims., II, 50).
Cf. em francês: Je la vois qui chancelle =Yeio-a va-
cilar.
Semelhantemente diz-se com eis, v. g.: ei-lo que chega.
Ei-la que expira, ei-la morta (Passos, 106).
§ 367. Da mesma maneira que os pronomes e advér-
bios pronominaes interrogativos (§ 360), os pronomes e
advérbios pronominaes relativos podem introduzir, ao
mesmo tempo, duas orações, uma subordinada á outra,
dando o caracter de relativa á subordinante, mas perten-
cendo como sujeito ou determinação á subordinada (Este
é o livro que lhe aconselhei que comprasse):
Conta Solino que ha hi hfia fonte no Epiro, onde se
metem húa tocha apagada, say accesa (H. P., /, 447). bus-
cam, o que se não buscassem, seriam infelices (Id., //, 45).
SYNTAXE HISTÓRICA POUTDGDESA 279
avançarão ao baluarte de S. Thomé^ que por estar quasi
todo arrasado, as minas lhes serviam de escadas (Freire,
166-167).
Obs. Esta prática extende-se aos casos, em que a
parte subordinada é não só um infinitivo, como tam-
bém um participio.
No port. moderno, esta construcção só tem lugar,
em geral, quando a or. subordinada é substantiva; fora
d'este caso só se emprega, de ordinário, com o pron.
o qual, e então coUoca-se este pronome depois da ex-
pressão por elle determinada : É problema, para resolver
o qual, são necessárias duas condições:
O jugo da obediência, para lhes impor o qual muitas
veses faltava a força (Herc, Hist. de Portugal, I, 244).
Todavia evita-se esta construcção quanto possível, e
diz-se por ex.: É problema para cuja resolução são neceS'
sarias duas condições.
No port. arch. médio, por imitação da syntaxe lati-
na, não havia a restricção apontada, resultando d'ahi ás
Tezes phrases extremamente duras :
escudo . . no qual todos os que punham fitos os olhos,
ficavam pedras (H. P., I, 276).
V. Madr., § 445.
§ 368. Note-se a loc. quanto a e, com o verbo claro,
quanto é a :
quanto he ao socorrer (H. P., //, 294). E quanto he
ao Conselho (Azurara, Chron. da Guiné, 246).
§ 369. É de notara expressão restrictiva com quanto:
entender pode quanfé mha créêza (Estevam da Guarda,
7aí., 904).
§ 370. Está quasi completamente em desuso o em-
prego de quando como adverbio relativo :
280 8YNTAXB HISTÓRICA P0UTUGUE8A
Ditoso seja o dia e hora, quando \ Tão delicados olhos
me ferido! (Cam., Son. 51).
§ 371. É corrente o emprego de uma or. relativa
ligada a um substantivo ou pronome, em lugar de uma
or. interrogativa subordinada, depois dos verbos de pen-
sar, dizer, indagar e perguntar^ e dos substantivos corres-
pondentes, V. g.: Desejo saber os progressos que elle tem
feito.
E, cm particular, o que se dá com o que, em substi-
tuição do pron. interrogativo que, v. g. : Não percebo o
que dizes.
Obs. Em interrogações directas, a lingoagem po-
pular emprega inexactamente o que, era vez do pron.
interrogativo que. Os melhores escriptores só, por des-
cuido, empregam tal syntaxe:
Castello de S. Angelo, Castello de S. Angelo, o que di-
rias tu, se faltasses ! (Herc, Cas. civ., 76). O que eram as
instituições disciplinares do Concilio no que respeitava ao
foro externo? (Id. ibid., 134).
§ 372. O port. litterario arch. médio (raras vezes o
moderno), imitando a syntaxe latina (v. Madv., § 448), dá
começo a uma nova clausula, por meio de o qual, empre-
gado, já substantivamente, com o valor do pronome elle,
já adjectivamente, com o valor de um pronome demons-
trativo (este, aquelle), e também o que, com o valor de
isto (e isto):
O qual . . (Lus., IV, 67). A qual longueza de tempo . .
he asaz suficiente (Góes, C. Maj., 8). o que tudo conside-
rando . . determinei . . (Góes, C. Maj., 7). O que el-rei muito
sentiu (Garrett, Cam., 136).
Outrosim empregava pelo qual (polo qual), com o va-
lor de por isto, e por isto :
Polo qual, se tu quiseres \ ser livre de fiosso mall \
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 281
trabalha, quanto poderes \ por fugir caminho tall (Diogo
Brandão, Canc. (?.«', 11, 231).
§ 373. Os escriptores do período arch. médio faziam
muito uso da combinação como aquelle que, como quejn,
em sentido causal (correspondente ao latim ut qui, quippe
qui; V. Madv., § 366, obs. 2):
Hercolles . . era muy piadoso aos bõos, e mui bravo e
forte aos mãos, como aquel que nom era viindo pello mundo
por outra cousa se nõ p)or destroyr os sobervosos e maaos
(Lenda da viíida de Hercules a Lisboa, ap. L, d^ Vasconc,
Tx. arch., 47). bè entendeo ho Arcebispo que hera ho cora-
ção delrey muy apartado de sua amizade como quem ho
conhecia de muy to tempo e muy ta conversação (Diego Aff.,
73). Deos he o que sustenta todas as cousas como quem as
creou (Vieira, S. de S. José).
§ 374. Na construcção de que falia o § 318, é rarís-
simo substitui r-se o partic. passivo por uma or. relativa :
Mova-te a piedade sua e minha, \ Pois te não move a
culpa que não tinha (Lus., III, 127).
§ 375. a) E' irregularidade (não rara na prática fa-
miliar e nas próprias obras litterarias antigas) a substi-
tuição do pronome relativo precedido de prepos. (v. g.:
a quem) por que seguido de pronome pessoal (v. g.: que . .
lhe) :
que muitas delias levam . . (Esmeraldo, 97). A natu-
reza, negando-se-lhe a ordinária ração de outros gostos,
sente-o, e amua-se como menino, que lhe tiram a merenda
(Man. Bernardes, Armas da Castidade, ap. Barreto, 250).
b) E também irregularidade ligar a uma or. rela-
tiva uma or. copulativa para a qual, todavia, não per-
tença, de modo algum, o relativo:
E o Deos que foi num tempo corpo humano \ E por
virtude da erva poderosa \ Foi convertido em peixe, e d'este
282 8YNTAXR HISTÓRICA PORTUGUESA
damno \ Lhe resultou deidade gloriosa, \ Inda vinha cho-
rando o feio engano (Lus., VI, '24).
c) Outra prática menos regular ó o empregar-se o
pron. relativo em uma certa funcçào syntactica (v. g.:
compl. directo ou sujeito), e depois, em uma or. coorde-
nada, subentende-lo em outra funcção syntactica (sujeito
ou compl. directo):
Doesta arte se esclarece o entendimento \ Que experiên-
cias fazem repousado \ E fica vendo, como de alto assento
I O haxo trato humano embaraçado (Lus., VI, 99) lAo-
nardo, soldado bem desposto, \ Manhoso, cavalleiro enamo-
rado, I A quem Amor não dera hum só desgosto, \ Mas fora
d'elle sempre mal tratado (Id., IX, 7o).
d) Também é irregularidade substituir, em uma^or.
coordenada a uma relativa, o pron. relativo por um
pron. pessoal ou demonstrativo:
dandolhe aquella gloria de que muytos faliam, e pou-
cos a buscam (V. Bemf, 193). homem que sseja achado em
falsidade alguma e sentença for dada contra elle {Port.
Mon. Hist., Liv. das Leis e posturas de D. Aff. III, 209).
. . hua industria, que os mestres espirituaes commumente
ensinão, e a experiência mostra seus [=d'ellaj grandes
frutos (Man. Bernardes, Luz e Calor, 9, cl. 2).
Em latim: Omnes lum fere, qui nec extra hmic urbem
vixerani, nec eos aliqua barbáries domestica inftiscaverat,
recie loquebantur (Cie, Brul., 74, vid. Madv., § 323).
C. Orações adrerbiaes
§ 376. As orações adverbiaos ou são de modo finito,
sendo neste caso ligadas por conjuncções, ou sào infini-
tivas, sendo neste caso ligadas por preposições, ou sào
orações de participio (participios absolutos).
SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA 283
a. Conjuncções condicionaes
§ 377. a) A conjuncção, propriamente dita condi-
cional, é se:
Pouco serve te?' a botica em casa, se nos nam valemos
delia (Cartas Esp., 191).
Dá-se emphaticamente á hypothese caracter dubita-
tivo com a periphrase se é que (em allemão : wenn anders) :
Acabai de conhecer quam mal entendido he o vosso es-
crupulo, e o vosso temor, se lie que o tendes (Vieira, VII, 6o).
Obs. í." É de notar a combinação só — se, muitas
vezes equivalente ao latim non aliter — quam si.
Obs. 2.' V. § 343.
Ó se a Deos aprouvesse de me tirar desta vida porque
antre os liomês nam fosse visto (Diogo Aff., 70).
b) Muitas vezes a forma hypothetica ó meramente
rhetorica, v. g. :
1) em argumentos a pari e a fortiori :
se a musica de hum passarinho pode entreter aquelle
Monge trezeíitos annos com tanto gosto seu . . como não bas-
tará a vista de Deos . . para suspender a nossa alma sem
fastio, nem cansasso por toda a eternidade? (Man. Bernar-
des, Pão partido, I, § 1).
2) em contraposições:
O Rei famoso Hebreio \ Que mais que todos soube,
mais amou \ ..Se muito soube e teve, muito errou (Camões,
Ode X). Se junto ao Guadalete se desmoronou o império
dos godos, a sociedade wisigothica ficou (Herc, Op., III, 245).
Si Zenoni licttit, — cur non liceal Catoni ? (Cie, fam., S,
4, 15). . . ut, si ridere concesswn sit, viluperehir tamen ca-
chinatio (Id., Tuac, 4, 31).
284 SYNTAXE HISTÓRICA POItTUOUESA
c) As orações de se equivalem frequentemente a
orações temporaes, quando se falia de casos repetidos
(se = todas as vezes que):
Se deixava Moysés cahir os braços, logo os seus hião
de vencida (Mon. Lusitana, /, 46, cl. 1, ap. Blut.).
d) Não é usual o emprego de uma or. de se, em
substituição de uma or. substantiva que sirva de sujeito:
Outrossy presta pêra este inchaço . . se ficharem as
favas (Gir., Alv., 37).
Obs. Na lingoagera litteraria emprega-se que 86 =
ora so:
Que se as mãos de Moifsés levantadas erão as que da-
vão vitoria ao povo que pelejava com os inemigos, como
não seria poderosa pêra matar as chamas pestilenciaes a
oração de um Prelado santo offerecida ao Pay Eterno no
meyo delias . . ? (Sousa, V. do Are, 7, 527).
Representa o latim quod si.
e) Uma or. de se, desligada de or. principal, pode
servir de justificar um asserto, por intermédio de uma
phrase subentendida, v. g.: Que admiração?:
Se na amada gentil ha tantos amavios^ \ Que até mil
vezes força aos pretensores hellos \ a travarem por ella os
terriveis duellos! (Cast., Georg., 169).
§ 378. No discurso animado, um período hypothe-
thico pode ser substituído :
a) por uma or. principal interrogativa seguida asyn-
deticamente de uma or. principal asscrtoria :
Chama-me ? ascendo d pátria, \ Poupa-me ? aspiro a
ella (Castilho).
V. Madv., § 442, obs. 2.«.
SYNTAXK HISTÓRICA PORTUGUESA 285
b) por uma or. imperativa (ou de sentido impera-
tivo) seguida de uma or. principal assertoria :
Deitai ao mar um vaso de barro inteiro, nada por
cima da agua: quebray esse mesmo vaso, fazeij-o em pe-
daços, e todos até o mais pequeno se vão ao fundo (Vieira,
II, 79). Tirae do mundo a mulher, e a ambição desappare-
cerá de todas as almas generosas (Herc, Eur., 77). Que
se leia inteira a passagem impressa daquella carta, e ver-
se-ha se foi o Arcebispo, se eu, quem usou de mais desabri-
da linguagem (Id., Op., Ill, 35).
§ 379. Se une-se ao adverbio não em uma só pala-
vra, quando não traz verbo.
Em particular, senão serve de pôr uma excepção a
uma expressão negativa ou a uma interrogação de senti-
do negativo : -
Que são os aplausos da fama, senão reclamo dos ódios?
<P.® António de Sá, Sermão da Cinza, 13, ap. Blut.).
Ohs. Quando a excepção vae em primeiro logar,
não se emprega senão, mas sim a periphrase a não ser;
vertendo-se assim litteralmente este passo de Cicero,
Lael., 5): Sed hoc primum sentio nisi in bonis amicitiam esse
non posse, terá nisi de traduzir-4e por a não ser.
§ 380. a) Por meio de senão que introduz-se uma
or. que põe uma restricção a um asserto:
os pretendentes das Cortes em seus requerimentos são
como os 710SS0S Argonautas, e primeiros descobridores da
índia: senão que navegão ao revez, e fazem a viagem ás
aveças (Vieira, //, 89). Bom amigo é o gato, senão que
arranha (Prov.).
Corresponde ao latim nisi quod.
Com o mesmo sentido também se emprega salvo que :
286 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Salvo que Longinhos mereceo ser justificado e este nam
(Diego Aff., 817, 218).
b) No port. arch. senão também se empregava por
excepto, ainda som estar referido a expressão negativa :
Todas vem e todos vão | Onde querem, senão eu (Gil
Vicente, III, 122-123, ap. J. Moreira, 77, 40). no qual
[diluvio] se alagaram quantos homês no mundo avia, se-
não Noe, e sua mollier (H. P., 77, 517 \.).
c) E' de notar o emprego de senão que, em combi-
nações como :
E ainda, Nymphas minlias, não bastava \ Que tama-
nhas misérias me cercassem, \ Senão que aquelles que eu
cantando andava \ Tal premio de meus versos me tornas-
sem (Lus., VII, 81).
parum erat manibtis, collo, crinibus gestari [as pedras
preciosas], nisi infodercnlur eliam corpori (PUn., Nat. Hist.,
xri, § 2).
d) senão (ou e senão) também se emprega elliptica-
mente ligado a um imperativo (ou equivalente), ou a uma
interrogação rhetorica, quando se confirma uma proposi-
ção:
Senão dizei-me . . (Ceita, 18,2).
e) E' de notar o seguinte modo de dizer:
Pêra que he mais senam que Ghrísto nosso Redemptor . .
se apartava muytas vezes a lugares solitários? (H. P., 7,
357).
Obs. Sobro senão quando, v. § 397.
§ 381. Sobre senão equivalente a mas, v. 343:
§ 382. No port. arch. empregava-se a locução a
menos que, (em fr. á moins que na accepção de a não ser
que), para exprimir que se exceptua uma hypothese;
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 287
depois caiu em desuso e é considerada gallicismo pelos
puristas.
§ 383. Contanto que, uma vez que (raro), como, (arch.)
a tanto que, em tal que, com tal que, posto que, exprimem
o que se exige como condição para que seja valido o
enunciado da or. subordinante:
E o dito Senhor lha perdoou com tanto que fosse
estar em a nossa cidade de Cepta dous anos (Doe. de 1439,
Docum. das Chancel. Reaes, 99). Lea por onde quiser
como sejão Livros Espirituaes (Cartas Esp., 74). a gente
toda trabalhadora, e negoceadora da vida (que não he
pequeno louvor como se não passem os termos devidos)
(Sousa, V. do A7'c., I, 148). Onde vós virdes desejo \ que
desejo deva sser \ posto que seja sobejo \ quer com pejo,
quer sem pejo \ sospiros podereys ter (João Gomes, Canc.
G."^, I, 38). Não podiam ser açoitados, e podiam ter os
filhos em seu poder, com tal que fossem havidos de mu-
lher romana (Arraiz, Dial., IV, cap. XI, ap. Barreto, 174).
o christão vencido pode viver em paz, guardando as suas
crenças e as suas leis, uma vez que solva o tributo ao
vencedor, e não attente contra a ordem publica affron-
tando acintosamente a religião dos dominadores (Gama
Barros, Hist., I, 40).
b. Conjuneções causaes
§ 384. a) A conjuncção causal de sentido mais
amplo ô porque :
A paixão da liberdade esmorece, porque a absorve e
transforma a da egualdade (Herc, Op., I, 25).
b) porque também se emprega adverbialmente, in-
troduzindo uma or. principal (á maneira dos advérbios
latinos enim e nam); mas tal praxe está inteiramente
antiquada :
288 SYNTAXE HISTÓRICA PORTCGCESA
Porque se muito os nossos dcsejávão \ Quem os dam-
nos e offensas vá vingando . . \ Despois de pouco tempo o
alcançarão (Lus., IV, 2).
§ 385. a) Em lugar de porque, pode empregar-se
simplesmente que:
1) depois de tanlo mais, tanto menos.
Depois de quanto mais sempre se diz que.
2) na loc. é {era, etc.) que (= acontece assim por-
que), quando serve de introduzir a exemplificação da
existência do um facto:
Era que nessas palavras divinas havia uma poesia
celeste, a qual as almas rudes mas virgens do septentrião
sentiam casar-se com as suas primitivas virtudes (Herc,
Eur., 34, 35).
3) quando se justifica uma ordem, conselho, etc,
frequentemente cm forma de parenthesis:
Lá se havenhão com os seos trabalhos, pões vivem^
que eu já acabei a vida (Vieira, J, lllí). Guarda para en-
tão as suberbas ; que hoje, pobre escrava, só te resta obe-
decer á voz do teu senhor (Herc, Eur., 206).
4) na ligação não que . . (v. § 273 a).
Obs, Também pareço ter valor causal a conjuncçSo
que (seguida de não) empregada noa contrastes com a
significação aparente de e;
. . maravilha \ Feita de Deos, que não de humano bra-
ço (Lus., VIU, 24). Todavia centenares, que não dezenas^
de milagres absurdos são gravemente na Historia Major
(Herc, Op., III, 19).
b) que ó a partícula causal que se emprega depois
de uma interjeição (v. g. : ai) ou exclamação.
Me miseram, quod amor non est medicabilis herhis!
(Ovidio, Ber., 5, 149).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 289
§ 386. Como, ca (ainda em Heitor Pinto, v. g. :
7, 359 V.), por quanto, já que, uma vez que, visto que
{visto como), pois que (ou simplesmente pois), por isso
que, servem de apresentar o que justifica o enunciado
da or. subordinante.
1) como (também como quer que) ô d'estas conjun-
cções e loc. conjunccionaes a que tem significação mais
vaga:
Como quer que neste tempo os tnouros de Calicut ti-
nhão trato em Quiloa.{Castanh., 1, 19).
2) ca foi empregado no sentido de porque.
3) porquanto dá realce á ideia de (com respeito á
causalidade) ser o conteúdo da or. subordinante propor-
cionado ao da or. subordinada.
Emprega-se também adverbialmente em uma or.
principal por meio da qual se desenvolve um facto de
que se acabou de fazer uma leve indicação (Substituo
neste caso os advérbios latinos nam e enim).
Obs. o que é uso genuinamente port. é introduzir
a nova clausula por: E foi que; foi que; foi o caso que:
Outro caso., aconteceo — . E foi que.. (Magalhães,
Eist., 39 y.). [o coração] foi de Ima novidade alvoraçado
I E foi, que estando já da costa perto, \ Onde as praias e
valles bem se vião, \ Num rio que ali sae ao mar aberto, \
Bateis á vela entravão e saião (Lus., V, 74, 75).
4) Com já que exprime-se que, em vista do facto
enunciado na or. causal, é de razão que se verifique o
conteúdo da or. subordinante :
E já que de tão longe navegais, \ Buscando o Indo
Hydaspe e terra ardente, \ Piloto aqui tereis, por quem se-
jais j Guiados pelas ondas sabiamente (Lus., I, 55). Ora
não sejamos terrestres, já que Deos nos deo hua alma ce-
19
290
SYNTAXB HISTÓRICA FORTUGURSA
lestial (Vieira, /, 294). Já que pretendem sem mereci-
mento, paguem as cultas da sua ambição (Id., //, 93).
5) uma vez que tem a significação de jâ que.
6) visto que (visto como) faz sobresahir a ideia de
ser o enunciado da or. subordinanto devido á conside-
ração do conteúdo da or. causal:
o juiz, visto como . . variavam, em duvida lançou-se
á parte da clemência (H. P., II, 313 v.).
7) pois que (ou simplesmente pois) e por isso que
exprimem, com menos precisão, o mesmo que visto que:
Pois que os hometis são peyores tentadores que o De-
mónio, guardemo-nos dos homens (Vieira, I, 834). O qu£
importa he . . que pois temos o remédio tão prompto, tão
poderoso e tão propicio, nos soccorramos deite a tempo
(Id., //, 201).
Obs. A combinação, inteiramente antiquada, de
que com a parlicula causal pois correspondia primitiva-
mente, segundo mo parece, ao quod quia, quod quoniam
dos latinos (v. Madvig, Gr. lat., § 449) e equivalia a e pois
ou ora pois (estando pois no sentido úq porque), da mes-
ma maneira que a loc. qxm se correspondo a quod si e
equivale a ora se. Com este sentido occorre que pois em:
Faz isto íamayiha magoa ver ficar o parente, e o amigo sem
lhe poder valer , . ; qtie pois faz tanta magoa a quem o ouve,
quanta mais fará a quem o vio e passou (Hist. trag. mar.,
I, 20), em: cesse vossa cmcldade, | mude-se mynha ventura;
I que poys tendes fcrmosura, | tende iãbem piadade (Fran-
cisco da Silveira, Canc. Q.ai, II, 174). Depois passou
que pois a enipregar-se como synnnymo do pois (=pois
que, já que) com a ideia accessoria do que o facto causa
estranheza ou descontentamento, v. g. :
Mas moura em fim nas mãos das brutas gentes, \ Que
pois eu fui ... E nisto de mimosa \ O rosto banha em lagri-
mas ardentes (Lus,, II, 41).
SYNTAXE HISTOKICA PORTUGUESA 291
c. Conjuneções íirtaes
§ 387. a) As conjuneções e loc. conjunccionaes que
servem de designar o fim, são: para que (no port. arch.
médio também pêra que), porque, por tal que (arch.);
mas o emprego de porque, tão frequente no port. arch.
médio, está, podo dizer-se, de todo fora de uso:
huns hereges comvidarofn a samto Antonyo E elle re-
çebfej o seu comvite, por (ai que os podesse tirar de seu
error por enxempro de Jesu Christo {Mil. de S}° Ant°, 5-6).
Tu me queres dar este pam por tall que nom ladre (FabuL,
fab. 52). Dairme agora um som alto e sublimado, | Hum
estilo grandiloco e corrente, \ Porque de vossas agoas
Phebo ordene \ Que não tenhão enveja ás de Hippocrene
(Lus., I, 4). Codro, porque o inimigo não vencesse, \ Dei-
xou antes vencer da morte a vida; \ Regulo, porque a pá-
tria não perdesse, \ Quis mais a Uberdade ver perdida
(Id., IV, 53). Quãdo David sahio a desafio com o Gigan-
te, metteo sinco pedras no çurrão, porque se errasse a pri-
meyra pedrada, pudesse appelar para as outras pedras
(Vieira, I, 1054).
b) Na loc. pouco falia (não falta muito) que uma
coisa aconteça (ou, com superabundância da negativa, que
não aconteça) a or. de que é propriamente final.
d. Conjuneções concessivas
§ 388. As conjuneções e loc. concessivas são: ainda
que, inda que, em que, bem que, se bem que, que, com
quanto, posto que (posto), dado que, embora, mas que,
dado caso que, caso que, sobre que, e no port. arch. tam-
bém pêro que (ou simplesmente pêro), empero, se, em como
quer que, como quer que.
292 SYNTAXK HISTÓRICA FORTTJQUKBA
1) ainda que e (actualmente na conversação familiar
e no verso) inda que tem signiflcação geral concessiva e
empregam-se tanto quando a or. enuncia um caso sup-
posto, como quando enuncia uma realidade :
Isto fazc os príncipes alheos de soberba, ca os incha-
dos delia, inda que vejão seus erros, ham-se por abbalidos
em os emendar (H. P., I, 203).
2) que com o sentido de ainda que, negativamente
nem qne, emprega-se, mormente na conversação, fallando
de caso supposto :
foy e serey sempre d' ela : \ meu corraçam esqueçe-la |
nam quer, nem pode, que queyra (Francisco da Silveira,
Canc. G."', 11, 172). Que causeys 7neu padecer, | que do-
breys minha payxam, \ Com tudo sempre' ey de ter \
milhor fee que guarlardam (Garcia de Resende, Canc.
G."', III, 611). Que me queira consolar, \ o meu mal não
tem conforto, \ nem eu lho posso buscar {Chrisfal, 22). o
delfim de meu sentido, \ no Nilo que este mettido, \ i-lo-hei
ver por baixo d'agoas {Prestes, 176).
3) em que tem o mesmo valor que ainda que; mas
actualmente quasi que só se usa na expressão familiar
em que pese a :
em que mil penas passava, \ algum descansso sentia
1 doesta dor que me matava (Henrique de Sá, Canc. G.^,
II, 333). em que m'a mostrem de dia, não sey se a co-
nhecer ey (H. R, //, 101).
4) bem que e se bem que empregam-se fallando de
uma realidade, e exprimem que se reconhece a reali-
dade do enunciado.
5) comquanto também só se emprega, fallando de
uma realidade, e dá realce á ideia da coexistência
dos factos que se contrapõem.
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 293
6) posto que (ou simplesmente posto) tem a signifi-
cação geral de ainda que:
posto que naquelle coftselho não ouve quem contra-
riasse este parecer (Affonso de Albuq., Comm., 9). posto
que entrou na batalha sem coroa, e disfarçado, para não
ser conhecido, hum só tiro de híea setta perdida mattou o
Rey (Vieira, 7, 657). bastou serem escritturas de Deos,
para o Demónio, ou as reverêciar, ou as temer, posto que
não falassem com elle (Id., 795). Não digo, que castiguem
severamente algãas petiçoens, posto que imitarião nisso a
Salomão (Id., //, 106). calumnias vertidas sobre as cin-
zas de individuos que não se podem defender, mas que as
academias de hoje, posto valham menos do que elles, não
devem, netn querem deixar sem pleno desagravo (Herc.,
Op. 7, 226).
7) dado que apresenta o enunciado da or. como
coisa que tem de admittir-se ou que se concede:
Mana minha, soys muyto moça, não vos engane pre-
sunção de bom parecer, que dado que vai muyto para
obrigar vontades, formosura com vãagloria dana mais do
que aproveita (Aulegrafia, 2, 2). E dado que isto princi-
palmente convenha aos prelados ecclesiasticos, nam cui-
dem os principes seculares . . que sam escusos da obriga-
çam da mansidam e humildade (H. P., 7, 200).
8) embora exprime que, em relação á or. subordi-
nante, a acção da or. concessiva é de todo indifferente :
Embora eu te não veja \ Neste ermo pedestal, \ És
santa, és immortal (Herc, Pões., pg. 136).
embora que é incorrecção.
A loc. adverbial embora, contrahida de em boa
hora, tinha naturalmente logar, como expressão d'um
voto, em phrases imperativas e permissivas (v. exemplos
294 SYNTAXB HISTÓRICA POKTUGUKSA
gigantes e miuj forte, pêro (comludo) nõ era cruel (Lenda
abundantes no diccionario dicto do Fr. Domingos Vieira);
d'alii passou a funocionar como conjuncção concessiva.
Substituo o latim Ikcl.
9) mas que emprega-se no estilo oratório com o sen-
tido de embora.
10) caso que, dado caso que, equivale a ainda que:
avendo muitas arvores, que caso que não dem fruclo,
aproveytam j^era muijto (H. P., 7, 94 v.). os boas caute-
las, caso que ás vezes ganhem pouco, todavia asseguram
muyto (Id., 198). Assi como os botões de fogo dados pelo
excellente cyrurgiam, caso que pareçam chagas, samremedio
contra as chagas (Id., 269 v.). caso que alguas vezes apro-
veytam, pala mòr parle danão (Id., 368 \.). Dado caso que
ho Arcebispo estava em seu desterro (Diogo Aff., 136).
11) sobre que como loc. concessiva equivale a ainda
que, mas sempre foi do mui raro emprego, e está inteira-
mente fora de uso :
Emendar cada hum as suas fraquezas, sobre que he
difficultoso, não he impossível (Carta de Guia, 25, ap.
Blut).
12) No port. arch. emprogava-se, com a significação
de ainda que, pêro que (ou simplesmente pêro), empero,
se, em como quer que, como quer que :
ca pêro a sempre servi | grand'é o mal que mha se-
nhor i mi quer (Lang., 18). sse com quanta lãa a [Im]
em esta terra \ a escaentassem . . (D. Aff. de Castella e Leão,
Vat., 78).
Notar-se-hào aqui as loc. raras sem embargo que,
não embargando que (não embargante que), empregadas
com o valor de ainda que:
nõ embargando que Hercolles era do linhajen dos
SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA 295
da vinda de Hercules a Lisboa, ap. Leite de Vasconc,
Tx. arch., 47). não embargante que dos ditos officios ha-
jam pouco proveito, querem-no ser por subjugar a terra
(Chancell. de D. Aff. V, ap. Gama Barros, Hist. da Adm.
pub., III, 788). sem embargo que se applica.. (H. P., I,
37 V.). Assi interpretam muitos aquelle Psaltno, sem em-
bargo que outros lhe dam oídro sentido, e ambos podem
ser verdadeyros (Id. ibid., 443).
§ 389. a) Tem egualmeiite valor concessivo as ex-
pressões formadas pela preps. per anteposta aos advér-
bios muito e mais, e também a um simples adjectivo,
seguidos d'uma or. de que:
Cada huu homem, por pequeno que seja, nom deses-
pere de poder agradecer, qualquer bem que dotdrem ou-
ver (V. Bemf., 284). Não has-de emendar o mundo |
Por mais razoens que despendas (Sá de Miranda, Ecl. I,
ap. Blut.). por mais que braceje por soltar-se da miséria
{Atdegr., I, 4,). devíamos aceytar qualquer partido, e
offerecer-nos muylo degrado a qualquer satisfação por
dura, e difficidlosa que fosse (Vieira, 1, 1037).
A construcção primitiva é aquella em que a prepos.
por pertence para um substantivo ao qual se liga o pron.
relativo que na funcção de compl. directo, ou ainda a de
sujeito, ou de n. predicativo (v. g.: Por muita diligencia
que faça, não logrará o seu intento). D'ahi passou a pre-
pos. por a ajuntar-se a adjectivos, referindo-se a elles o
pron. que, na qualidade de n. predicativo ou apposto (v.
g.: Por sábios que sejam, não explicarão este phetiomeno).
Por ultimo, esta maneira de dizer estendeu-sc, por imi-
tação, aos advérbios (v. g.: Por muito prudentemente que
proceda).
b) Tem também significação concessiva a loc. com-
quanto (quão), seguidas d'um adjectivo ou adverbio:
296 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Com quam prestemente Diminarder acudio já elle era
morto (Bem. Ribeiro, Men, 16).
§ 390. Ainda que, se bem que, posto que também se
empregam adverbialmente (em lugar de ; e comtudo) em
or. principaes, com que se junta uma observação que vae
restringir ou rectificar a asserção precedente :
Com esse apontamento talvez pudesse lembrar-me.
Ainda que sahi tão novo da cidade, que me recordo pou-
co (R. da Silva, Mocidade, I, 56-57).
É o que acontece om latim com as conjuncções
correspondentes quamquam, elsi, lumetsi; v. Madv. §443.
e. Conjuncções consecutivas
§ 391. A conj. consecutiva que emprega-se:
1) em correlação com as palavras demonstrativas
tal, tanto, tão, assim :
Zopyro teve tanto amor a Dário, que já nunca o des-
amparou (H. P., /, 304).
2) em correlação, no port. arch., com os demonstra-
tivos este, esse, aquelle, ligados a substantivos.
qui (Milo) hoc faio naius csl, ul — (Cie, Pro Mil., 11).
O demonstrativo tal pode subentender-se nas expres-
sões adverbiaes formadas por uma prepos. com os subs-
tantivos maneira, modo, geito, guisa, forma, sorte, ponlo,
etc:
Huum cavaleiro foy chagado em huum braço . . em
maneira que lhe nom podiam po{o)er remédio em sua
chaga nehuuns fisicos (Mil. de S.^° Ant., 33).
§ 392. De maneira que, por maneira que, em manei-
ra que, de modo que, de sorte que, assim que, em tanto
SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA 297
que também entram adverbialmente em or. principaes na
qualidade de expressões conclusivas :
Assim que, f aliando propriamente, ao titulo da honra
podemos lhe chamar dignidade (Barros, /, 111, ap. Blut.).
De modo que passeando de vossa casa a fazer oração
nesta Igreja, he como se fosseis a Compostella (Vieira,
//, 229).
Em particular, emprega- se d'este modo principal-
mente de maneira que, quando, com extranheza, se faz
uma interrogação oratória, ou se apresenta uma consi-
deração :
De maneira, que vejo dons Prelados da Ordem do
meu glorioso Padre S. Domingos, Prelados Santos, e Re-
ligiosos, convertidos oje em Platões, e Ttdlios, formando
respublicas gentilicas (Sousa, V. do Are, I, 141).
Corresponde ao latim ergo v. g.: Ergo ego nisi pepe-
rissem, Roma non oppiígnaretur (T. Liv., 77, 40).
§ 393. Sem ser correlativa, a conjuncção que pode
introduzir uma or. consecutiva:
1) quando, sobretudo no estilo familiar, a or. con-
secutiva manifesta o grão de uma qualidade ou a inten-
sidade de uma acção :
e com pressa que o cervo avia, foy-sse metter em húa
cavalariça de boys, que os cãaes nom o virom (Fahul.,
fab. 44). dizendo algum tanto alto que ouvisse ho Arce-
bispo (Diego Aff., .92). as lembranças — travavam-me do
coração e do espirito, que os não deixavam estar com
Deos (Garrett, Fr. Luis de Sousa, acto 1). [Dante] deu
catanada que se regalou nos inimigos da liberdade da
sua pátria (Id., Viag., 41).
2) quando a or. subordinante é negativa e se falia de
uma cousa que costuma acontecer :
298 8YNTAXE HISTÓRICA POKTUQDKSA
jamays nunca teu cantar oyrey | qu'eu nom ria muy
de coração (Ayres Peres Veytorom, Vat., 1108).
3) na expressão que farte (=a fartar) :
tendo nas vydas trabalhos que farte, \ com tristes Su-
cessos alguns acabaram (Diogo Brandão, Canc. G.<*^, //,
193). sois malfazejos que farte (Cristaes d' Alma, 31).
4) não loc. não se poder conter que não faça umu
coisa, e equivalentes:
nam se pode em si sofrer \ que dantre as ervas sahinc
\ se nam lançasse a correr (liern. Ribeiro, eclog. I). nam
se pode ler que nam respondesse aaquelles dous (Diego
Aff., 97).
5) nas ph rases como:
O descansso, ond' estas ? I que nunca te ve ninguém
(Rui Gonçalves, Cawc. G.«', //, 309).
§ 394. a) E de notar uma construcção inexacta do
port. arch. médio, na qual uma or. adverbial consecutiva
é substituída por uma or. relativa consecutiva :
D'aqui levarás tudo tão sobejo \ Com que faças o fim
a teu desejo (Lus., II, 4).
b) Está inteiramente antiquada, na litteratura, a sub-
stituição do uma or. consecutiva por uma or. final de para
com infinitivo:
Não tanto desviado resplandece \ De nós o claro Sol,
pêra julgares \ Que os Melindanos tem tão ruão peito, \
Que não estimem muito hum grande feito (Lus., II, 111).
§ 395. O port. moderno, imitando a syntaxe fran-
cesa, emprega, em correlação com de mais, demasiado,
muito (=^ demasiado, assaz, bastante) uma or. final de
para que (ou para com infinitivo), para exprimir a ideia
de proporção ou desproporção, v. gr: É demasiado es-
perto para que caia em tal, equivalente a : não é tão pou-
co esperto que caia em tal:
SYNTAXE HISTOKICA. POKTUGUESA 299
O coração é immenso ; a campa fria \ E pequena de
mais para contê-lo (Passos, 78).
A or. de para que tem lugar, ainda quando não ha
algum d'aquelles advérbios {demais, etc.) na or. subordi-
nante, se esta é interrogativa.
Obs. De maneira {de modo, etc.) a acontecer uma
coisa (a que uma coisa aconteça), cm lugar de: de manei-
ra que uma coisa aconteça (ou acontece), 6 gallicismo.
§ 396. A conjuncção composta sem que vale por
uma consecutiva negativa:
. . pois que contra mi te vejo iroso, | Sem que Vo me-
recesse nem te errasse, \ Faça-se como Baccho determina
(Lus., II, 39).
f. Conjuncções temporaos
§ 397. a) De exprimir simplesmente o tempo em
que uma coisa acontece, serve a conjuncção quando:
Quando a fortuna he comtra o homem, todolos pa-
remtes f fogem d'ell (Fabul., fab., 61). Sentem-se mais os
perigos, quando estamos perto deites (Sousa, V. do Are,
I, 71). Os povos, como os indivíduos, assentam-se indif-
ferentes e serenos no átrio da morte, quando lhes chega a
quadra fatal do idiotismo senil (Herc, Op., I, 278).
O port. arch. médio tinha a loc. conj. indefinida
quando quer que:
. . essa agoa a ha-de cegar \ quando quer que a or-
denares (Prestes, 323). Como sempre costumava quando
quer que se achava sem negócios (Diego Aff., 161).
Obs. í." Em narrativas animadas, quando servo de
ligar um acontecimento expresso por ura presente his-
tórico, ou pret. definido, a um momento ou estado an-
teriormente indicado, vindo assim a or. de quando a ser
logicamente a principal:
800 8YNTAXE HISTOKICA PORTUOOESA
Escassamente acabou | a cantigua toda ynteira, \
quando o que me (jiiyou \ começou nesta maneira (D. João
Manuel, Canc. 0.'^^, /, 407). Não acabava, quando hãa
figura \ Se nos mostra no ar, robusta e valida (Lus., Vy
39). Não tinha acabado de pronunciar estas palavras,
quando ouvio hica voz que lhe dezia . . (Vieira, I, 1098).
Hantiibal jam scalis aliisque omuibus ad oppugnationem
paratis subibat muros, cum repente in eum nihil mimis quam
tale qiiicquam timentem patefacía porta crumpunt Romani
(T. Liv., XXIX, 7).
D'este modo é frequente dizer-se senão qu^indo, no
sentido de quando subitamente:
Se nam quando, ey-lo, vem \ c'uma quarta diurna
quarta \ de farelos, que mal farta \ quem taam grande
fome tem (Henrique da Mota, Canc. G.«', III, 514). senão
quando nisto chega o amigo (H. P., //, 328). cerrão nisto
os esquadrões, trava-se a batalha, voão as settas, senão
quando húa delias atravessa pelo coração a Josias, e cahe
morto (Vieira, 1, 1068).
Construcçào diíTerente, mas equivalente, ó a seguinte:
E ainda nom avia elle acabado, bem de dizer a(a)s
palavras. Ex que chegou seu filho diamte de todos (Mil.
de S.^ Anton., 36).
b) Em asserções geraes, as or. de quando avizi-
nham-se muitas vezes das condicionaes de se; v. g.: yião
se é pobre, quando se tem saúde.
As cr. de quando são propriamente condicionaes,
quando a or. subordinanto diz o que ha-de, ou havia de
acontecer em um caso (indicado na or. de quando), cuja
realidade não é affirmada nem negada :
se eu a provar [a propôs.], não ha duvida que será
hum grande louvor de meu senhor S. Joseph : e quando a
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 301
não prove, servirá de consolação ao meu desejo (Vieira,
íS. de S. José, § 3). A agrura das tnontanhas e a profun-
deza dos valles das Astúrias demorarão os inimigos,
quando eu haja de perecer e não poder embargar-lhes os
passos (Herc, Eur., 215).
Obs. A expressão elliptica quando não equivale a
aliás, senão.
Fallando-se do que geralmente acontece ainda em
certo caso, e do que ha, ou ha^ia de acontecer ainda
em um caso cuja realidade não se afíirma nem se nega,
e fallando-se do que aconteceria ainda em certo caso
que se suppõe, mas cuja realidade se nega implicitamen-
te, não ó costume juntar-se ainda a se, mas substituir se
por quando e dizer ainda quando ou (menos emphatica-
mente) ainda que.
Nos dois últimos casos, em lugar de ainda quando,
também se diz simplesmente quando, mas só não haven-
do ambiguidade:
Ainda sem ti, eu me teria arrojado sobre o império
godo, c a minha lança o faria cahir a meus pés moribun-
do, quando Sebta me tivesse fechado as portas (Herc,
Eur., 66).
c) Fallando-se do que é real tanto na or. subordi-
nada como na subordinante, muitas vezes tem-se em vista
principalmente a exprimir um contraste entre o conteúdo
das duas orações:
O que mais pezo fazia ao sentimento de Christo no
Presépio, era a consideração de que o desconhecião os
homens, quando o conhecião os animaes (Vieira, 11, 172).
Madv., § 358, obs. 3.
Não se emprega, porém, com o sentido de ainda que.
302 SYNTAXB HISTÓRICA PORTUOUKSA
senão quando se diz o que podia ou devia acontecer e
não acontece; v. g.: Phocion foi toda a vida pobre, quan-
do podia ser muito rico.
d) Quando funcciona cm sentido causal nos argu-
mentos a fortiori, frequentemente envolvidos em inter-
rogações rhetoricas:
O sol prometleu á lua I Uma fita de mil cores : \ Quan-
do o sol promette prendas, \ Que fará quem tem amores?
(Leite de Vasconc, Pões. Amor., 113). Quando o pão de
rolam tufa, que fará o alvo ? (Balthazar Dias, Auto de S.^
Aleixo, 9).
Quid dotnini faciant, audent ctim lalia fures? (Verg.,
Bucol, III, 16).
Obs. Quando não 6 usual na qualidade do simples
adverbio relativo, a não ser depois do para na combi-
nação (v. g.: guardar) para quando (=para o tempo em
que) algo acontecer.
§ 398. Como, na qualidade de partícula temporal,
só se usa modernamente, quando se exprime a successão
dos acontecimentos nas narrativas históricas (ainda neste
caso prefere-se, em geral, o emprego do participio).
§ 399. A sequencia imediata de duas acções expri-
me-se com: tanto que, logo que, logo como, ião depressa
como, assim como, assim que, (raro) immediatamenle que,
e mais emphaticamente: mal, apenas:
estes meyos som de duas guisas; hufas teem tall nalu-
reza, que logo como som outorgados tornam-se em uso, e
propriedade do que os rrecebe (V. Bemf, 32). immedia-
lamente que soube . . (Ceita, 246).g Manda que assim como
ouvires., saias (Cast, Q. Híst.). O abbade assim que to-
mou assento estendeu a mão solenemente (R. da Silva,
Mocidade, 3, 56). Santarém apenas nos ajoelhe aos pés,
entregar-nos-ha as chaves de Lisboa (Cast., Q. Hist., 101).
SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGUESA 303
Apenas o gardingo proferira estas derradeiras palavras, o
clarão avermelhado da lareira bateu subitamente no vulto
agigantado de Gutislo (Herc, Eur., 179). Cruzado aperta
ao seio I A mãe o filho seu, | Que busca, mal nasceu, }
Fontes da vida e amor. (Herc, Pões., pg. 137).
Obs. í." As or. de logo que, em asserções geraes,
avizinham-se das condicionaes.
Obs. 2." Logo que também so usa cm sentido causal,
equivalendo a já que.
Obs. 5." Apenas que o mal que são expí'essões in-
correctas.
Os advérbios mal e apenas substituíram o adverbio
latino r/x, ao qual correspondia na outra or. a conjun-
cção temporal cuni (v. g.: Vix agmen novissimum extra
munitiones processerat, cuin Galli . . flumen transire . . non
dubitant (Cães., bell. Gall, VI, 8). Siipprimida a partí-
cula que havia de representar o latim cum, os advér-
bios V7al o apenas tomaram o caracter de conjuncções
temporaes, vindo as or. a que elies pertencem, a ser
subordinadas.
§ 400. a) De exprimir durante quanto tempo uma
cousa acontece (ou deixa de acontecer) servem : ernquanto
(= durante o tempo que e durante todo o tempo que),
entretanto que, e no port. arch. em mentres que, mentres
que, em mentres, mentre que (ou simplesmente) metitre,
mentres; em mentes que, em tanto como; dementre que:
e homrrarom-no mentre foy vivo (Lenda do rei Lear,
ap. Leite de Vasconc, Tx. arch., 32). em mentres estes
inchaços ssom pequenos . . (Gir., Alv., 41). entanto com'eu
vyvo for (Bernal de Bonaval, Vat, 658). rrogou-lhe que
mentre que elle fosse vivo que nom dissesse esta coussa a
nenhuns (Mil. de S.^° Ant., 22). Ao qual abade aviia se-
guido [a] Samio António dementre que era vivo (lá., 28).
em mentres que ell [alcayde] veo aquella hirmida, os sseus
304 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
8se adormentarom (FabuL, fab., 34). em mentes que o
esperar \ quero assi esprHmentar \ tanger como um pe-
daçOy I por ver se como somno passo | sew me lembrar o
jantar (Prestes, 329).
b) Emquanlo, emlanto que e entretanto que servem
frequentemente de exprimir um contraste :
É que nós cotihecemos a vida publica dos visigodos e
não a sua vida intima, emquanto os secidos da Hespanha
restaurada revelam-nos a segunda com mais individuação e
verdade que a primeira (Herc, Eur., 312-313).
c) Emquanto (no port. arch. também quanto) em-
prega-se também em sentido restrictivo; v. g.: Christo
padeceu e morreu emquanto homem :
Os cuydados desygoaes \ sempre deram mortaes dores;
I sospiros nam doem mays, | que quanto sam hunis synays
I de quem sente mal d'amores (João de Meneses, Cano.
G.«^ /, 5).
§ 401. De exprimir de que momento em deante
uma cousa acontece (ou deixa de acontecer) serve desde
que, no port. arch. e na lingoagem popular também des
que :
et eu morrerey des que vos nom vyr (Rui Fernandes,
Yat, 542).
Obs. 1." Depois das expressões impessoaes ha {faz)
tanto tempo, diz-se simplesmente que.
Obs. 2." Desde qiic, des que também signiflca {logo),
depois que :
E desque tomou estas villas tornou-se para Coymbra
(D. Affonso Henriques em Figueira Velha, ap. Leite de
Vasconc, Tx. arch., 47). desque me for deste togar (Pêro
de Ponte, Vat., 1166). Desde que a ultima freira passou,
as preces misturadas de soluços . . convei'teram-se n'um
som único de choro perdido (Herc., Eur., 150).
SYNTAXE HISTOIUCA PORTUGUESA 305
§ 402. a) De exprimir o ponto a que chega a dura-
ção de uma acção serve até que (também té que nos poe-
tas), e no port. arch. ata que:
Assim permaneceu im movei alguns minutos, até que
ouviu cada vez mais próximo o som de uns passos (R. da
Silva, Mocidade, 5, 92).
A uma or., em que se nega que uma acção principie
(ou haja de principiar) a realizar-se, não é usual moder-
namente ligar-se uma or. de até que, e substitue-se até
que por emquanto não:
Não louves até que proves (Prov.).
Obs. 1." Nas mesmas circumstancias tambcm deixou
ser usual juntar-se até a um infinitivo, como se fazia
antigamente :
Não me chames bem fadada até me veres enterrada
(Prov.). tinham feyto antre si juramento e 2)auto de nam
repousarem atee nam darem crua fim a seus dias (Diego
Aff., 100).
b) Até que (as mais das vezes seguido de emfím,
finalmente, e expressões semelhantes) também se usa
adverbialmente em or. principaes, quando se falia de
uma cousa que acontece, depois de longa espectativa
(em latim tandem):
Até que aqui no teu seguro porto \ Nos trouxe a pie-
dade do alto assento (Lus., V, 85).
§ 403. Aiites que (arch. atite que) apresenta a acção
da or. subordinante como anterior á da subordinada.
Só costuma empregar-se, mormente fallando do futuro,
quando se quer significar intenção; querendo exprimir-
se meramente a relação temporal, emprega-se antes de
com infinitivo.
Com o mesmo sentido também se usa primeiro que:
20
306 SYNTAXK III8T0KICA P0KTUGUE8A
Primeiro vemos o fumo e o pelouro, que ouçamos o tiro
(H. P., /, 10). primeiro do que nós <Cast., Fast., i, 91).
§ 404. Depois que, apresenta a acção da or. subor-
dinante como posterior á da subordinada.
No port. arch. também se dizia pois que e até sim-
plesmente pois :
m^is que gram coita d'endurar \ me será, pois me sem
vós vir! (Lang., 82).
§ 405. Que, como conjuncção temporal, emprega-se
depois de : ha tanto tempo, faz tantos annos, e expressões
semelhantes, e depois de: agora, hoje, a primeira (a ulti-
ma, etc.) vez:
Tem,po fuy que eu vemçia todas as alimalias! (Fabul.,
fab. 16). Hoje, que em mais sérios estudos o dia gasta
(Hyssope, 105).
Jam diu 's/ quod ventri vidum nojt datis (Plaut.,
Amph., I, 1, Í46). (Com esto sentido quod tem sido res-
tituido em muitos lugares de Quintiliano o de Plínio o
Moço.)
§ 406. São loc. temporaes indefinidas: todas as ve-
zes que, cada vez que, (arch.) cada quando, (arch.) cada que,
sempre que, (arch.) quando quer que:
estranhei \ o que m,'el rogou cada qu£ me viu (Lang.-,
96). E esto lhe ffaçam cada que ouver a bever (Gir., Alv., 19).
g. Conjuncções comparativas
§ 407. Na qualidade de conjuncção comparativa,
como serve de exprimir semelhança ou egualdade.
Obs. Note-se a loc. elliptica ser como alguém ou
algo :
SYNTAXB HISTOUICA rOUTUGCESA 307
Estes falladores são corno cigarras que atroão e não
deleytão (Fran. Rod. Lobo, Corte na Aid., 73, ap. Blut.).
Oturosim note-se a loc. um como, v. g.: iiina como
prelibação da gloria.
Em particular, eraprega-se :
1) nos similes. Neste caso, as formulas usuaes são:
assim como, bem como, como — assim também, assim^ tam-
bém (sem partícula) :
Assi como o fogo prova o ouro, assi a adversidade o
amigo (H. P., Il; 290 y.).
Em vez de assi também, emprega-se também tal,
d' esta arte:
Bem como quando a flamma que ateada \ Foi nos ári-
dos campos.. \ .. o seco mato vai queimando: | .. D'esta
arte o Mouro attonito e torvado \ Toma sem tento as armas
mui depressa {Lus., III, 49-50). Assi como a bonina, que
cortada \ Antes do tempo foi .. \ .. O cheiro traz perdido e
a côr murchada: \ Tal está morta apallida donzella (Lus.,
III, 134). Bem como paciente e mansa ovelha \ Na misera
niãi postos [os olhos] que endoudece, \ Ao duro sacrifício se
offorece: \ Tais contra Inês os brutos matadores \ .. Se en-
carniçavão férvidos e irosos, \ No futuro castigo não cui-
dosos (Id., III, 131-132).
2) com o sentido de segundo, conforme:
Como o conta Plutarcho na vida de Sylla (H. P., I,
323). Dizia Demócrito, como o refere Stobeu, que a tempe-
rança era semelhante d armonia (Id., 17, 31 v.). Cada um
diz da feira como lhe vae nella (Prov.).
Neste sentido o port. arch. também dizia em como:
E aos de sô /"= aòaixo de] estes [dem], em como po-
derem rnelho^ mercar (Direito Consuet. Municipal, ap. Leite
de Vasconc, Tx. arch., 29).
308 SYNTAXE HISTOniCA POUTUQUESA
Também se usa no sentido de: 2^ela ordem que (em
latim tit quisque):
segundo o merecimento de cada hum lhe tinha [D.
João II] destinado os lugares, e os prémios, assi como
fossem vagando (Vieira, //, 118).
§ 408. Não ha em port. conjuneção da comparação
hypothetica (como em latim quasi): substitue-se por:
como se, (no port. arch. med.) como que:
Em ajyparecendo no Oriente os primeyros rayos do
sol, como se forão archeyros da guarda do grande Rey dos
planetas, vereys como diante fazendo praça, e como em
hum momento alimpão o campo do ceo, sem guardar res-
2yeyto, nem perdoar cousa luzente (Vieira, /, 259-260). Como
que as minhas nam abastassem (Bern. Ribeiro, ecl. I,
15 V.). Bati CO punho em meu peito \ Como que me con-
fessava (Sá de Miranda, Cartas, P>S4). Alegays-me vós
Jseu I e Oriana com ella, \ e falays no cuydar seu, \ como
que nunca ly eu \ sospirar Tristam por ella (Coudel Mór,
Canc. G.^\ I, 14).
Tem valor, ás vezes, de como se irónico a loc. nem
que; v, g.: Não se atreveu a falar-me, nem que eu fosse
algum bicho de meter medo! (J. Moreira, Est., II, 76).
§ 409. A tal é correlativo como, qual, e (arch.) que-
jando. Qual — tal também se emprega nos similos:
Qual contra a linda moça Polycena, \ ..Co ferro o duro
Pyrrho se apparelha \ .. Tais contra Inês os brutos mata-
dores (Lus., III, 131-132). Qual diante do algoz o conde-
nado, 1 Que já na vida a morte tem bebido, \ Põe no cepo a
garganta, e já entregado \ Espera pelo golpe tão temido : \
Tal diante do Príncipe indinado \ Egas estava a tudo offe-
recido (Lus., III, 40). Não o pungia tanto o mal jjresejite
I Como a recordação dos claros dias \ De innocencia e de
paz que ali vivera (Herc, Pões., pg. 176).
SYNTAXB HISTÓRICA PORTUGUESA
309
§ 410. A tanto é correlativo como e quanto.
Diz-se :
quanto mais
raenoí
tanto mais
menos
mais
»
quanto os cavallos som mais grossos, tanto mais agi-
nha emmanqueçem (Gir., Alv., 10). quanto mais ajuda e
bem lhe [maaos homSesJ fazemos, mais poderio lhe damos
de mall obrar {Fahul., fab. 7). a área quanto mais agoa
lhe lançam, tamto mais endurece (H. P., II, 106 v.). [a ma-
goa d'estas lembranças] he como sombra, que cae de alto
monte, que quanto vae sendo mais tarde, tanto vae sendo
maior (Id. ibid., 37Ô). Quanto mais sacode, \ mais poeira
dos livros vem cahindo (Hi/ssope, 51). Quanto se chegão
mais os olhos perto, \ Tanto menos a vista determina, \
Se he crystal o que vê, se diamante. (Lus., VI, 9).
§ 411. A tamanho é correlativo como e (antiquado)
camanho:
uma carta tamanha como o opúsculo (Herc, Opus.,
III, 212).
§ 412. A outro [ = dif[erente], diverso, diff crente, di-
versamente, diferentemente, junta-se do que.
No port. arch. médio dizia-se outro que:
Não de outra sorte a timida Maria \ Fallando está,
que a triste Vénus quando \ A Júpiter, seu pai, favor
pedia ! Pêra Eneas (Lus., III, 106). Não lhe derâo
310 SYNTAXE HISTOUICA PORTUaUESA
outro dote que as qualidades e virtudes da esposa (Frei-
re, 6).
É antiquado pôr depois de differente o egualmente a
conjuncção que:
Igualmente que linda, lastimoso, \ Aljôfar dos seus
olhos distillava (Cam., Son. 204). de differente modo se
traja o cortezão que o villão (Ceita, 197 v.).
Em vez de «não ó outra coisa senão — » e de <ique
outra coisa ó senão — V podo dizer-se simplesmente «não
é senão — » e «que coisa é senão — V»:
. .no Rei e gentes não sentirão \ Senão contenta-
mento e gosto tanto, \ Que não podia certo haver suspeita
I Nua mostra tão clara e tão perfeita (Lus., II, 15). Que
cousa são os gostos, senão as vesjyoras dos pezares ? (Viei-
ra, II, 69). O somno não he outra cousa, que huma doce
prisão de todos os sentidos do corpo (Id., AT, 188).
§ 413. Sobre a ligação do segundo termo de com-
paração V. cap. V.
§ 414. a) Segundo (no port. arch. médio segundo
como, segundo que) designa conformidade:
derõ grades louvores e graças a Jhesu Christo nosso Se-
nhor por a saúde do emperador, segndo que. sam Clemente
ensinava e demonstrava (Historia de Vespesiano, ap. Leite
de Vasconc, Tx. arch., 50). pos em ell [livro] mays e me-
nos segundo como lhe semelhou (Gir., Alv., Prologo). Asy
que tenhaães agoas doces e salgadas segundo que avedes
mester (Mil. de *§.'" Ant.°, 2). segundo que ho Papa lhe
tinha mandado (Diego ML, 173).
Também se usa como equivalente de pela ordem que,
d medida que, (locução moderna) á proporção que:
 medida que os limites do reino christão se iam di-
latando, ou que novos moradores vinham engrossar a po-
pulação de um território jd conquistado, o direito consue-
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 311
tudinario havia de ir recebendo a feição particular de des-
paridade, que é o seu caracter principal em cada povoação.
(Gama Barros, Hist., 7, 31).
Obs. O port. arch. médio emprega segundo em ora-
ções que servem de fundamentar a or. subordinante,
no sentido de «como pode recoahecer-se, como é de
esperar, como é bem de ver, etc, olhando a esta cir-
cumstancia *:
núqua se acha nelles paz nem será possivel (segundo
sam vingativos e odiosos) — vedar em-se ejifre elles estas
discórdias (Magalhães, Hist. da pr. de S. Crus, 37).
No port. arch. tainbem se emprega nas exemplifica-
ções (equivalentes a como):
hicu [modo] he chamado sucessivo, e perteece a qual-
quer obra que nom dura senom em quanto a fazem, segundo
que he falar, e cantar, e correi', e fazer movimento (V.
Bemf., lõO).
Ligando á prepos. pro (—segundo) a partícula com-
parativa tíí, formou a lingoa latina a conj. prout. Sendo
pro substituído por segundo, e tomando como e que o
lugar de ut, resultai'am as loc. conjunccionaes segundo
como, segundo que, nas quaes depois se supprímiram
as partículas comparativas, ficando assim a prepos. se-
gundo a exercer as funcções de conjuncção.
b) conforme (no port. arch. médio conforme como)
tem a significação de segundo:
desejar as cousas conforme como deve ser (Fr. António
de Sousa, Man. de Epictéto).
§ 415. Sobre as or. adverbia es infinitivas e de par-
ticipio, basta o que está dicto na secção I sobre o em-
prego do infinito e participios.
312 SYNTAXE HISTÓRICA P0RTUGCE8A
Additamentos â secção segunda
§ 416. Pode ligar-se com a prepos. de { — a respeito
de) a um verbo sensitivo ou declarativo o nome da pes-
soa ou cousa, que tem de ser sujeito ou complemento da
or. substantiva (de que ou infinitiva):
De muitos Santos lemos, que o começarão a ser, ainda
no berço (Sousa, V. do Are, 7, 19).
De hoc [Diodoro] Verri dicitur habcre eum pcrboua lo-
reumata (Cie, Vcrr., IV, IS) V. Madv., § 395, obs. 7.*.
Com verbos d'outras categorias (v. g. : ordenar) é
prática rara :
Porque de vossas agoas Phebo ordene | Que não tenhão
enveja ás de Hippocrene (Lus., I, 4).
§ 417. Aos verbos de acontecer, quando tem por
sujeito uma or., o port. arch. médio, ás vezes, antepu-
nha o adverbio assim, que servia de ennunciar a or.
substantiva :
acertou assi que aquella hora chegava hít cavalleiro
(Bern. Ribeiro, Meu., S8).
§ 418. Em lugar das loc. usuaes dizer, responder que
sim, que não, occorre esporadicamente dizer, responder
de sim, de não:
que ia mays nom disse de nom (Pêro da Ponte, Vat.'*,
Ò74). he força responder-lhe de Não (Vieira, //, 91).
§ 419. Uma or. adverbial pode — da mesma maneira
que qualquer determinação adverbial de uma or.— ser
precedida de expressões exceptivas :
Qual he o coraçam que cuydando nisto se nam desfaz
em lagrimas, salvo se he mays seco que os motes de Gel-
boêf (H. P., I, 79).
§ 420. Em vez de se empregar uma or. adverbial
SYNTAXE HISTOUICA PORTUGUESA 3 li
de modo finito com o verbo ser, ou estar^ podem collo-
car-se na or., que havia de ser subordinante da adver-
bial, já qualificações, já determinações circumstanciaes,
precedidas de certas conjuncções tomadas adverbialmen-
te. As principaes d'estas conjuncções são : ainda que,
embora, posto que, porque, quando, emquanto:
Despede-se de todas as occupaçoens, ainda que tão san-
tas, e tão suas, e alli só com Deos, e cõsigo se despoz muito
devagar, e muyto de propósito imra quando o Senhor o cha-
masse (Vieira, 1, 1093). As raposas são muito astutas, e
se não se tomão emquanto pequeninas, depois de grandes
não se podem tomar (Vieira, VII, 66). Cuidando aporta-
rem a praias ignotas, os publicistas mais de uma vez tem
plantado padrões de descobrimento em regiões onde, embora
occultos pelos musgos e sarças, os padrões da cruz estão
plantados ha mais de mil e oito centos annos (Herc, Op. I,
260-261). As reluctancias estéreis, porque sem nexo, esmo-
receram e acabaram-se (Id. ibid., 2õoJ. O ar, posto que
frio, estava manso e diaphano (Id., Eur., 230). Admirável
condição da natureza humana, que tudo nos parece jnelhor
e menos feio quando visto de longe! (Garrett, Viag., 239).
qiiamquam delcrrenUbiis amicis (Suet., Cães., 70). Sed
quatnquam generis unius diversas tamem spccies Iiabet (Quin-
til., 9, 2, 17). V. Mad., §§ 424, cbs. 4.'-^ ; 428, obs. 2."; 443,
obs.
§ 421. O infinitivo ser pode omittir-se, já como
auxiliar da passiva, já como verbo sobre si, depois de
varias loc. preposicionaes: antes de, depois de, além de,
de mais de, apesar de:
Apesar de gordo, os seus movimentos não eram aca-
nhados nem desairosos (R. da Silva, Mocidade, 1, 4). De
mais de respeitados, são os jogues muito temidos (Godi-
314 8YNTAXR HISTÓRICA PORTUGUESA
nho, 29). E depois daquisto feito (Chiado, Prat. d'oito
fig., 118). depois delle ido (AíT. de Albuq., Comm., o). E
depois de esposo cuida que será o mesmo? (R. da Silva,
Mocidade, 2, 284).
Como auxiliar da passiva, junto de necessitar, haver
mister^ merecer: "
aviam mister ptihlicameiíte castigados (H. P., /, S43).
Não necessita entretido (Cast., Medico d força).
Como verbo sobre si, junto de :
1) 2^or o de em sentido causal:
el Rei D. João, ainda que o fD. João de Castro]
amava por valeroso^ lhe era jjouco affecto 2)or altivo (Freire,
18). a rauitos navios vieteo nas mãos dos piratas a carga ^
não por muita, mas por descompassada (^"ieira, S. de S.^°
António, 4). as quaes [dignidades Ecclesiasticas] pêra
perfeitafiiente administradas, pouco ou nada imj^orta ser
o ministro mais ou menos ilustre em geração (Sousa, V.
do Are, I, 47). Quantos frades de S. Francisco vistes
morrer Éticos ou de famintos (Ceita, 18, ,'.').
2) apesar de.
3) estar perto de, longe de, e outras locuções de si-
gnificação semelhante :
o rreino era acerca de perdido (Fern. Lopes, D. João 1,
284).
4) Prezar-se de, j^^^sumir de, gahar-se de, e synon.:
Presumireis de entendidos (Ceita, 86 v.). Prezai-vos
lá de filhos do Sol (Vieira, I, 316). Vê Chatigão, cidade
das milhores \ De Bengala, provinda que se preza \ De
abundante (Lus., X, 121).
5) acusar de, convencer de, louvar de, e seus synon. ;
aprender para, estudar para, e seus synon.; v. g. : estu-
dar para medico :
nom foy tam notado de bêbedo (H. P., I, 530). o ri-
SYNTAXE HISTÓRICA. PORTUGUESA 3Í5
heyrinho que na fonte não teve brios de regato^ em come-
çando a ser ribeiro, ensaya as aguas para rio (Chagas,
Obr. esp., 7, 280, 281, ap. Blut.). Arguirão-no de remisso
e irresoluto {Port. Rest., 7, 89, ap. Blut.). O Governador
depois de o louvar de curioso, e bem occupado, lhe mandou
dar trinta pardaos (Freire, 280). o documento do jura-
mento do Bei está convencido de apócrypho (Cast., Q. Hist.,
5, 78).
6) Dar signál de e locuções semelhantes:
Lisboa não dá mostras de quebrantada (Cast., Q. Hist.,
3, 40).
7) suspeitar de:
Não pretendemos . . suspeital-o de menos veridico (Cast.,
Q. Hist, 3, lõ).
8) ser para:
E nem éreis vós para ave de ruim agoiro (Cast., Q.
Hist, 2, 96).
§ 422. Ás vezes uma or. adverbial é subordinada
não a uma or. que se encontra na clausula, mas a uma
or. que facilmente se subentende:
E porque tudo em fim vos notifique, \ Cliama-se a pe-
quena ilha Moçambique (Lus., I, 54). Senhor, se vos
espanta o sofrimento \ Que tenho em tanto mal para es-
crevê-lO) \ Furto este breve espaço a meu tormento (Cam.,
Eleg. 11). E para que cesse a admiração de hum caso
tão prodigioso, isto que fizerão naquelles olhos os Anjos
bons, fazem nos nossos os Anjos mãos (Vieira, J, 637). Eu
não sei compor d' esses livros, e quando soubesse, tenho
mais que fazer (Garrett, Viag., 186). (A or. concessiva
quando soubesse é subordinada á or. não os comporia,
que se subentende).
V. Madv. §§ 440, obs. 6; 357 a, obs. 2.a.
316 SYNTAXE HISTÓRICA POnTUGUESA
§ 423. a) Ha miiiio, ha pouco, ha tantos annos, etc,
pode empregar-se inteiramcnto como substantivo em ex-
pressões, como de ha muito:
Sermões de ha sessenta annos (Herc, Op., III, 9).
b) Não sei se — ou intercala -se no discurso, sem
formar or. á parte:
depois de estar alli alguns não sei se instantes ou
séculos (Herc, Eur,, õ2).
§ 424. A conjuncção que, quando introduz orações
que funccionam como compl. directo, e até como sujeito
de alguns verbos, pode omittir-se, principalmente na lin-
goagem litteraria:
E se era feyto d semelhança de mnytos: que muyto se
parecesse com elles? (Vieira, 7, 3S2). Ponto a que eu con-
fesso não sei dar solução (Coita, 26, 27). temo se venha a
ãcscubrir quem fez o furto (Man. Bernardes, Pão part.,
2, § 7). nem serei de parecer, se lhe negue o commungar
cada dia (Id. ibid., § 20). uma liberdade dos cidadãos que
o direito j^nblico não permitte seja offendida (Herc, Cas.
civ., 11).
§ 425. Não ó correcto substituir as conjuncções cir-
cunstanciaes simples [se, quando como, etc.) no segundo e
demais membros de uma coordenação pela partícula que
(como se pratica em francês).
No port. arch. encontra-se, ás vezes, a prática, havida
com razão por incorrecta :
Senhor, desquanão vos vi \ e que fui vosco falar, |
Sábed' agora per mi \ que.. {Lang.^ 24). quand'aquy chegar
I e que lh'eu falar Jiotn qiiyser (Rui Queimado, Vat.'^ 35).
Aquellas conjuncções ou se omittem, ou emphatica-
mente se repetem.
Das conjuncções compostas com que (v. g.: com tanto
que) pode repetir-se simplesmente a partícula que:
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 317
logo que os árabes, acommettidos já pelas costas, x>TÍn'
cipiaram a recuar, e que Pelagio pôde combater na plani-
cie, o cavalleiro, abrindo caminho com o franldsk, desappa-
receu no meio dos inimigos (Herc, Eur., 306),
§ 426. Quando a um verbo transitivo se liga uma
or. substantiva, é corrente transpor o nome que havia
de ser o sujeito da or. substantiva, para a or. subor-
dinante, como se fosse compl. directo da or. subordi-
nante :
cada hãu deve a esguardar o cavallo se he boquimolle
(Gir., Alv., 12). Não sei este desconcerto do mundo onde
lia-de ir ter (Bern. Ribeiro, Men., IV, ap. Barretto). De-
pois foi ver as mós se tinha?n grão (Ribeiro da Silva,
Á casa dos fantasmas, I, ISõ, ap. Barreto, Est., 222).
nosli Marcellum qiiam tardus scit.
§ 427. Faz-se sobresahir o conteúdo d'uma or. cau-
sal, final, ou temporal, pondo na or. subordinante uma
expressão adverbial demonstrativa que corresponda á
conjuncção da or. subordinada:
estonçe he a queeda wmís perigosa, quando a alteza
he mais alongada (V. Bemf, 178). entam causam insof-
frivel dor os males, quando sam acompanhados da memo-
ria dos bés passados (H. P., I, 91). Quando fizestes o que
devíeis, então vos pagastes (Vieira, /, 314). [5.'"] Izabel
não buscava coroas, antes as coroas a buscavão a ella, e
porque buscada das coroas, ella buscou a santidade, por
isso essa mesma santidade . . a fez muito mayor Rainha
(Id. II, 20).
§ 428. a) Para realçar um sujeito ou compl. directo,
assignalando-o como sendo a única pessoa ou cousa a
que o predicado se applica, pode desdobrar-se a oração
318 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGDKSA
em duas, por meio do verbo ser com o pron. demons-
trativo o (no port. arch. aquelle), seguido de uma or.
relativa (e com o pron. quem equivalente a aquelle
que) :
o coraçom viel he aquell que faz homem sseer pêra pou-
co (Fabul, fab. 22). A natureza a todos os homens fez
eguaes; a fortuna he a que fez os altos, os baixos e os
baixíssimos quaes são os servos (Vieira, IV, 323). as taças
que gyravam ao redor eram as que produziam o tinir que
soava fora (Herc, Eur., lOõ).
Hic [mehis mortis] est qui ipsam vitani, cum parcit, in-
quietai ac perdit (Son., nat. quacsL, 6, 32). Sol enim esl qui
ista succendil (Id. ibid., 7, 12) .
Obs. Neste desdobramento, o presente do verbo
ser pode estar em lugar dos outros temj)OS :
Pilatos he o que havia de fazer asco de vós (Vieira,
IX, 74, ap. Blut.).
O port. moderno também abrevia a phrase, suppri-
mindo o pron. o.
b) Este desdobramento simplificado da maneira
acabada de indicar passou, no port. médio e moderno,
a applicar-se a qualquer parte de uma or., que deter-
mine o predicado, tornando-se apenas um signal de
realce :
Dahi he que lhe vem toda a graça, e toda a fermosura
(Vieira, 7/, lo). Agora he que tinhão melhor lugar os des-
mayos da Esposa (Id., VII, 46).
Obs. Quando a determinação designa lugar, pode
substituir-se que por onde:
era principalmente nas fileiras dos árabes, onde as
SYNTAXE HISTOHICA POIITUGUESA 319
jpúas agudas e cortadoras da sua temerosa borda ou maça
d'armas faziam maiores estragos (Herc, Eur., 118).
Obs. O porí. moderno chega a empregar é (era, etc.)
qite — invariável, depois do que havia de ser sujeito da
or., V. g.: os grandes rebanhos é que [por: são os que, ou
ainda: são que] fazem as boas colheilas, proporcionando
as quantidades precisas do estrume para o adubo do solo
(Rebello da Silva, Econ. rural) ; as nndtidões é que ficarão
tristes (Herc, Lendas e Narr., II, 198).
Outros desdobramentos coin o fim de dar realce,
taes como: para que não succeda que, quando caso for
que (=quando por ventura), como assim seja que {=como,
emi^hatico), sendo que, não importam á syntaxe:
Como assim seja que esta terra d'aleem lie tam grande
e doesta parte d'aquem temos Europa, Africa e Ásia, mani-
festo lie que lio mar oceano lie metido no meo d'estas duas
terras e fica medio-terrano {Esmeraldo, 24).
Este meio de dar realce applica-se também ás or.
interrogativas de porque e quando.
c) Das construcções eliipticas taes como: Quantos
montes então que derribarão \ As ondas que batiam deno-
dadas (Lus., VI, 79) desenvolveu-se o emprego de que
reduzido a partícula de realce, em exclamações com
quanto, qual, que. quão.
d) Da construcção com a conjuncção que em, v. g.:
lia tanto tempo que uma cousa acontece, proveiu o em-
prego de que, reduzido a partícula de realce, depois das
expressões que designam desde que tempo uma cousa
acontece :
Desde o alvor da manhã que vos procuro (Garrett,
Cam., X, 117). desã-e muito que o somno é sempre breve
para mim (Herc, Eur., 268).
320 SYNTAXE HISTOHICA PORTUGUESA
e) Por íim, como partícula de realce, emprega-se
depois dos advérbios (e locuções adverbiaes) que indi-
cara o modo da enunciação (talvez, por ventura, certa-
mente, certo, verdadeiramente), e depois do qiiasi e ex-
pressões equivalentes :
Por certo que gravemente me pesa do que fiz ser asolto
per elle Deos e polo Santo padre de minha culpa (Diego
Aff., 69, 70).
§ 429. a) O adverbio não é o adverbio negativo ge-
ral.
Já em latim, bem que só na poesia, e na decadên-
cia, occorre non por «e.
Obs. Note-se a ioc. não j)oder não — (=não poder
deixar de — ): não podia não ter (Vieira, S. do b. Eslanis-
lao, 2).
b) Em lugar de não emprega-se nem:
1) immediatamente antes do todo, tudo, sempre :
Nem tudo o que luz é ouro (Prov.) As coisas simpli-
ces nem semp7'e occorrem (R. da Silva, Mocidade, 2, 208).
2) antes de ainda, se quer, mesmo (adv.).
3) antes de por isso.
nem tambom se emprega com o sentido do francês
pas même:
Nem o humilde logar onde repoisam \ As cinzas de
Camões, conhece o luso (Garrett, Cam., IIS).
Também na decadência o latim empregava »i«çm€
(m(í) por nc — qnidem.
§ 430. Da concorrência de duas negativas não re-
sulta uma affirmação, e assim diz-se, v. g.: sem pedidos
nem recommcndações, sem nenhum perigo, sem perigo ne-
nhum, a par de : sem perigo algum :
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 321
anibos chegaram, sem nenhum accidente, ao seu destino
(Garrett, Viag., 16S).
§ 431. a) Pode empregar-se um pron. negativo (nin-
guém, nenhum, etc), ou adverbio pronominal negativo
(nunca, etc), quando era de esperar um pron. ou adver-
bio affirmativos no segundo termo d'uma comparação (de-
pois de: do que, que, como):
Súbito o ceo sereno se obumbrava, \ Que os ventos,
mais que nunca, impetuosos, | Começão novas forças a hir
tomando, \ Torres, montes e casas derribando (Liis., VI, 37).
b) Semelhantemente em uma or. ou infinitivo, que
se ligue a uma or., cujo predicado envolva a ideia de não
existência de uma cousa, pode antepôr-se não ao verbo,
ou empregar-se um pronome ou adverbio pronominal
negativo, em vez de um pron. ou adverbio pronominal
affirmativo :
Mas Africa dirá ser impossibil \ Poder ninguém ven-
cer o Rei terribil (Lus., IV, 54). E quando vós mesmo
cuydaveis que seria impossível haver nunca mudança em
vós, achastes que . . o vosso coração se trocou totalmente
(Vieira, I, 736). Não me lembra que lord Byron cele-
brasse nunca o prazer de fumar a bordo (Garrett, Viag.,
10). elles estavam bem livres de ser nenhuma dessas cou-
sas (Herc, Op., III, 13). Cuidas que uma noite doestas es-
quece nunca ? (R. da Silva, Mocidade, 3, 127).
c) Nas or. comparativas pertencentes para compa-
rativos de superioridade, ou de inferioridade, o port.
arch. empregava ás vezes o adverbio 7ião:
mais homrra dan a deus os pexes das agoas que nom
os homées herejes (Mil. de S. António, 3). eu me com-
tento mays do meu grão que tu nom te comtentas das rri-
quezas dos rreis (Fabul, fab. 23). deu por ssy mays ca
nõ vai (Dom Lopo, Vat., 967).
21
322 8YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Outrosim, o port. arch. médio empregava, nas ora-
ções de primeiro que, o pron. ou adverbio negativo, em
vez do positivo:
primeiro que entendesse em nenhúa cousa das que lhe
mandava dizer lhe mandava dez mouros . . em arrefens
(Affonso de Albiiq., Comm., 34).
d) Aos verbos de prohibir e impedir ligava-se, no
port. arch. médio, uma or. (ou infinitivo) complementar
com negação:
Defendi-lWeu que se nom fosse d'aqui (Lang., 99).
vedes quem me tolhe de vos nom valer (Lá., 90). e por que
me tolhestes \ que non possa meu amigo veer (Pedro Ami-
go de Sevilha, Vat., 823). Gom hum redondo empar o
alto de seda, \ Nua alta e dourada ástea enxerido, \ Hum
ministro á solar quentura veda \ Que não offenda e quei-
me o Rei subido (Lus., II, 96). defendem-me meus paren-
tes I que te não fale nem veja (Chrisfal, 79).
e) Outro tanto se fazia ás vezes na or. que se liga
a pouco faltou :
Pouco faltou que não perdesse o siso {Mal. conq.,
3, 98).
i) No port. arch. médio, depois dos verbos de
temer, empregava-se na or. complementar o pron. ou
adverbio negativos, em vez d'um pron. ou adverbio
affirmativos:
Fermosa filha minha, não temais \ . . que ninguém
comigo possa mais \ Que esses chorosos olhos soberanos
(Lus., II, 44).
g) No port. arch. médio empregava-se, na coorde-
nação, nem, em lugar de ou, se o predicado envolvia a
ideia da não existência d'uma cousa :
loar mha> senhor \ a que prez nem fremosura nom fal,
I nem bondade (Lang, pg. 41). e se verdade leixardes
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 323
de dizer por sanha, nem por ira, nem por cobiça, nem por
prol.. [Port. Mon. Hisl., Orden. de D. Duarte, 299). Que
me hão Syrtes nem Scylla aproveitado ? {En. x>ort., 7, 71).
Tudo em ti pôs o ceo, e em ti o conserva \ Mais que em
Juno, nem Vénus, nem Minerva (Caminha^ 134).
h) Nas exclamações de quanto, qual, que, quão, é
corrente antepôr-se 7ião ao verbo:
Que romarias e offerlas se não promeiteriam á Casa
santa de Compostella ! (Cast,, Q. Hist., 2, 13).
§ 432. Quando a negação houver de ser expressa
por uma só palavra, esta vae antes do verbo: Ninguém
vi que soubesse mais:
uma mulher feita e perfeita, e que nada perdera,
comtudo, da graça, do encanto, do suave e delicioso per-
fume da inocência infantil (Garrett, Viag., 144). Tantos
annos de penitencia- e de remorsos nada fizeram (Id., ibid.,
216).
Quando houver de ser expressa por duas palavras
negativas, o verbo no port. moderno vae entre as duas
negativas: Nunca vi ninguém, não sei nada. Entretanto
pode dizer-se: nem ninguém, nem nunca.
Obs. No port. arch. dizia-se : nem — não, ninguém— não,
nenhum — não:
nenhuu nom produziria nem obraria de sy perfeita-
mente (Corte Imp., 100). A ninguém não me descubro (Gil
Vicente, 1, 48, ap.^ J. Moreira, Est., I, 147). Nem tu não
tens que me dar (ibid., 13). (Em Gama Barros, Hist. da
Administ., III, 256 : Nem do código nem das actas dos Con-
cílios não cotista que n'este reinado se promidgassem leis
contra os Judeus, é effeito do trato com o port. archaico),
O povo diz: não pode deixar de não ser, em vez de
não pode deixar de ser.
324 SYNTAXE HISTOUICA POUTUQUESA
§ 433. É de notar a loc. não que — ! (= pudera não
que — !):
Por quem vós Jiys sospiranJo, \ senhor Jorge da Sijl-
veyra? — Nam que eu sospiro indo \0por quem cuydados
me da (Jorgo da Silveira, Canc. Ger., /, 1).
SECÇÃO III
Da collocação
§ 434. Com respeito á coUocação, que depende de
considerações lógicas, oratórias e musicaes, considera-
ções que tem de subordinar-se ao principio supremo da
clareza, ú grammatica só pertence indicar as restricçòes
que o uso tem posto á liberdade natural.
CAPITLXO I .
CoUocação das palavras na oração
§ 435. A coUocação mais simples (quero dizer, sem
emphase) das palavras na or., consiste em ir primeiro o
sujeito com as suas pertenças, depois o predicado; o n.
predicativo e o compl. directo (não sendo pron. relativo
ou interrogativo) depois do verbo ; as determinações pre-
posicionaes depois da palavra determinada; os pron. re-
lativos e interrogativos (precedidos das, respectivas pre-
■* posições ou loc. preposicionaes) e os advérbios prono-
minaes relativos e interrogativos no principio da oração:
Que parte da Chrislandade vedes segura, ou quieta,
ou certa de seus limites? (Cast., Q. Hist., 1, 84)
Exemplos da coUocação emphatica:
A vaidade e o orgulho que são, senão duas espécies de
SYNTAXE HISTOIUCA PORTUGUESA 325
um género único de fraquezas? (Herc, Op., I, íõ). Quejn
tem fome, cardos come (Prov.).
§ 436. Quando o sujeito é pron. relativo, antecede
o predicado (excepto nos participios absolutos).
§ 437. Nas or. principaes que designam o discurso
de outrem, quando se intercalam no discurso ou vão no
fim d'elle, vae o sujeito depois do verbo:
Não me enfada nada — redarguia este (R. da Silva,
Mocidade, 2, 196).
Quando uma or. interrogativa directa começa pela
expressão interrogativa, c esta não encerra o sujeito, pos-
põe-se o sujeito ao verbo.
§ 438. Quando o sujeito é um nome não precedido
do artigo definido, pospòe-se, não havendo emphase :
1) aos verbos existir, apparecer, occorrer, e aos de
significação semelhante. •
2) aos verbos reflexos de sentido passivo.
§ 439. Quando os pron. isto, isso, aquillo, o mesmo,
e este, esse, aquelle, o mesmo (com os seus substantivos),
sendo complementos do predicado, se transportam em-
phaticamente para o principio da or. (principal), o sujeito
pospòe-se ao verbo :
Isto fazê os príncipes alheos de soberba, ca os incha-
dos delia, inda que vejão seus erros, ham-se por abbati-
dos em os emendar (H. P., /, 203). Isto fazem os Reis,
quando embebidos | Ntia apparencia branda que os con-
tenta, I Dão os prémios de Aiace merecidos \ Á lingoa vã
de unisses fraudulenta (Lus., X, 24).
§ 440. Quando o n. predicativo se colloca emphati-
camente antes do verbo, o sujeito vae usualmente depois
do verbo:
— Cala-te, impio ! — gritou frei João irado.— ímpio
é elle ! (R. da Silva, Mocidade, 3, 36).
826 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
§ 441. a) Nas phrases do typo de: O que eu digo é
que—, pode o sujeito da or. relativa transpôr-se empha-
ticamente para o principio da phrase:
o concilio o que fez foi annular em geral os casa-
menlos clandestinos entre os catholicos (Herc., Cas. Civ.y
127).
b) Nas orações de que, com conjunctivo de sentido
imperativo, o sujeito pode collocar-se eraphaticamento
antes da conjuncção que:
Alguns dias que passem, e o furor d'elles cederá ás
supplicas dos teus poderosos protectores (Herc, Monge, II,
305).
§ 442. O sujeito de uma or. infinitiva não precedida
de prepos. (excepto a prepos. a, em sentido temporal),
pospõe-se normalmente ao infinitivo de verbos intransi-
tivos 011 passivos (nos tempos compostos pode ir depois
do auxiliar).
§ 443. Nos participios absolutos, o sujeito colloca-se
depois do participio (em tempo composto, depois do au-
xiliar, ou depois de todo o participio); quando, porem,
o participio ó precedido da prepos. em, pode o sujeito
collocar-se antes; também os sujeitos isto, isso, aquillo,
o que, podem collocar-se antes do participio passivo
simples :
E aly acrecemtando-lhe a êmfirmidade . . Aquella
alma muy Sanita pasou de aqueste mundo a deus padre
(Mil. de S.*^ Ant., 27). Feyta agoada e carnagem, par-
tio-se Vasco da Gama híia quinta feyra pela manhãa
que forão dezaseis de Novembro (Castanh., 7, 3). Acabada
a solemnidade daquelle acto, e entregue D. João do go-
verno da índia, se partio Martim Affonso para Cochim
a tratar do seu apresto 2^cira o Reino (Freire, 29). aca-
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 327
badas Completas manda tanger a .Capittdo (Sousa, V. do
Are, I, 56).
Esta regra é do port. moderno, mas observada por
todos os bons escriptores; anteriormente o sujeito ante-
punha-se ou pospunlia-se indifferentemente :
depois a madre noru comprindo o voto que prometera
inchou oídra vez ao moço o pescoço (Mil. de SJ° Ant., 34).
o jogo acabado todas as peças [do xadrez] sam mistura-
das com as oídras sem diff crença, e igualmente metidas
no saco dos trebelhos (H. P., I, 431, 431 v.) . . a raiva \
succedendo ao desmaio, entra escumando \ Na grande sa-
cristia (Hyssope, 31).
§ 444. Quando aos verbos deixar, fazer, mandar,
ouvir, sentir, ver, se liga um infinitivo referido ao compl.
directo d'estes verbos, o compl. directo, não sendo pron.
pessoal, ou relativo, ou interrogativo, pode ir depois do
infinitivo.
§ 445. Quando se liga um infinitivo aos verbos ir,
vir, etc, mandar, as circunstancias pertencentes para
aquelles verbos podem ir depois do infinitivo :
quando [o leão] avia talante de comer, anidava a ca-
çar das alitnarias aa ssilva (Fabul., fab. 27).
§ 446. Nos tempos compostos pode intercalar-se
também uma circumstancia entre o auxiliar e o participio.
§ 447. Os adjectivos attributos coUocam-se depois
do seu substantivo, quando não são de modo algum epi-
thetos oratórios ou poéticos : olhos azues, mesa redonda,
amêndoa amarga, azeite doce, homem coxo, criança cega,
estrela polar, lado direito; e quando são acompanhados
de uma determinação preposicional (v. g.: lei contraria á
liberdade).
§ 448. a) Os numeraes cardinaes attributos, empre-
gados como cardinaes, antecedem o substantivo {vinte
328 SYNTAXE HISTOKICA P0KTUGUE8A
homens)] empregados como ordinaes, pospõem-se (Luís
onze), excepto nas combinações com o artigo, como:
aos quaiorze dias de Junho.
b) Os ordinaes (ultimo e seus compostos) pospõem-
se aos nomes dos príncipes o dos papas (A ff ouso V;
Pio VI); no mais antepõem-se ou pospõem-se ; ha, porêra,
vários substantivos, junto dos quaes tem lugar fixo, v. g.:
primeiro andar (nas epigraphes), tomo primeiro, capi-
tulo segundo, paragrapho quarto.
§ 449, a) Os pron. possessivos attributos pospõem-
se emphaticamente ao substantivo, se este não traz artigo
definido, v. g. : Filho meu não faria tal.
b) Aos pron. possessivos attributos antepõem-se:
1) os artigos: o teu primo, um teu primo.
2) os demonstrativos: este teu primo, o tal teu primo.
Obs. Sobro niesuio, v. § 86.
3) os interrogativos: que primo teu?
4) os relativos: o qual teu primo.
5) os indefinidos: algum teu primo; mas negativa-
mente: primo algum teu.
Diz-se: ambos os teus primos, todos os teus primos,
e, com ambos e todos em opposição: os teus primos são
ambos intellig entes, os teus primos são todos intellig entes.
Aos pron. possessivos attributos pospõem-se os nu-
meraes ordinaes: a tua primeira mídher; com os cardi-
naes diz-se: os três teus primos, três teus primos, ires
primos teus.
§ 450. Os demonstrativos este, esse, aquelle, otdro
(quando é rigorosamente pronome), tanto, precedem os
outros attributos, excepto ambos e todo: ambos estes li-
vros, todos estes livros.
Tal empregado absolutamente vae antes ou, erapha-
SYNTAXE HISTÓRICA POKTUGUESA 329
ticamente, depois de um substantivo: um tal homem, um,
homem tal; mas: o tal homem.
Quando é seguido de or. consecutiva ou de particula
comparativa, diz-se: bulha tal que — , uma tal bulha que — ,
um homem tal como elle.
Obs. É poética a intercalação do substantivo entre
os dois pronomes: Diante do pai, ledo que a agosalha, \
Estas palavras tais chorando espalha {Lies., Ill, 102).
§ 451. Os pron. relativos e interrogativos ante-
põera-se ao seu substantivo, e precedem os outros attri-
butos: que outro homem? A cZo gí<aí antepõe-se ordina-
riamente o substantivo de que o pron. relativo é comple-
mento :
columnas monolithas, a menor das quaes os braços de
dez mil árabes não valeriam a erguer (Herc, Op., II, 34).
As palavras discretas e suaves, j Das quaes o movimento
I Fará deter o vento e as altas aves (Cam., Ode VI).
§ 452. Sobre a collocação de todo e algum, v. §§ 104
e 106.
Comtudo, no sentido de «inteiramente», diz-se: Eu
sou iodo seu (Prestes, 18õj.
Diz-se: nós todos, todos nós, iodos os quaes.
Cada antepõe-se ao seu substantivo : cada ovelha
com a sua parelha (Prov.).
Diz-se :
1) iodos essoidros (Vieira, XI, 515).
2) qualquer outro, outro qiiatquer :
ou per outra qualquer (H. P., II, 468 v.).
Nenhum antepõe-se, ou, emphaticamente, pospõe-se
ao substantivo. Certo, um certo, antepõe-se ao substan-
tivo.
330 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Collocação dos pi^onomss pessoaes átonos o do pronome
demonstrativo átono o.
1.° Caso — Com verbo que não é determinado por
infinitivo nem está na conjugação periphrastica formada
com o participio em -fido:
§ 453. a) Se o verbo é de or. principal do indica-
tivo, imperativo ou infinitivo, e não é precedido de pa-
lavra negativa ou interrogativa, os pronomes átonos pos-
põem-se ao verbo (nos tempos compostos, ao auxiliar).
Disse-Wo; Tenho-Wo dicto ; Dizp.-Wo (No futuro e con-
dicional: Dir-lh'o-hei; Ter-Wo-hia dido):
Deixa-me; quero desabafar eu também agora. Ouve-
me, tens obrigação de me ouvir. (Garrett, Viag., 209). Tu,
Hermengarda, recordares-te ? ! (Herc, Eur., 47). Abomi-
no-te, destruidor da Hespanha . . Não! Enganei-me! Des-
prezo-te, salteador do deserto (Id. ibid., 205).
Antepõem-se, porém, de preferencia :
1) quando antes do verbo vae palavra (v. g.: iodo,
sempre, já, só), em que naturalmente recao emphase, ou
a que se pretende dar realce :
Quem está em ventura, a formiga o ajuda (Prov.).
tudo m^atormenta (Caminha, 158).
2) quando a or. ú precedida de uma or. adverbial,
ou é uma nova or. principal, mormente, se ligada por
conjuncção:
Como o caçador espreita o leão tomado no fojo, os
wisigodos os vigiavam, esperando o romper da alvorada
(Herc, Eur., 27). tomara parte na Campanha da Penín-
sula e a fizera quasi toda (Garrett, Viag., 102). Impossí-
veis unio e o [cinto] fez tão bello (R. Coelho, Jerusalém
libertada, XVI, 24).
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 331
Nas orações de ou — oii aiitepõem-se ou pospõem-se:
Ou me dá vida, Galatea ingrata, | Com teu fervor,
ou por favor me mata (Ulyss., V, 36). *
Se o verbo ó de uma or. parenthetica, que indica
um discurso directo, intercalada neste discurso, ou posta
no fim d'elle, antepòem-se ou pospõem-se:
Monstro fero, lhe digo, não te espante, \ Se neste braço
a pena merecida \ Achaste . . (Ulyss., III, 71).
Se antes do verbo vae palavra negativa ou interro-
gativa, antepõem-sc: Não IKo disse. Quem Ih' o disse?.
Ninguém Ih' o disse. Quem Ih' o teria dicto?:
Quem me descidpará vendo-te ausente? (Ulyss., X,
115).
b) Se o verbo é de or. principal do conjunctivo
imperativo, ou optativo, ou concessivo, e não é prece-
dido de palavra negativa, pospõem-se; mas se antes for
expressão em que recaia emphase, antepõem-se:
Pague-vos Deus no cêntuplo o bem que fizestes aos
nossos queridos finados (Cast., Outono, II, 127). do ceu
lhe venha o remédio (R. da Silva, Mocidade, 1, 57).
Nas orações de quer — quer, e seus synonimos, ante-
põem-se: Quer o diga, quer o não diga.
c) Se o verbo é de or. subordinada de modo finito,
antepõem-se: Quero que Ih' o digas:
Sabemos que el Bei D. João . . lhe era pouco affecto
por altivo (Freire, IS).
d) Se o verbo está no infinitivo e não é precedido
de palavra negativa, pospõem-se: Foi bom dizer-lh'o; Foi
bom ter-Wo dicto :
Que proveito te traz ver-me perdido? (Corte Real,
Nmif., 291).
Se é precedido de palavra negativa, antepõem-se ou
pospõem-se :
332 SYNTAXE HISTÓRICA POUTUGUESA
Um bem que satisfaz | Todos os males que não ver-
vos faz (Caminha, 124).
Se é precedido de preposição, antepõem-se ou pos-
põem-se: para Ih' o [não] dizer; para fnãoj dizer- Ih' o:
Ocupa-se a alma em querer-vos (Caminha, 13). Tanto
a dor de não ver-vos não sentira (Id., 89). E faz por se
soltar força infinita (Ubjss., II, 82). Apto para mandá-
los e regê-los (Lus., IV, 24). somos contentes de vos obe-
decer (Cast., Q. Ilist., II, 27). por se amarem extremosa-
mente? (R. da Silva, Mocidade, 2, 106).
e) Se o verbo está no participio em -ndo, e não ô
precedido de palavra negativa, nem da prep. em, pos-
põem-se: Oiwindo-me; tendo-me ouvido.
Se é precedido de palavra negativa ou da prep. ew,
antepõem-se: [em] não me ouvindo; [em] me não ouvindo.
2." Caso — Com verbo que não está na conjugação
periphrastica formada com o participio em -ndo, e está
determinado por infinitivo ou infinitivos successivamente
subordinados (referidos ao sujeito do verbo):
§ 454. a) Se o verbo ó de uma or. principal do in-
dicativo, imperativo ou infinitivo, e não é precedido de
palavra negativa ou interrogativa, os pronomes átonos
vão depois do verbo determinado, ou depois dos infini-
tivos: Podes-Wo dizer; podes dizer-lh'o ; Pode-las come-
çar a plantar ; podes começá-las a plantar ; podes come-
çar a plantá-las :
eu venho-te dizer que te amo (Garrett, Viagens, 213).
Antepõem-se, porem, de preferencia ao verbo deter-
minado :
1) quando antes do verbo vae palavra (v. g.: todo,
sempre, só) em que naturalmente recae emphase ou a que
se pretende dar realce :
SYNTAXE HISTÓRICA POUTCGUESA 333
Mal poderei queixar-me (Caminha, 158J. D. João de
Mascarenhas o tornou a abraçar, espantado de ver espí-
ritos varonis em annos tão verdes (Freire, 104). Mal te
posso esconder, Cyrcc formosa {Ulyss., III, 104). Só as es-
treitas se podiam mirar n'elles [pensamentos] (Cast., Cha-
ve, 46).
2) quando a oração ó precedida de uma or. adver-
bial ou é uma nova or. principal, mormente, se ligada
por conjuncção :
tomando-lhe o novêllo das mãos nhim instante desem-
baraçou o fio e lho tornou a entregar (Garrett, Viagens, 74).
Se ó precedido de palavra negativa ou interrogativa,
antepõem-se ao verbo determinado, ou pospõem-se aos
infinitivos: Não Ih' o posso dizer; quem Ih' o pode dizer?
Não posso dizer-Wo ; quem pode dizer-Wo ?; Não as pode
começar a plantar ; não podes começá-las a plantar ; não
podes começar a plantá-las. Quem as pode começar a
plantar?; quem pode começá-las a plantar ?; quem pode
começar a plantá-las? :
Com vileza nunca se pode adjectivar generosidade
(Ceita, 94 v.). Carlos era tudo isso : para que o hei-de eu
negar ? (Garrett, Viag., 148). Vi nascer florinha branca,
I e eu não tinha a sua cor; \ via-a sorrir-me alva e fran-
ca, I não lhe pude rir de amor (Cast., Outono, II, 117).
quem te poderá, não digo exceder, se não imitar ! (R. da
Silva, Mocidade, I, 270).
b) Se o verbo é de or. principal do conjunctivo im-
perativo, ou optativo, ou concessivo, e não é precedido
de palavra negativa, pospõem-se ao verbo determinado
ou aos infinitivos; mas se antes fôr expressão em que
recaia emphase, antepõem-se ao verbo determinado.
Nas orações de quer — quer, e seus s^non. pospõem-se.
c) Se o verbo é de uma or. subordinada de modo
33t KYNTAXIO HISTOKICA PORTUGUESA
finito, antepõem-se ao verbo determinado, ou pospõcm-se
aos infinitivos : Penso que Wo podes dizer ; poiso que po-
des dizer-Wo; Creio que as podes conirçdr a phnildr;
creio que podes começá-las a plantar ; creio <iuc podes co-
meçar a plantá-las :
os que vos não sabem ver \ Do vosso amor não se
prendem (Caminha, 11). Conta-lhe como Ulysses he che-
gado, I . . Que quer ir visita-lo acompanhado \ Das Dei-
dades do rio caudaloso (Ulyss., VII, 64). E o velho
Protheo c'o rebanho errante \ No mais fundo do pego
determina \ Ir esconder-se nas cavernas (Ibid., VIII, 8).
Quando, Ninfa cruel, para matar-me \ A este grande
amor não correspondas, \ Não entendas que podes esca-
par-me, \ Por mais que no profundo mar te escondas
(Ulyss., III, 48). A mortal lança Ulysses levantando, \ A
Valinferno sacudida parte, \ Onde a pallida morte vai
voando, | A que não pode oppôr-se, ou força ou arte (Ibid.,
IX, 60). Eis aqui porciue Diniz d'Alhaide 7ião quiz ser
bento . . e se foi metter padre franciscano (Garrett, Viag.,
104). Orando estão peregrinos lhes queira sempre valer
(Cast., Oídono, II, 105). Mas como queres que te obedeça-
mos, se não sabemos de quem te havemos de vingar?
(Herc, Eur., 219). são tão numerosos e flagrantes os
abusos comettidos . . que,., não podemos ai}ida agora
perrloar-lhe (Cast., Q. Hist., 4, 79). porque nem a von-
tade a pode occultar, nem o engano a sabe fingir (R. da
Silva, Mocidade, 3, 108). Em Porlngal não parece que
se possa admiííir essa mesma origem, seiião como excepção
muito rara (Gama Barros, Hist., I, 47).
Obs. 1." Se o primeiro iiifiiiitivo é precedido da
prcpos. de, os pronomes áuuiurf podem também ante-
por-se ao infinitivo:
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 335
como se puniam nas duas compilações os que deixa-
vam de o prestar (Gama Barros, Hist., I, 172).
Obs. 2." No port. arch, médio também se dizia,
V. g.: para que se não atrevesse a lhe resistir (Vieira, I, 795-
796).
d) Se o verbo determinado está no infinitivo, e não
é precedido de prepos., pospõem-se a qualquer dos infi-
nitivos: podê-las começar a plantar; poder começa-las a
plantar; poder começar a planta-las. Se ó precedido de
palavra negativa, antepõem- se ao 1.° infinitivo, ou pos-
põem-se a qualquer dos infinitivos : não as poder começar
a plantar ; não podê-las começar a plantar ; não poder
começá-las a plantar; não poder começar a plantá-las:
Se é precedido de prepos., antepõem-se ao 1.° infi-
nitivo, ou pospõem-se a qualquer dos infinitivos : para
[não] as poder começar a plantar; para [não] podê-las
começar a plantar ; para [não] poder começá-las a plan-
tar; para [não] poder começar a plantá-las.
e) Se o verbo está no participio em -ndo, e não é
precedido de palavra negativa nem da prepos. em, pos-
poem-se ao participio ou a qualquer dos infinitivos: po-
dendo-as começar a plantar ; podendo começá-las a plan-
tar; podendo começar a plantá-las. Se ó precedido de
palavra negativa, ou da prepos. em, antepõem-se ao par-
ticipio, ou pospõem-se a qualquer dos infinitivos : em
[não] as podendo começar a plantar ^ em [não] podendo
começá-las a plantar; em [não] podendo começar a plan-
tá-las :
o monarcha, 7ião se podendo conter mais, . . desafogou
em frouxos de estrondosas gargalhadas (R. da Silva,
Mocidade, 2, 18).
336 SYNTAXE HISTOUICA PORTUGUESA
Obs. ao 2.0 caso. Quando o infinitivo tem de ser
precedido da prepos. de, os prononies átonos ante-
pOem-se ao verbo determinado, se este não for no rosto
da clausula, ou pospòe-se a prepos, í/e, ou ao infinitivo:
Isto se devia de dar, isto devia de se dar, islo der ia de dar -se.
Hei-a de ver (Prestes, 215). Ha-de-se prover a gineta
(Vieira, I, 501). tu husde-o deixar morrer assim, meu
Carlos? (Garrett, Viag.y 217). Hão-de os humanos \ Aos
pés pisar-ie (Here., Pões.., 133). Antes de David entrar
no desafio com o Gigante perguntou, que premio se havia
de dar a quem tirasse do mundo aquelle opprobrio de Is-
rael (Vieira, I, 967).
Obs. A's perguntas: hei-de':' has-de? ha-de? hão-de?
responde-so no port. moderno com hei-de, has-de, ha-de,
hão-de:
E eu hei-de, mentir . .?-— Has-de, porque cu te mando
(Garrett, Fr. Luís de Sousa, act. I).
3.'^ Caso — Com verbo, que não está na conjugação
periphrastica formada com o participio em -ndo, de-
terminado por um infinitivo ou infinitivos successivos re-
feridos ao compl. directo ou indirecto do verbo:
§ 455. Os pronomes átonos dependentes do verbo
principal seguem as regras do 1.° caso : Obriguei-o a fal-
tar ; não o obriguei a faltar ; os dependentes de um só
infinitivo pospõem-se a elle ; os dependentes de infinitos
successivos pospòem-se a qualquer d'elles: Obrigo-a a
traduzi-lo; obrigo-a a começá-lo a traduzir; obrigo-a a
começar a traduzi-lo:
sem deixar-se [sem se deixar] vencer do amor do fi-
lho (Freire, 133). elle sabia fazer-se respeitar (R. da Sil-
va, Mocidade, 1, 177). Sinto ver-me obrigado a notar-
Wo (R. da Silva, Mocidade, I, 202).
SYNTAXE HISTÓRICA POKTDGDESA 337
Cruz e Silva (no Hyssope, 104) diz incorrectamente :
deixai passa-lo, em vez de : deixae-o passar.
Obs. Quando o complemento dos verbos deixar,
fazer, mandar, sentir, ouvir, ver, ao qual se refere o infi-
nitivo ligado aos mesmos verbos, é indeterminado (v. g.:
mandou enterrar os mortos), os pronomes átonos com-
plementos do infinitivo ou se consideram complementos
d'aquenes verbos, e seguem as regras do 1.° caso (miin-
dou-os enterrar), ou se pospõem {mandou enterrá-los):
O rei prendeu-os e mandou-lhes tirar os olhos (G.
Barros, Historia, I, 108).
4.° Caso — Com verbo na conjugação periphrastica
formada com o participio em -ndo.
§ 456. a) Se o verbo pertence a uma or. principal
do indicativo, imperativo ou infinitivo, e não determina
{no infinitivo) outro verbo, quando antes não vae pala-
vra negativa ou interrogativa, pospõem-se ao verbo au-
xiliar (da conjugação periphrastica), ou ao participio :
Ando-o lendo ; ando lendo-o :
quem come o corpo de Christo . . vai conservando-se
em graça (Man. Bernardes, Pão partido, II, § 25). Vão-se
as praias, e os montes affastando {Ulyss, II, 4). Em
quanto aos hombros o alto Ceo sustenta \ Está vendo-te
Atlante perturbado (Ibid., F, 60). foi . . enriquecendo-se
com os inventos das artes e descobrimentos das sciencias
(Cast,, Q. Hist., 4, 80). Vamos fazendo-nos velhos, meu
amigo, os annos não passam debalde (R. da Silva, Moci-
dade, 3, 19).
Antepõem-se porem de preferencia :
1) quando antes do verbo vae palavra em que na-
turalmente recae a emphase,jOu a que se pretende dar
realce :
22
338 SYNTAXE HISTOUICA PORTUGUESA
Para ti os frescos vales e outeiros | Se vão cubrindo
de mil varias flores (Caminha, 217). Hum dia junto ao
mar te estavas vendo \ Nos cristaes da agua pura, e soce-
gada, \ Alli amor me fazia estar tremendo, | Que ficasses
de vêr-te namorada (Ulyss., Ill, 41).
2) quando a or. ó precedida de uma or. adverbial,
ou 6 uma nova or. principal, mormente, se ligada por
conjuncção.
Nas orações de ou— ou antepõem-se ou pospõera-se.
Quando antes do verbo vae palavra negativa ou in-
terrogativa, antepõera-se ao auxiliar, ou pospõem-se ao
participio : Ninguém o anda lendo. Quem o anda lendo ?
Ninguém anda lendo-o ; quem anda lendo-o ? . .
Se o verbo (no infinitivo) determina o verbo de uma
or. principal do indicativo ou imperativo, pospõem-se ao
verbo determinado ou ao infinitivo ou ao participio :
Pode-lo andar lendo; podes andá-lo lendo ; podes andar
lendo-o. Quando, porém, o verbo determinado é prece-
dido de palavra negativa ou interrogativa, antepõem-se
ao verbo determinado, ou pospõem-se ao infinitivo, ou
ao participio : Não o pode andar lendo. Quem pode an-
dá-lo lendo ? Quem pode andar lendo-o ? :
O homem, desfavorecido dos acasos de que depende a
felicidade, o bem, e a fortuna, não pode nada comsigo,
nem deve estar lacerando-se com as suas próprias unhas
para extirpar com o sangue a raiz do mal (Camillo, O
romance de um homem rico, 50, ap. Barreto, Est., 128).
b) Se o verbo é de or. principal do conjunctivo
imperativo, ou optativo, ou de supposição, e não é pre-
cedido de palavra negativa, pospõem-se ao auxiliar, ou
ao participio : Esteja-o elle muito embora traduzindo ; es-
teja elle muito embora iraduzindo-o.
SYNTAXE HISTÓRICA. PORTUGUESA 339
Nas orações de quer — quer, e seus synonymos, ante-
põem-se ao auxiliar: Quer o esteja traduzindo, quer não.
c) Se o verbo pertence a or. subordinada de modo
finito, e não determina (no infinitivo) outro verbo, ante-
põem-se ao auxiliar, ou pospõem-se ao participio : Creio
que [não] o anda lendo; creio que [não] anda lendo-o :
Chama-se via purgativa o estado em que a alma anda
purgando- se de seus pecados, e desterrando seus vícios
antigos (Man. Bernardes, Exercidos espir., 32, ap. Barre-
to, Est., 127). Vendo Uljjsses, que o muro se acabava, I
E o tempo de partir se vem chegando, | As saudades c'os
olhos lhe contava, \ De sua grave dôr effeito brando
(Ulyss., X, 105). fora vendo com satisfação, ainda que
não sem alguns longes de cuidado pelas incertezas do fu-
turo, os progressos de um primeiro affecto, que de dia
para dia se foi activando, até que chegou o verdadeiro
amor, apaixonado e invencivel (Cast., Chave, I, 77).
Se o verbo (no infinitivo) determina o verbo de uma
or. subordinada (a cujo sujeito está referido) de modo
finito, antepõem-se ao verbo determinado, ou pospõem-se
ao infinitivo : Creio que [não] o pode andar lendo ; Creio
que [não] pode andá-lo lendo.
d) Se o verbo está no infinitivo e não determina
outro verbo que esteja no infinitivo, (ou no participio em
não) e não é precedido de prepos., pospõem-se ao infini-
tivo ou ao participio: [É bom] andá-lo lendo: [é born]
andar lendo-o :
Se tanto pôde só tia esperança j De vos vêr, que fará
estar-vos vendo? (Caminha, SI). Tudo era grave horror,
e representa \ Ir-se armando no ar grande tormenta (Ulyss.,
VIII, 75). aquele ar espantado significava estar o doutor
recordando-se de ter conhecido o general ou a filha (Camilo^
Os brilhantes do brazileiro, 165, ap. Barreto, Est., 128).
840 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Quando, porém, ó precedido de prepos., antepõem-se,
ou pospõem-se ao infinitivo, ou pospõem-se ao partici-
pio: 2)cif(í [não] o andar lendo; j^ara [não] andá-lo lendo;
para [não] andar lendo-o :
para ir assim predispondo-a a mais de vontade o ser-
vir (Camillo, O bem e o mal, lõõ, ap. Barreto, Est., 127).
.Se o irrfinitivo [da conjug. periphrastica] determina
outro infinitivo, sendo os dois infinitivos referidos á
mesma pessoa ou cousa, e este não é precedido de pa-
lavra negativa nem de prepos., pospõem-se ao infinitivo
determinado, ou ao infinitivo da conjug. periphrastica, ou
ao participio: [É bom] podê-lo andar lendo; [é bom] poder
andá-lo lendo; [é bom] poder andar lendo-o.
Quando, porem, o infinitivo determinado ó precedido
de palavra negativa ou de prepos., antepõem-se ao infini-
tivo determinado, ou pospõem-se a qualquer dos infiniti-
vos, ou ao participio: ^?ara [não] o poder andar lendo;
para [não] podê-lo andar lendo; para [?ião] poder andá-lo
lendo; para [não] poder andar lendo-o.
Semelliantemente no caso representado nestes exem-
plos: [É bom] podê-lo começar a andar lendo; [é bom]
pode?' começa-lo a andar lendo; [é bom] poder começar a
andá-lò lendo; [é bom] poder começar a andar lendo-o;
para o [não] poder começar a andar lendo; para [não]
podê-lo começar a andar lendo; para [não] poder começá-lo
a andar lendo; para [não] poder começar a andá-lo lendo;
para [não] poder começar a andar lendo-o.
Se o infinitivo da conjug. periphrastica determina
um participio em -ndo (sendo o participio e o infinitivo
referidos á mesma pessoa ou coisa), e este não ó prece-
dido de palavra negativa, ou da prepos. em, pospõem-se
ao participio determinado, ou ao infinitivo, ou ao parti-
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 341
cipio da conjugação periphrastica : podendo-o andar lendo;
podendo andá-lo lendo; podendo andar lenão-o.
Quando, porém, o participio é precedido de palavra
negativa, ou da prepos. em, antepõem-se ao participio
determinado, ou pospõem-se ao infinitivo, ou ao parti-
cipio da conjug. periphrastica: Em [não] o jwdendo andar
lendo; em [não] podendo andá-lo lendo; em [não] podendo
andar lendo-o.
Semelhantemente no caso representado nestes exem-
plos: poãenão-o começar a andar lendo; podendo começá-lo
a andar lendo; podendo começar a andá-lo lendo; podendo
começar a andar lendo-o; em [não] o podendo começar a
andar lendo; em [não] podendo começá-lo a andar lendo;
em [não] podendo começar a andá-lo lendo; em [não] po-
dendo começar a andar lendo-o.
e) Se o infinitivo da conjug. periphrastica determina
(immediatamente, ou por intermédio d'outro infinitivo)
um verbo a cujo compl. directo o infinitivo está referido,
os pron. átonos dependentes do verbo principal seguem
as regras do l.*' caso; os dependentes do infinitivo da
conjug. periphrastica pospõem-se a esse infinitivo, ou ao
participio (da conjug. periphrastica); os dependentes do
infinitivo da conjug. periphrastica, e d'outro infinitivo,
pospõem-se a qualquer d'elles, ou ao participio: Ohrigo-o
a andá-lo tradiízindo; obrigo -o a andar traduzindo-o;
ohrigo-o a começar a andá-lo traduzindo; ohrigo-o a come-
çar a andar traduzindo-o.
Obs. Tem também aqui lugar a obs. do 3.° caso.
f) Se o auxiliar da conjug. periphrastica está no
participio em -ndo, e não é precedido de palavra nega-
tiva, nem da prepos. e??^, os pron. átonos pospõem-se ao
342 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
auxiliar, ou ao 2.° participio: Andando-o lendo, (tendo-o
andado lendo); andando lendo-o:
. . Philarco em vagaroso 2)asso, \ Indo-se retirando, e
resistindo, | Os seus recolhe (UUjss.y IX, 121).
Se é precedido de palavra negativa, ou da prepos.
em, antepõem-se ao auxiliar: não o andando lendo (não o
tendo andado lendo), em [não] o andando lendo (em [não]
o tendo andado lendo):
andando-o elles assy buscando (Vida de SJ° Aleixo,
na Rev. Lus., I, 835).
§ 457. Observações geraes á coUocação dos pron.
pessoaes átonos:
Obs. ]." No port. moderno, os pronomes procliti-
cos não 6 usual estarem separados do verbo senão peio
adverbio não, e pelos pron. pessoaes eu, tu, ellc, nós, vós,
elles.
No port. arch. médio, havia neste respeito ampla li-
berdade :
o leom, porque Jie nobre, lembrou-sse da boa obra que
lhe o pastor fezera (Fabul, fab. 27).
Obs. 2." Quando um pron. pessoalátono, que devia
ser proclitico, está longe do principio da or., e quando
não pertence ao 1." de dois ou mais membros coor-
denados do discurso, não 6 irregularidade muito de es-
tranhar fazê-lo enclitico.
Obs, 3." Quando um infinitivo regido de prepos.
tem por compl. directo os pron. o, a, os, as, quasi já não
está em uso juntar os pronomes á preposição:
todos sairam ao receber [=^a recebê-lo] (Diego Aff., bO)
muyto trabalhava lio Bisjm Eboraçense pollos reconciliar e
fazer amigos (Lá., 74). porque não liedirão por sy mesmos
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 343
estes dous discípulos, pois Unhão tantas razoens que os ani-
massem ao fazer? (Vieira, //, 208). As duas mulheres
moças lidavam pelo restaurar e lhe estancar o sangue
(Garrett, Yiag., 219). os padres de S. Domingos deram os
seus arcos de graça pelos quererem alugar muito caros.
(R. da Silva, Mocidade, i, 10).
Também já não está em uso juntar os mesmos pro-
nomes, quando compl. directo, á conjuncção pois:
poy-la não tem (H. P., J, 81 v.).
Ohs. 4." Aos parti cipios passivos não se juntam os
pronomes pessoaes átonos; todavia encontram-se espo-
radicamente alguns exemplos:
Havendo primeiro harpoado-lhe o filho (Brito, Viag,
do Brasil, 121, ap. Blut.).
§ 458. Os artigos antepõem-se á expressão substan-
tiva para que pertencem, devendo também preceder as
outras expressões attributivas, com excepção de todo e
ambos: um bello livro, um não sei quê, os vinte homens;
todos os homens, ambos os homens.
§ 459. As preposições pertencentes para uma or.
infinitiva põem-se no rosto da oração.
§ 460. a) Os advérbios de quantidade pertencentes
para adjectivos ou para outros advérbios, antepõem-se a
elles.
b) O adverbio não, quando nega todo o predicado,
antepõe-se ao verbo (do qual só pode estar separado pe-
los pronomes átonos) ; quando nega um elemento da or.,
antepõe-se a elle (não sem razão), mas pospõe-se nas ré-
plicas ellipticas, V. g.: Eu não, aqui não (em inglêz: Not
I; not here).
§ 461. As conjuncções, quando ligam orações, vão
344 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
no rosto da oração para que pertencem, excepto j^orêfn^
que se pode pospor.
§ 462. As liberdades da collocaçào poética consis-
tem principalmente em :
1) antepor nas determinações proposicionaes o de-
terminante ao determinado :
Eis já do livião oiitomno — Pesa o manto nas florestas
(Passos, 9). Dos homens ai quem me dera \ Longe, bem
longe viver! (Idem, 40).
2) antepôr-se ao infinitivo, que determina um verbo,
o substantivo que é compl. directo do infinitivo.
Esta liberdade tinha-a também a prosa archaica :
começou as lanças a britar (Graal, 15).
3) interpor entre duas expressões coordenadas a
expressão a que ambas se prendem syntacticamente :
Quem he, me dize, esVoutro que . . \ Tantas coroas tem
por tantas partes j A seus pés derribadas e estandartes?
(Lus., VIII, 10). Contra Ma dama, 6 peitos carniceiros,
\ Feros vos amostrais e cavalleiros? (Lus., III, 130).
4) coUocar entre o sujeito e o verbo o substan-
tivo que é compl. directo:
As filhas do Mondego a morte escura \ Longo temj^o
chorando memorarão (Lus., III, 13õ).
5) interpor uma or. relativa entre o artigo ou um
attributo do substantivo, e o substantivo :
As, que ao Eterno enviar, humildes preces (Eliezer,
1, 17).
6) pôr em uma or. relativa um elemento que per-
tence á or. demonstrativa :
. . quando alevantárão \ Hum por seu capitão, que pe-
regrino I Fingio na cerva espirito divino (Lus., I, 26).
7) Outros exemplos de collocação poética são :
SY-NTAXE HISTOKICA PORTUGUESA 345
Já fria^ o corpo teu, lapida encerra (José Agost., Epi-
ceãio d morte de Bocage).
CAPITULO II
Collocação das orações
§ 463. Quando uma or. breve tem ligada a si uma
or. substantiva, pode o sujeito, ou uma determinação do
predicado (inclusive uma or. adverbial) da or. substantiva,
collocar-se antes da or. subordinante:
. . o mui namorado \ Tristam sei hem que non amou
Jseu I quanfeu [vos amo (Lang, 37). Quem nisto bem
olhasse, certifico, \ Que não fugisse tanto da pobreza (Diogo
Bernardes, EcL, 3, 10 v.). Na íris, ou Arco celeste, todos
os 710SSOS olJios jurarás, que estão vendo variedade de
cores (Meira, I, 200). Pregador que peleja com as armas
alheyas,7ião hajais medo que derrube gigante (Id., ibid., õ4).
A fazenda que se ha-de alijar ao mar no meyo da tempes-
tade, não he mays são conselho que fique no porto, e com
ganância? (Id., ibid., llOò). toda esta energia, todo este
recordar-se de rica herança dir-se-hia que erão suscitados
(Herc, Eur., 84). Se me enganasses, ou eu ma. enganasse,
não sabes que não sobrevivia á dor de te perder? (R. da
Silva, Mocidade, 3, 125).
§ 464. As or. relativas podem estar separadas do
seu antecedente, mas de modo que não resulte ambigui-
dade. Nas phrases sentenciosas, a or. relativa separa-se,
ás vezes, do seu antecedente, por toda a or., a que o
antecedente pertence:
aquelle se chamará bom prelado que tiver letras, repu-
tação, e virtudes (H. P., I, 188). Diz São Leão papa num
sermão, qve naquelle coração não ha vestigio de justiça.
346 SYNTAXE HISTOKICA PORTUGUESA
ojide a avareza tem feyto sua morada (Lá., II, 51 v.). Esse,
é meu amigo, que moe no meu moinho (Prov.).
§ 465. Quando uma or. adverbial e a sua subordi-
nante tem sujeito comum, pode intercalar-se a or. adver-
bial entre o sujeito e o resto da or. subordinante:
O abbade assim que tomou assento estendeu a mão
solemnemente (R. da Silva, Mocidade, S, 56).
§ 466. Quando uma or. adverbial pertence para uma
or. subordinada, em regra, ou se pospõe a esta, ou se
pospõe, pelo menos, á conjuncção d'esta; não havendo,
porem, ambiguidade, pode até antepor-se ao conjuncto
formado pela or. subordinante com a subordinada:
Quando Atreo deo a comer a Thyestes a carne de seo
filho, diz a Gentilidade, que fez tal horror este caso á
mesma natureza, que o Sol contra seo curso tornou atraz,
por não contaminar a pureza de seus rayos, dando luz a
tão abominável mesa (Vieira, I, 166).
§ 467. As or. causaes de porquanto e como, e as
temporaes de como não se pospõem á or. subordinante.
Appendice á Syntaxe
Ellipse
Ellipse em sentido lato
§ 468. a) Não havendo ambiguidade, o sujeito sub-
entende-se de uma or. para outra, tanto de or. principal
para principal, como de principal para subordinada e
vice-versa, e também de uma clausula para outra.
b) Os pron. pessoaes átonos pertencentes a verbos
coordenados, quando pospostos, repetem-se junto de
cada verbo; quando antepostos, repetem-se, ou suben-
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 347
tendem-se do primeiro verbo para o seguinte ou se-
guintes.
c) Um substantivo complemento que haja de refe-
rir-se a vários verbos coordenados, pode subentender-se
do ultimo para os antecedentes, quando vae depois do
verbo, e do primeiro para os seguintes, quando vae an-
tes d'elles.
Não havendo ambiguidade, o compl. directo de uma
or. pode subentender-se para sujeito da or. seguinte :
Por mais que confeiteis hum Não, sempre amarga
(Vieira, II, 90).
% 469. a) Na coordenação de verbos, pode o parti-
cipio passivo ser subentendido de uma or. para as ante-
riores :
As calamidades imprevistas não foram, nem podiam
ser comhatiãas com menor energia (Herc, Op. II, 322).
b) Na coordenação, jíode o verbo auxiliar de um
tempo composto (também da voz passiva) subentender-se
de uma or. para as seguintes :
Tinha roncado e harhateado Pedro, que se todos fra-
queassem, só elle . . (Vieira, II, 333, ap. Blut.). Os templos
hão de ser destruídos, os seus ministros proscriptos, o nome
de Deus hlasphemado d vontade n'esta terra maldita (Gar-
rett, Viag., 93). Foi saqueada a vila, e assassinados os
partidários dos Felipes (Camillo, O snr. do paço de Ni-
nães, 145, ap. Barreto, Est., 191).
§ 470. Em membros cordenados, ou ligados por
partículas comparativas, pode dizer-se :
Todos os homens dalto ingenho tiveram pêra si, que a
quietação era cousa muy doçar e segura, e a governança
viuy azeda e perigosa (H. P., I, 343 v.).
§ 471. a) Em or. coordenadas, pode o verbo suben-
tender-se da primeira or. para as seguintes, na mesma
348 8YNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
OU em differente pessoa e numero, e até, salva a clareza,
em differente tempo e modo :
Não vedes que não podeis andar por vós mesmo, quanto
mays correr ? (Vieira, 7, 672). Este será o argumento, e
estes 08 dous pólos do meu discurso (Id., II, 1). Aquelle
coração precisa de dilatar-se, aquelles sentidos de recrea-
rem-se (Herc., Lendas, II, 203). Que se leia inteira a pas-
sagem impressa daquella carta, e ver-se-Jia se foi o Arce-
bispo, se eu, quem usou de mais desabrida linguagem (Id.,
Op. III, 45). Elles tremiam por si: eu pela sorte da Hes-
panha (Id., Eur., 63).
b) De uma or. de modo finito pode subentender-se,
em uma or. subordinada, um verbo no infinitivo.
c) Em or. comparativas, pode subentender-se da or.
subordinante o verbo, e vice-versa:
assi como o outono vay desfolhando as arvores: assi
a velhice as alegrias (H. P., //, 368). Assi como o ferro
se ha com a lima: assi o entendimento com a disputa (H. P.,
II, 16).
d) De uma or. negativa tem ás vezes de subenten-
der-se, menos regularmente, em uma or. adversativa o
predicado em forma positiva:
Não he bem, que moura a lembrança da bõa obra rece-
bida, mas que sempre este viva na memoria (H. P., 77,
325 V., 326).
e) De uma or. demonstrativa subentende-se o pre-
dicado para uma or. substantiva subordinada á relativa:
Venção agora pois, os que es servido [que vençam]
(Eneida Portug., 10 11).
Ellipse propriamente dieta
§ 472. Nas exclamações com quanto, qual, que, quão
(como adjectivo), como em: Quantos montes então que
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 349
derribaram \ As ondas que batiam denodadas!, ha ellipse
de um verbo como haver, e a cr. de que é propriamente
relativa.
No discurso animado, quando se pretende dar con-
cisão e energia á phrase, pode omittir-se o verbo ou um
substantivo (sujeito), se se subentendem facilmente:
Fazer mancos, fazer aleijados, fazer cegos, fazer estro-
peados, isso fazem os Reys, e isso podem. E senão ide a
essas campanhas, a esses exércitos, e a essas cortes: [vereis]
hims em muletas, outros . . (Vieira, II, 22). Donas, res-
peito ás intangendas roupas (Cast., Fastos, 3, 163). [o caso]
havia de ser comigo (Herc, Lendas, II, 141).
§ 473. Geralmente fallando, os pronomes pessoaes
como sujeitos só vão expressos quando o requer a em-
phase ou a clareza:
elles vigião nas atalayas; vós dormis (Vieira, I, 989).
— A quem as entregou? — Á tia Perpetua.— Não conheço.
— Conheço eu! — gritou frei João, erguendo-se tremulo da
ira reprezada (R. da Silva, Mocidade, 3, 209-10).
§ 474. É imitação litteraria do latim a omissão do
verbo dizer das or. principaes, quando se cita o dicto de
alguém, acompanhando-o de uma expressão de louvor ou
vitupério :
Judiciosamente [diz] S. Basilio de Seleucida (Vieira,
//, 27).
Entre os casos avulsos de ellipse citar-se-hão os se-
guintes :
Deos [seja] louvado (H. P., I, 306). Agora ao ponto
[venhamos] (Ceita, 195 v.). e depois fica tudo como d' antes
(Garrett, Fr. Luis de Sousa, acto I).
350 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA
Zeugma
§ 475. As vezes emprega-se como pertencente em
commum, a duas orações contrapostas, ou a duas deter-
minações, o verbo que só quadra á primeira, tendo de
subentender-se para a segunda outro verbo que, com o
primeiro, constitue uma categoria que comprehende am-
bos:
Cabeças pelo campo vão saltando, | Braços, pernas,
sein dono e sem sentido, \ E de outros as entranhas palpi-
tando, j Pallida a côr, o gesto amortecido (Lus., III, 52).
§ 476. É corrente, sobretudo na conversação, subor-
dinar a um verbo de pedir, aconselhar, ordenar,
etc, duas orações de que, quando a segunda realmente
depende do participio do presente de um verbo de diz er:
E este rronssinoU ho rogava, qua?ito podia, que lhe
desse o sseu filho e nojn lhe fezesse mall, e que ssempre fa-
ria sseu serviço (Fábul, fab. 31).
Pleonasmo (gramatical)
§ 477. a) Quando o compl. directo, que regular-
mente deveria ir depois do verbo, é transportado em-
phaticamente para o principio da or., representa-se no-
vamente junto do verbo pelo pron. pessoal respectivo ou
— no caso do compl. directo ser uma or. — pelo demons-
trativo o :
Alguns intentos, que tive, abortou-m os a fortuna
(Vieira, VII, òl8, ap. Blut.), Que a censura previa é inú-
til, os factos tem-no sobejamente provado (Herc, Op., 1, 133).
b) A pessoa ou cousa designada por aquelle que, o
que, ou por um substantivo pode ser designado de novo
por um pron. demonstrativo (de ordinário esse):
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 351
O serviço que sse faz de voomtade, aquelle lie bem fecto
(FabtU.f fab. 3õ). o que era contra a honra de Deos, e em
dano das almas, isto só o affíigia e lhe tirava o gosto da
vida (Sousa, V. do Are, I, 431).
c) Em orações interrogativas o substantivo que é
sujeito, repete-se ás vezes emphaticamente, depois do
verbo, na forma de pron. pessoal :
Aquelle espantoso dom Vasco da Gama conde Almi-
rante nam fez elle cousas, em cuja comparaçam as grande-
zas antiguas parecem pouquidades ? . (H. P., 7, 458).
Entre os casos avulsos de pleonasmo citar-se-hão os
seguintes :
of este dia Lang., 30). Oje neste dia (Diego Aff., 96).
logo nessora (Chiado, Pratica, 103).
Obs, Não hão-de vêr-se pleonasmos em : já, já ;
logo, logo ; marche, marche.
Synese
§ 478. A synese consiste em construir a or., olhando
mais ao sentido do que ás palavras que se empregam.
Um caso é o emprego do verbo no plural sendo o sujeito
um substantivo collectivo do singular (§ 17, e); outro é o
emprego de um apposto, referido a um nome represen-
tado por um pron. possessivo :
Opulenta outr'ora, os seus (de Carteia) estaleiros ti-
nham sido famosos antes da conquista romana (Herc,
Eur., 7). Homem de paz, cingindo a espada do guerreiro,
que outro mister deverá ser o teu? (Id., ibid., 79).
Aííracçáo (e assimilaçãa de modos)
§ 479. Diz-se haver attracção grammatical, quando
na syntaxe uma palavra se regula por uma outra, pela
352 SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGCESA
qual se não havia de regular. Um exemplo de atracção
é: uma pouca d'agoa (por: um pouco d'agoa).
§ 480. Caso particular de attrac<;ão é a assimilação
de modos (e tempos) que se encontra, por exemplo, em:
E quando caso for que ew, impedido \ Por quem das
cousas he ultima linha, | Não for (por: não seja) comvosco
ao i)razo instituído, \ Pouca falta vos faz a falta minha
(Ims., VI, 55). Porem como a esta terra então viessem \
De lá do seio Arábico outras gentes \ Que o culto Mahome-
tico trouxessem \ —No qual me instituíram meus parentes — ,
I Succedeo . . (Id., VII, 33).
Anacoiuíhiâ
§ 481. Anacoluthia consiste em uma ou mais pala-
vras do principio de uma or. não se ligarem ao que
vem depois, segundo as regras da syntaxe:
Vereis este, que agora pressuroso \ Por tantos medos
o Indo vai buscando, \ Tremer d'elh Neptuno de medroso
(Lus., II, 47).
São casos particulares de anacoluthia :
1) pôr no principio d' uma clausula (ou membro de
clausula), sem ligação grammatical, a designação do ob-
jecto, a respeito do qual vem depois um asserto:
As outras, que as azas do anjo Azrael se estendam so-
bre os seus cadáveres (Herc, Eur., 163).
2) repetir o principio duma clausula, quando a
phrase ó interrompida por parenthesis, ou vem depois
extensas orações subordinadas :
He possível (dizia Ezechías, quando o propheta o avi-
zou para morrer)^ he possível que . . (Vieira, 7, 1097).
3) repetir a conjuncção que, e a partícula interro-
gativa se, quando logo depois se intercala uma or., e
ainda quando não ha tal intercalação :
SYNTAXE HISTOUICA 1'ORTUGUKSA 353
devemos catar se este que apelou se he demandador se
demandado {Port. Mon. Hist., Leis e post. de D. Aff. III,
^24). veja se os graaos da ladeza em que se topar, quer
sejam alem da equinocial quer aqiiem, se sam conformes
asy do luguar, em que estever, como d'aquelle em cuja busca
for {Esmeraldo, 124). será bem feito . . I . . que o Regente
I Que esta terra governa, que vos veja \ E do mais neces-
sário vos proveja (Lus., I, õõ). E dizem que saudades que
matam! (Garrett, Viag., 241).
4) principiar por uma or. da conjunção que a parte
subordinada d' uma frase e terminá-la por uma or. infi-
nitiva.
ssem rrazom parece que aquel que lie atormentado dar-
Ihi homem outro tormento. {Port. Mon. Hist.^ Lei de D.
AiTonso II, ap. Gama Barros, Hist. da Administração, 1, 61).
Contaminação syntactica
§ 482. Contaminação syntactica é a fusão irregular
de duas construcções que, em separado, são regulares,
V. g.: ..parecem \ Que nunca brando pêntem conhecerão
Lus., VI, 17) ; a construcção regular j^arecewi nunca bran-
do pêntem ter conhecido, e a construcção também regular
parece que nunca brando pêntem conheceram, fundidas irre-
gularmente, deram : parecem \ Que nunca brando pêntem
conhecerão :
Cornelio moço os faz que compellidos | Da sua espada
jurem que as Romanas \ Armas não deixarão, em quanto
a vida \ os não deixar, ou nellas for perdida {Lus., IV, 20).
FIM
23
índice
Pao
Dedicatória v
Designações abreviadas vii
PARTE I
Da ligação das palavras na oração
SECÇÃO I — Da composição da oração; concordância do predi-
cado com o sujeito:
Capitulo I — Composiçflo da oraçSo 1
Capitulo II — Concordância do predicado com o sujeito:
A.— Concordância do verbo 11
B.— Concordância do adjectivo ou participio do
predicado 16
C. — Particularidades da concordância do predicado 17
SECÇÃO II— (sem titulo):
Capitulo I — Das palavras nominaes em geral 26
Capitulo II — Das palavras nominaes em particular:
A. — Do substantivo 47
B,— Do adjectivo 52
C— Do nome numeral:
a. — Numeraes propriamente dictos .... 59
b. — Numeraes indefinidos 61
D, — Dos pronomes :
a.— Pronomes pessoaes 62
b.— Pronomes possessivos 68
c. — Pronomes demonstrativos 70
d. — Pronomes relativos 77
e. — Pronomes interrogativos 82
f . — Pronomes indefinidos 84
356 8YNTAXE IIISTOHICA POUTUGURSA
VJlG.
E. — Appendice aos pronomes o nomes numeraos :
a. — Artigo ^efinido 90
b. — Artigo indefinido 97
c. — Artigo partitivo 98
Capitulo III — Do verbo 99
Capitulo IV — Da preposição:
A. — Preposições que substituem casos latinos:
Preposições que substituem o dativo e o
accusativo 104
A proposição (í lOõ
para 117
de 121
em 141
com 147
por (per) lõO
B. — Preposições que nSo substituem os casos la-
tinos:
a. — AnlCy perante, diante 168
b. — após 159
c.—trÚ8 ItíO
Ci—até(té),alá 160
Q.— desde (dês) 161
t.-sôhre 161
g.—sôb isô) 163
li. — contra (escontra) 163
i. — entre {antre) 161
j. — sem 165 -
k.— segundo {assegwido) 166
1. — conforme, consoante 166
C. — Equivalentes de preposições:
a. — Participios que passaram a funccionar co-
mo preposições: excepto, salvo; durante,
mediante 167
b, — Locuções proposicionaes 168
c. — Combinação do proposições 169
d. — Repetição das preposições e loc. proposi-
cionaes 169
Capitulo V — Do adverbio:
A. — Advérbios empregados na gradação:
SYNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 357
FAO.
a. — Comparativo 171
b. — Superlativo 174
c— Outras applicações das regras 175
B. — Particularidades de alguns advérbios. . . . 176
Capitulo VI — Da conjuncção 179
Capitulo VII — Da interjeição 179
Additamentos á secção I 180
PARTE II
Do emprego dos modos e tempos e da ligação das orações
SECÇÃO I — Do emprego dos modos e tempos :
Capitulo I — Do indicativo:
Tempos do indicativo:
Do presente 185
Do imperfeito 188
Do pretérito perfeito definido 191
Do pretérito perfeito indefinido 192
Do pretérito mais que perfeito 193
Do futuro imperfeito 195
Do futuro perfeito 197
Do condicional 198
Do conjunctivo:
Conjuíictivo em orações principaes .... 201
Conjunctivo em orações subordinadas . . . 206
Tempos do conjunctivo 219
Do imperativo 221
Do infinitivo:
(Generalidades) , .222
Infinitivo independente 241
Tempos do infinitivo 242
Participios :
Participio (activo) em -ndo 247
Participio em -nte 252
Participio passivo (simples) 253
Conjugação periphrastica 255
Appendice 259
868 SYNTAXB HISTÓRICA POUTUQUKSA
fAO.
SECÇÃO II — Da ligaçSo das orações:
Capitulo I — Da coordenação 260
CAriTci-o II —Da subordinação:
A. — Orações substantivas 267
B.— Orações adjectivas (relativas) 277
(/, — Orações adverbiaes:
a.— Conjuncções condicionaos 283
b,— ConjuncçÕes causaes 287
c— Conjuncções finaes 291
d. — Conjuncções concessivas 291
e. — Conjuncções consecutivas 29G
f,— Conjuncções tomporaes 299
g. — Conjuncções comparativas 306
Additamentos á secçío II 312
SECÇÃO III — Da collocaçao:
Capitulo I — Collocaçao das palavras na oraçSo 024
Collocaçao dos pronomes pessoaes átonos e do
pronome demonstrativo átono o 330
Capitulo II — CollocaçSo das orações 345
APFENDICE Á SYNTAXE
Ellipse:
em sentido lato 346
propriamente dieta 348
Zeugma 350
Pleonasmo (gramatical) 850
Syneso 361
Attracçfto (e assimilação de modos') 352
Anacoluthia 352
Contaminação syntactica 363
Declaração do editor 369
Correcções o additamentos 361
Declaração do editor
O Sr. Epiphanio Dias, que nasceu em Lisboa em
7 de Abril de 1841, e falleceu na mesma cidade em 30 de
Novembro de 1916, após terrível enfermidade que lhe
tolhera os movimentos corpóreos, e o prostrara no
leito por longos meses, havia muito tempo que traba-
lhava na coordenação de uma Syntaxe histórica portu-
guesa. Conhecendo que não tornaria a recuperar a saúde,
e que pelo contrário a morte se avizinhava, tratou de a
mandar copiar e enviar para o prelo: e ainda chegou a
ver as provas typographicas do ante-rosto, rosto, dedica-
tória e primeiras 32 páginas. Infelizmente a morte sur-
prehendeu-o durante o trabalho da impressão, mas este
continuou conforme o plano e orthographia adoptados
desde principio, e sob a direcção de um amigo que o
Snr. Epiphanio incumbira da revisão.
Não pôde o Auctor dar a ultima demão á obra : por
isso ficaram numerosas regras sem os respectivos exem-
plos, que o Sr. Epiphanio tencionava accrescentar, como
consta de claros que o manuscrito apresenta; e também
pelo mesmo motivo ha certas incoherencias na disposi-
ção typographica, e ás vezes no uso de maiúsculas e minús-
culas como iniciaes. O revisor não ousou pôr os exemplos
que faltam, nem modificar o systema ou arranjo material:
quis seguir, quanto possível, o manuscrito e as primeiras
360 SYNTAXE HISTOaiCA POUTUGUESA
duas folhas; se alguma rara vez se afastou, foi para emen-
dar erros na numeração dos §§ e na ordem das letras que
designam as alíneas, ou para melhorar pontuarão eviden-
temente errada ; não podendo verificar todas as citações,
verificou comtudo algumas, o também neste caso emen-
dou lapsos palpáveis. Quando o revisor teve duvidas em
pontos de orthographia, recorreu á Gramadca Portuguesa
KlpAnenlar do mesmo Auctor, visto que o manuscrito da»%«-
taxe e parte dos rascunhos não são da mão do Sr. Epipha-
nio: assim se imprimiu puder, untepõem-se o pospõcm-se
(no manuscrito estava jwder, no futuro do conjuntivo, e
antepõem-se o pospõem-se^ ora com til, ora sem elle).
As abreviaturas que vão no principio cm lugar de
prologo, que o Auctor 'não deixou, acharani-se soltas,
em tiras, com os rascunhos o manuscritos da obra: em-
bora não completas, nem perfeitas, o revisor entendeu
que devia juntá-las assim mesmas, e isso fez, alphabetan-
do-as, e pondo-lhes um titulo, de accôrdo com o que o
Sr. Epiphanio adoptara na sua edição d' Os Lusíadas em
circumstancias análogas (vid. vol. I, pg. xxxvii).
O Índice foi feito todo pelo revisor.
A secção II da parte I, pg. 26, não tem titulo no
manuscrito que serviu de original á composição typogra-
phica, só o tem no rascunho, que neste caso é autografo ;
como porém esta prova foi uma das que o Sr. Epiphanio
reviu, parece que elle não quis dar titulo á secção, e
portanto também aqui se lhe não pôs. Na Grammaiica
Portuguesa Elementar do mesmo Auctor a correspondente
matéria está distribuída de modo diferente (<complemen-
tos constituídos {)or substantivos ou palavras substanti-
vas», e «particularidades de syntaxo relativas a diversas
partes do discurso», — em dois capítulos): não pôde pois
tomar-se de lá um titulo.
STNTAXE HISTÓRICA PORTUGUESA 361
Noutra edição desta obra, o individuo que a revir,
tem maior liberdade do que o actual revisor, que havia
de se subordinar ao manuscrito do Auctor e á recomen-
dação do mesmo, o qual só pediu que lhe dirigisse a
publicação. De futuro podem, por exemplo, usar-se títu-
los nas cabeças das paginas, e marcarem-se ahi os§§; pôde
regularizar-se a disposição typographica, a pontuação,
o uso de maiúsculas e minúsculas, preencherem-se as
lacunas dos exemplos, acertarem-se os que por ventura
estiverem deslocados ou equivocados, etc. E provável que
o manuscrito e rascunho da Syntaxe sejam entregues á
Faculdade de Letras, de que o Sr. Epiphanio foi Pro-
fessor, e um dos mais distinctos que tem havido nella:
o revisor de outra edição devçrá consultá-los para o seu
trabalho.
Faz hoje um anno que o Sr. Epiphanio Dias deixou
de existir: julgamos commemorar dignamente o primeiro
anniversario da morte do sábio Professor, trazendo a lume
esta magnifica obra, que no seu género não tem de certo
competidora na nossa Litteratura.
Lisboa, 30 de Novembro de 1917.
O editor.
Correcções e additatnentos
Além d'outros erros typographicos que escapariam, emendem-se
os seguintes : '
Pg. 70 — O C do titulo que encabeça o § 83 devia ser minúsculo.
Pg. 104 — Na alinea 1.» do titulo do cap. IV, o P inicial da pa-
HYNTAXR HISTOf
lavra Preposição devia ser minúsculo; na alinea 3.*
deve eupprimir-Be «a.».
Vg. 117 — No titulo que encabeça o § 157 supprima-se cb.» e mu-
de-se P em p.
Vg. 166 — No titulo que encabeça o § 219 falta uma virgula entre
conforme e consoante.
Pg. 174-176— No manuscrito que serviu para a composição nSo se
marcaram as subdivisões que para comodidade do
leitor se marcam no indico, pg. 3õ7.
Pg. 176— No titulo que encabeça o § 233 mude-se b em B.
Pg. 216 — Na 7.* linha, contando de baixo, devia ser <Komm.,* eff
vez de *Komm,*,
Pg. 237 — Na linha 1.* devia ser «o. 6» (abreviatura de cobsorva-
çâo 6», em voz de »o, 6».
Pg. 258 — Na linha 8." devia ser tAelher.» (abreviatura de Aethe-
riae\ em vez de *Aethaer.».
Pg. 298 — Na linha 7.* devia ser «na loc. não», em vez de «nÍo
loc. não».
Entre os papeis da Synlaxe encontraram-se os seguintes aponta-
mentos, que talvez o Auctor quisesseintercalar nos respectivos lugares:
«1 — No apposto: L«<., 2, 94».
«2 — Na concordância do predicado: Quando a um sujeito com-
«posto se juntar uma apposição do plural, o verbo deve ir para o plurid.
«Imitando a syntaxe latina, Camões disse: Lus.^ 2, 112».
Estes apontamentos não são da letra do Sr. Epiphanio, foram di-
tados por ello: por isso tinham erros orthographicos que aqui se emen-
daram.
O primeiro passo camoniano a que se alude não traz nota nenhu-
ma na edição dos Lusíadas feita polo próprio Sr. Epiphanio; o segundo
passo traz explicação a pg. 128 do vol. I.
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